Segunda maior causa de emissões de gases do efeito estufa, o desmatamento das florestas tropicais está no centro do debate das negociações sobre mudanças climáticas que reúnem 11 mil pessoas na ilha de Bali, na Indonésia, durante conferência anual da ONU sobre o tema. Aliás, não poderia se debater desmatamento em um país mais apropriado: a Indonésia registra os mais altos índices de destruição de floresta do mundo, já tendo perdido 72% de sua cobertura original, segundo dados do Greenpeace indonésio.
As negociações na Convenção do Clima, onde são definidas as estratégias de combate ao aquecimento global, versam sobre como os países industrializados deverão apoiar os países em desenvolvimento a protegerem suas florestas. E dentro deste cenário o Brasil tem obviamente papel principal, já que os olhos do mundo se voltam para a Amazônia, a maior floresta do planeta.
A questão florestal no âmbito das negociações sobre mudanças climáticas vem amadurecendo ao longo de todo o processo de negociação do Protocolo de Kyoto, resultando, em 2005, na proposta do governo de Papua Nova Guiné de criar o REDD (Reducing Emissions from Deforestation and Forest Degradation). Trata-se de um mecanismo que define o pagamento por redução nas emissões de CO2 nas florestas tropicais.
Estima-se que o Brasil possa ser o maior beneficiário deste novo sistema, assim como cerca de 30 outros países que formaram a Coalizão de Países detentores de Florestas (Coalition for Rainforest Nations – CFRN) . De acordo com pesquisa divulgada pela revista científica environmental Research Letters, a floresta Amazônica é uma reserva de 80 bilhões de toneladas de carbono, o equivalente a quase um terço do estoque mundial.
Existem, no entanto, divergências sobre como devam ser os incentivos para proteção das florestas. Papua Nova Guiné, Costa Rica e outros países da Coalizão defendem que o desmatamento evitado transforme-se em créditos de carbono a serem comercializados no mercado. O Brasil critica essa posição por acreditar que os países industrializados devem apoiar as ações de combate ao desmatamento como um esforço adicional, não servindo como créditos de carbono para reduzir suas metas.
"A preocupação que o mundo demonstra até agora com a proteção das florestas tropicais não tem se traduzido no ponto de vista prático. Por isso, queremos viabilizar um aporte de recursos voluntários como reconhecimento ao esforço nacional de combate ao desmatamento", disse a ministra Marina Silva, em Bali.
Para receber essas contribuições voluntárias, o Brasil lançou na conferência o Fundo para Proteção e Conservação da Amazônia, que será gerido pelo BNDES. A base de cálculo para os investimentos será a redução das emissões oriundas da queda do desmatamento na Amazônia em 2006, que foi de 550 hectares em relação ao ano anterior. Esse espaço de floresta preservada fez com que 180 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) não fossem parar na atmosfera, contribuindo com o efeito estufa.
Dessa maneira, como uma tonelada de carbono tem valor mínimo de cinco dólares no mercado de créditos de carbono, calcula-se uma quantia de 900 milhões de dólares a ser captada inicialmente. A meta, segundo o governo, é chegar a 2 bilhões de dólares anuais nos primeiros anos do fundo e gradativamente ir diminuindo esse valor com a queda do desmatamento. Vale lembrar que o relatório do economista britânico Nicholas Stern estimava ser necessário investir US$ 5 bilhões por ano para chegar ao desmatamento zero no mundo.
A expectativa é de que os recursos sejam utilizados na melhoria do combate ao desmatamento na Amazônia Legal, com um incremento da fiscalização, investimento nas unidades de conservação e estímulo a projetos de desenvolvimento sustentável que possam gerar emprego e renda para as comunidades tradicionais que vivem na floresta. Estudo do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e do The Woods Hole Research Center calcula que projetos de REDD no Brasil possam dobrar a renda de todas as comunidades indígenas e extrativistas da região.
A atitude brasileira foi extremamente bem aceita pela comunidade internacional, já recebendo sinalizações de investimentos voluntários, como o do governo norueguês. "Esse esforço do Brasil merece total apoio e suporte internacional e representa grande progresso na gestão de recursos", afirmou Achim Steiner, presidente do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Utopia?
Para representantes da sociedade civil presentes nas discussões em Bali, porém, a proposta brasileira está distante da realidade. "Na teoria, a proposta brasileira é muito boa, só que infelizmente acho difícil isso (o fundo voluntário) se refletir na prática", diz Mariano Cenamo, secretário executivo do Idesam (Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas). O receio de Mariano gira em torno da falta de garantia que o Brasil terá na captação dos recursos, uma vez que o país espera receber contribuições voluntárias posteriores aos esforços já investidos no combate ao desmatamento.
Christoph Balls, diretor da German Watch, ONG ambientalista alemã, por sua vez, acredita que doações voluntárias não serão eficazes a longo prazo. "Talvez o fundo funcione por um ou dois anos, mas para combate ao desmatamento é necessário uma política de longo prazo. E sem metas e compromissos, não acredito que haja garantia de sucesso", ressaltou Balls.
Nesta sexta-feira (14), último dia da conferência do Clima, espera-se a divulgação do documento final desta etapa de negociação, que vem sendo chamado de "Mapa do Caminho de Bali". Resta esperar qual será o melhor caminho a se seguir para conter a destruição das florestas, que não só contribue com o aquecimento global, como provoca o fim da biodiversidade do planeta, sua maior fonte de riqueza.
(Por Juliana Radler,
Envolverde e Revista do Meio Ambiente, 13/12/2007)