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pesca
2007-12-17

Aqui no sul da China, à sombra das montanhas da província de Fujian, se encontram dezenas de enormes lagos cheios de água turva marrom repletos de enguias, camarões e tilápias, grande parte deles destinados aos mercados do Japão e do Ocidente.

A China responde por cerca de 70% da produção mundial de peixes e frutos do mar. Fuqing (pronuncia-se 'fu-ching') é um dos centros de uma indústria próspera que ao longo de duas décadas transformou este país no maior produtor e exportador de peixes e frutos do mar do mundo, assim como o fornecedor dos Estados Unidos que mais cresce.

Mas tal crescimento está ameaçado por duas das mais gritantes fraquezas ambientais na China: escassez aguda de água e abastecimento de água contaminada por esgoto, dejetos industriais e escoamento agrícola, que inclui pesticidas. As fazendas de peixes, por sua vez, despejam seus dejetos e poluem ainda mais as reservas de água.

"Nossas águas aqui são imundas", disse Ye Chao, um criador de camarões que possui 20 lagos gigantes no oeste de Fuqing. "Simplesmente há fazendas de piscicultura demais nesta área. Todas despejam água aqui, poluindo outras fazendas."

Os piscicultores lidam com as águas tóxicas misturando drogas veterinárias ilegais e pesticidas na ração dos peixes, o que ajuda a mantê-los vivos, mas deixa resíduos venenosos ou cancerígenos nos peixes e frutos do mar, ameaçando a saúde dos consumidores.

A degradação ambiental, em outras palavras, se tornou um problema de segurança alimentar e os cientistas dizem que as conseqüências a longo prazo com o consumo de peixes e frutos do mar contaminados podem incluir maiores índices de câncer e doenças no fígado, entre outros males.

Ninguém está mais vulnerável a estes riscos à saúde do que os chineses, porque a maior parte dos peixes e frutos do mar da China é consumida no mercado interno. Mas os importadores estrangeiros também estão preocupados. Nos últimos anos, a União Européia e o Japão impuseram proibições temporárias aos peixes e frutos do mar chineses devido aos resíduos de drogas ilegais. Os Estados Unidos bloquearam a importação de vários tipos de peixe neste ano, depois que as inspeções detectaram traços de drogas ilegais associadas ao câncer.

Autoridades americanas e chinesas assinaram um acordo em Pequim para melhoria da supervisão das fazendas de piscicultura chinesas, parte de um acordo mais amplo de segurança dos alimentos e medicamentos.

Mas reguladores dos dois países estão tendo dificuldade para manter os peixes e frutos do mar contaminados fora do mercado. A China fechou empresas de peixes e frutos do mar acusadas de violarem as leis e colocaram outras em listas negras, enquanto os órgãos reguladores americanos estão realizando inspeções especiais nos peixes e frutos do mar chineses.

Fuqing está no topo da lista neste ano de carregamentos chineses de peixes e frutos do mar rejeitados, com 43 rejeições em novembro, segundo registros mantidos pela Food and Drug Administration (FDA), a agência americana de controle de alimentos e medicamentos. Todas as rejeições envolveram o uso de drogas veterinárias ilegais.

Em comparação, a Tailândia, outra grande exportadora de peixes e frutos do mar para os Estados Unidos, só teve dois carregamentos rejeitados por uso de drogas veterinárias ilegais. A China teve, ao todo, 210 carregamentos rejeitados por causa de drogas ilegais.

"Por 50 anos nós enfatizamos cegamente o crescimento econômico", disse Wang Wu, professor da Universidade de Pesca de Xangai. "O único interesse era o produto interno bruto (PIB), mas agora podemos ver que a água se tornou suja e os peixes e frutos do mar se tornaram perigosos. Todo ano, há acidentes de segurança alimentar e de poluição ambiental."

Os problemas ambientais que atormentam os peixes e frutos do mar poderiam ser um mau presságio para a indústria. Mas com a diminuição constante dos estoques de peixe nos oceanos e o aumento da demanda mundial por peixes e frutos do mar, a criação de peixes e frutos do mar é o futuro. E nenhum país se dedica mais a isto do que a China, que produziu cerca de 52 bilhões de toneladas de peixes e frutos do mar no ano passado.

Demanda gigante, estrutura gigante, problemas gigantes

A China produz cerca de 70% dos peixes criados em fazendas de pescados no mundo, colhidos em milhares de complexos gigantes ao estilo de fábricas que se estendem ao longo de todo o litoral leste do país. Os piscicultores produzem peixes e frutos do mar em massa não apenas na costa, mas também no interior, em lagos, lagoas, rios e reservatórios, ou em imensas piscinas retangulares cavadas na terra.

"Eles serão grandes fornecedores não apenas para os Estados Unidos, mas para o mundo", disse Richard Stavis, o presidente da Stavis Seafoods, uma empresa americana que importa bagre, tilápia e rã chineses.

A China começou a despontar como potência de peixes e frutos do mar nos anos 90, à medida que o rápido crescimento econômico se tornou uma grande prioridade no país. Mas especialistas em meio ambiente dizem que a busca precipitada por um maior produto interno bruto devastou a qualidade da água chinesa e colocou em risco a oferta de alimento do país. Na província de Guangdong, no sul da China, peixes contaminados com produtos químicos tóxicos como o DDT já estão causando problemas de saúde.

"Há metais pesados, mercúrio e retardantes de chama nas amostras de peixe que testamos", disse Ming Hung Wong, professor de biologia da Universidade Batista de Hong Kong. "Nós temos que impedir que os poluentes penetrem no sistema alimentar."

Mais da metade dos rios da China estão poluídos demais para servir como fonte de água potável. Os maiores lagos do país sucumbem regularmente de um grande aumento de algas prejudiciais. Os produtores de peixes e frutos do mar são parte do problema, disseram especialistas em meio ambiente. As enormes fazendas de piscicultura concentram dejetos de peixes, pesticidas e drogas veterinárias em seus lagos e despejam a água contaminada em rios, riachos e áreas costeiras, freqüentemente sem tratamento.

"Água é o maior problema na China", disse Peter Leedham, o gerente de negócios da Sino Analytica, uma empresa independente de testes de segurança de alimentos que trabalha com empresas que compram da China. "Mas meu sentimento é de que a China resolverá isto, porque ela precisa. Mas não será um processo rápido."

Lar do futuro chinês

Fuqing é chamada de qiaoxiang, ou lar, para aqueles que vão para o exterior, porque por décadas esta cidade portuária no Mar do Leste era por onde fugiam milhares de pessoas como passageiros clandestinos.

Nos anos 80, alguns dos imigrantes começaram a mandar dinheiro e idéias para casa ao mesmo tempo em que investidores estavam chegando do Japão e de Taiwan, prometendo ajudar o país a construir fazendas de piscicultura.

"A piscicultura era popular no Japão, de forma que vi o futuro", disse Wang Weifu, um antigo produtor de enguias.

Milhares de camponeses que tinham dificuldade em ganhar a vida colhendo arroz e batata começaram a cavar imensas piscinas retangulares e a enchê-las com água para criar lagos para os peixes. Outras partes do país seguiram o exemplo, criando fazendas ao longo das estradas, perto de rios, riachos e em grandes lagos, lagoas e reservatórios.

Hoje, o poderoso Rio Yangtze está repleto de fazendas de piscicultura. O histórico Lago Tai está cheio de cercados de caranguejos. Perto de Ningde, a 145 quilômetros ao norte daqui, milhares de pessoas vivem em uma imensa baía, onde navegam em imensas jangadas de madeira e alimentam e colhem os peixes engaiolados, como o pescado amarelo.

O governo esperava que o boom de construção tiraria milhões da pobreza. E tirou. Atualmente há mais de 4,5 milhões de piscicultores na China, segundo o Comitê de Pesca.

Lin Bingui, 50 anos, é um deles, um ex-pedreiro com sorriso fácil e que agora administra 20 enormes lagos de camarão e enguia no oeste de Fuqing, em terras recuperadas com acesso a um estreito de água salgada.

"Isto não exige muita tecnologia", ele disse enquanto entrava em um tanque em recinto fechado, onde cria enguias. "Você aprende enquanto trabalha."

O boom criou mais empregos. Ele tornou a China o único país a produzir mais peixes e frutos do mar por piscicultura do que pescados no mar. Também ajudou a alimentar uma população cada vez mais próspera, um antigo desafio na China.

Muitos produtores também enriqueceram, pessoas como Lin Sunbao, cujo filho de 25 anos atualmente está estudando na Universidade de Cambridge, na Inglaterra. "Meus melhores anos foram 1992, 93, 94", ele disse. "Eu só tinha uma fazenda e ganhava mais de US$ 500 mil por ano."

Mas em meados dos anos 90, sérios problemas ambientais começaram a surgir depois que fábricas de eletrônicos e têxteis se mudaram para a região central de Fuqing. Começou a ocorrer escassez de água na região sudeste da cidade e alguns produtores disseram que sua água ficou preta.

Documentos do governo registram os males ambientais na região. O vizinho Reservatório de Dongzhang, uma fonte de água para a agricultura e mais de 700 mil pessoas, foi recentemente classificado como nível 5, perto do fundo da escala do governo, inadequado para criar peixes, nadar ou mesmo para contato com o corpo humano.

O Rio Long, o principal canal de Fuqing, foi degradado pelos resíduos despejados pelas fábricas de papel e matadouros. O governo classificou neste ano grandes trechos do rio abaixo do nível 5, ou tão poluídos que são inadequados para qualquer uso. E as águas costeiras próximas que também são altamente utilizadas para piscicultura estão poluídas com óleo, chumbo, mercúrio e cobre, segundo a Administração Estatal de Proteção Ambiental da China.

Enquanto piorava a qualidade da água em Fuqing, os produtores que freqüentemente enchiam seus lagos com peixes e frutos do mar demais, tentavam combater as doenças e acalmar os peixes estressados com uma série de antibióticos e pesticidas freqüentemente ilegais.

Os produtores de enguias, por exemplo, freqüentemente usavam nitrofurano para matar bactérias. Mas tal antibiótico foi proibido para uso em animais de criação nos Estados Unidos, Europa, Japão e até mesmo na China, por causar câncer em camundongos de laboratório.

Os importadores de peixes e frutos do mar chineses rapidamente perceberam. Nos últimos anos, carregamentos de enguia para a Europa, Japão e Estados Unidos foram devolvidos ou destruídos devido a resíduos de drogas veterinárias proibidas. A exportação de enguia para o Japão caiu 50% em agosto deste ano, desferindo um duro golpe a Fuqing.

Os piscicultores chineses dizem que deixaram de usar medicamentos proibidos e que sofrem com uma queda de 30% na sobrevivência de seus peixes e frutos do mar.

"Antes de 2005, nós usávamos as drogas às cegas. Elas eram eficazes no combate às doenças", disse Wang, presidente da associação local de enguias, notando que os resíduos das drogas podem ainda estar na água. "Mas agora nós não ousamos por causa das regulamentações."

Alguns produtores atacaram o Japão, argumentando que o país continua elevando os padrões de resíduos simplesmente para proteger seus próprios produtores de enguias da concorrência. Mas os produtores daqui dizem que os compradores do Japão no final serão forçados a comprar enguias da China.

"Nosso mercado se expandirá na Rússia, Sudeste Asiático e na União Européia", disse Wang. "Além disso, nós vemos grandes perspectivas no mercado chinês. Em cinco ou seis anos, ao mudarmos nossos destinos de exportação, o Japão implorará pelo nosso produto."

País busca um recomeço; cientistas se preocupam
A 280 quilômetros de carro a oeste de Fuqing se encontram as verdejantes montanhas subtropicais da província de Fujian, onde se encontram algumas das mais ricas reservas de madeira e bambu da China. Lá, perto da cidade de Sanming, os criadores de enguia de Fuqing construíram uma série de imensas piscinas de cimento encravadas na encosta da montanha, cobertas com lona preta e cheias de milhões de enguias.

"Custa muito mais aqui, mas tivemos que fazê-lo", disse Zheng Qiuzhen, um antigo produtor de enguias de Fuqing e que agora opera perto de Sanming. "Nós tínhamos que fazer algo em relação aos problemas com a água."

Em grande parte do país, os criadores de peixes e frutos do mar estão trocando as lotadas áreas costeiras por regiões menos desenvolvidas, onde a terra é mais barata e há água mais limpa. Mas eles dizem que o custo geral de fazer negócios tão longe da costa é mais alto, dada a despesa de transporte do peixe em tanques oxigenados para as processadoras em Fuqing e seu abandono das drogas ilegais, uma medida que reduz as taxas de sobrevivência e aumenta o período de crescimento da maioria dos peixes de três para cinco anos.

"Não é possível encontrar muitos lugares tão bonitos quanto este, coberto de árvores e bambus", disse Lin Sunbao, que se mudou de Fuqing para Sanming. "Nós usamos água dos riachos da montanha. E como nossa água é melhor, é mais difícil pegar doenças."

Esta é uma solução para a crise de água na China: procurar território virgem e basicamente reiniciar o ciclo. Isto preocupa os cientistas, que dizem que a piscicultura na China não é apenas uma vítima da poluição da água, mas é também culpada de um legado ambiental destrutivo.

A criação de peixes em escala industrial destruiu mangues na Tailândia, Vietnã e China, poluiu canais e alterou radicalmente o equilíbrio ecológico em áreas costeiras, em grande parte pelo despejo da água usada. Os dejetos da aquacultura contêm fezes de peixes, ração de peixe apodrecida e resíduos de pesticidas e drogas veterinárias, assim como outros poluentes que já estavam misturados na água de baixa qualidade fornecida aos aquacultores.

Além do aumento da algas, alguns dos maiores lagos da China, como o Lago Tai, estão sofrendo eutroficação, causada em parte pela piscicultura, que pode matar peixes ao privar a água de oxigênio. O governo está expulsando a piscicultura destes lagos e também do Rio Long, em Fuqing.

Locais como Sanming podem não permanecer puros por muito tempo. A indústria pesada está se mudando para lá, atraída pelas riquezas minerais e por incentivos dos governos locais, que estão pressionando por desenvolvimento.

E Sanming já conta com 72 fazendas gigantes de enguias, que produzem 5 mil toneladas de frutos do mar por ano. Juntas, essas fazendas usam cerca de 1 bilhão de litros de água por dia e então despejam a água suja no dia seguinte, de volta ao ambiente de Sanming.

Há esforços para operar a piscicultura de forma sustentável. Na Noruega, por exemplo, os produtores de salmão usam tecnologia sofisticada, incluindo câmeras submarinas, para monitorar a qualidade da água e a quantidade de ração de peixe que é de fato consumida.

Mas nada assim é feito na China, e especialistas como Li Sifa, da Universidade de Pesca de Xangai, insiste que a regulamentação chinesa é branda demais e que os esforços para assegurar seu cumprimento são fracos ou inexistentes.

O governo aumentou suas inspeções às fazendas produtoras e processadoras de peixes e frutos do mar daqui, alertando os trabalhadores sobre os riscos e conseqüências do uso de drogas ilegais. Mas as drogas permanecem um problema, em parte devido à má qualidade da água.

Uma possível solução para os problemas da água seria deslocar a produção para alto-mar, dizem especialistas, com nova tecnologia que permita que as gaiolas de peixe de águas profundas sejam atendidas por máquinas de alimentação automatizada.

Os Estados Unidos já estão considerando tal plano, em parte como forma de se tornar menos dependentes das importações, que atualmente atendem 80% das necessidades americanas de peixes e frutos do mar. A China também está considerando a adoção do que está sendo chamado de piscicultura em "oceano aberto".

Atualmente, as fazendas de peixes costeiras da China enfrentam muitos dos mesmos problemas enfrentados pelas fazendas no interior. Suas águas estão altamente poluídas com óleo, chumbo, mercúrio, cobre e outras substâncias pesadas.

As drogas veterinárias despejadas nas águas costeiras podem facilmente se espalhar para as fazendas vizinhas e afetar espécies fora das gaiolas, e apesar das águas costeiras serem menos poluídas do que as do interior, as fazendas de piscicultura, com seus ciclos de produção intensivos, são propensas a serem poluidoras.

Ainda assim, disse An Taicheng, da Academia Chinesa de Ciências: "A China precisa ir para o mar porque está ficando cada vez mais difícil encontrar água limpa. Todo ano há problemas de segurança envolvendo peixes e frutos do mar. Algum dia, ninguém ousará comer peixe de água suja e o que os produtores farão?"

(Por De David Barboza e Chen Yang, tradução: George El Khouri Andolfato, UOL Notícias, 16/12/2007) 


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