O padrão mais comum de ocupação humana nos vales de rios tem efeito desastroso sobre os anfíbios da Mata Atlântica, de acordo com estudo realizado por pesquisadores brasileiros e publicado na edição desta sexta-feira (14/12) da revista Science.
Segundo o trabalho, o desmatamento causado pelo homem interfere no ciclo reprodutivo dos animais ao separar os corpos d’água, onde eles vivem em fase larval, das florestas, onde vivem na idade adulta. Conforme aumenta a desconexão entre os dois hábitats, diminui a diversidade de espécies.
O ponto de partida do estudo foi a dissertação de mestrado defendida por Carlos Guilherme Becker no Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Autor principal do artigo, Becker teve bolsa de mestrado da Fapesp.
Utilizando dados do Programa Biota-Fapesp, a equipe testou a hipótese batizada por eles de “desconexão de hábitats” como um importante fator no desaparecimento progressivo dos anfíbios.
Segundo o orientador da dissertação, Paulo Inácio de Prado, professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do projeto de Auxílio a Pesquisa “Biodiversidade e processos sociais em São Luiz do Paraitinga”, a desconexão de hábitats pode ajudar a explicar o declínio global de anfíbios.
“Desmatamento é sempre ruim, mas o estudo mostra que alguns tipos são particularmente perversos. Isso pode ajudar a direcionar nossas políticas de conservação para alvos específicos, priorizando a ligação de vales de rios com remanescentes florestais”, disse à Agência Fapesp.
Prado explica que o tipo de ocupação que gera a desconexão de hábitat é justamente o mais tradicional na região. “Desde a época das sesmarias o uso humano da terra tem se concentrado nas baixadas próximas aos cursos d’água, relegando os fragmentos de floresta às porções mais elevadas e secas da paisagem”, disse.
Segundo o professor, com essa desconexão os anfíbios florestais são obrigados a cruzar áreas abertas entre riachos e fragmentos florestais, expondo-se a condições inóspitas.
“Eles não resistem ao sol forte e à desidratação. Além disso, na área aberta perdem as estratégias de defesa como a camuflagem e ficam muito expostos aos predadores. Atravessando trechos com denso uso humano, também ficam expostos a agrotóxicos”, disse.
De acordo com Prado, a maioria dos registros de declínios no número de anfíbios no Brasil é verificada na Mata Atlântica, especialmente em espécies endêmicas e com reprodução associada a riachos. No mundo, das 6 mil espécies de anfíbios, quase um terço está sob ameaça de extinção.
Paisagem degradada
A pesquisa de Becker, co-orientada por Carlos Fonseca, professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), foi realizada em São Luiz do Paraitinga, uma das regiões de Mata Atlântica mais fragmentadas e degradadas do Estado de São Paulo.
“A partir do trabalho dele amadurecemos a idéia de que os anfíbios estão sob risco adicional devido ao padrão de ocupação e resolvemos analisar outros dados sobre a Mata Atlântica”, disse Prado.
Para isso, o grupo procurou Célio Haddad, professor do Departamento de Zoologia da Unicamp e coordenador da área de Biologia da Fapesp. “Ele disponibilizou um inventário muito completo dos anfíbios em todo o bioma, que nos permitiu confirmar a relação entre grau de extinção e desconexão de hábitat”, explicou Prado.
Os dados, obtidos no Projeto Temático “Diversidade de Anfíbios Anuros do Estado de São Paulo”, no âmbito do Biota-Fapesp, referiam-se a 12 regiões de Mata Atlântica em diferentes graus de desconexão de hábitat.
“Locais preservados como a região da Juréia mostraram grande riqueza de espécies. Áreas fragmentadas como São Luiz do Paraitinga apontaram o contrário, confirmando a hipótese”, disse Prado.
Becker conta que, quando chegou à região para o trabalho de campo, em 2006, encontrou uma paisagem tão degradada que pensou ser impossível trabalhar com anfíbios no local.
“Demorei para encontrar fragmentos próximos a corpos d’água e acabei encontrando apenas três deles na paisagem. Logo imaginei que os animais deviam sofrer com a desconexão entre floresta e riachos”, disse o biólogo à Agência Fapesp.
Ele instalou nas áreas escolhidas armadilhas apropriadas para medir a migração dos anfíbios que saíam ou entravam nos fragmentos sem riachos. “O primeiro capítulo do trabalho quantificou a migração entre os fragmentos florestais isolados de corpos d’água. O segundo avaliou o impacto disso no conjunto da comunidade de anfíbios”, contou.
A conclusão, segundo Becker, foi que o tamanho das populações diminui drasticamente quando o fragmento florestal é isolado da água por uma área de ocupação humana. “Quando nascem no território sem mata, os filhotes ficam desorientados e não sabem para onde ir.”
O terceiro capítulo da dissertação foi dedicado a uma análise maior na Mata Atlântica, originando o artigo da Science. “Nessa fase tivemos a participação do professor Célio Haddad e do biólogo Rômulo Batista, que é especialista em geoprocessamento aplicado à gestão ambiental”, disse Becker.
A diminuição da diversidade de anfíbios, de acordo com Becker, desequilibra todo o sistema ecológico. “Eles são um elemento chave na cadeia alimentar. São predadores importantes de insetos e alimento de serpentes, aves e mamíferos”, destacou.
O artigo Habitat split and the global decline of amphibians, de Carlos Guilherme Becker e outros, pode ser lido por assinantes da Science em www.sciencemag.org.
(Por Fábio de Castro, Agência Fapesp, 14/12/2007)