Plano apresentado em conferência prevê fundo que recompensa país se a devastação anual ficar abaixo de 19.500 km2Patamar deve ser revisado a cada cinco anos e pode ser reduzido para valores mais baixos caso as políticas estiverem surtindo efeito
O Brasil apresentou ontem seu primeiro esboço de meta interna contra o aquecimento global. Um fundo a ser lançado pelo governo no primeiro trimestre do ano que vem propõe aumentar os recursos para o combate ao desmatamento sempre que o país demonstrar ter reduzido a taxa de perda de floresta abaixo de um patamar.
Para os próximos cinco anos, esse patamar será de 19.500 km2, a média do desmatamento na Amazônia entre 1996 e 2005. Este é o objetivo -ou meta- nacional de redução de desmatamento, a ser revisado a cada cinco anos e reduzido para valores mais baixos caso as políticas surtam efeito.
A proposta foi lançada ontem em Bali pelos ministros Celso Amorim (Relações Exteriores) e Marina Silva (Meio Ambiente), na presença do diretor-executivo do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Ambiente), Achim Steiner. É a carta que o Brasil mantinha na manga para limpar a imagem de intransigente e tentar salvar as negociações sobre o combate às emissões no período pós-Kyoto, que nos últimos dias racharam devido a tensões entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.
"Estamos nos dispondo a [ter] metas internas e verificáveis", disse Marina, para quem a proposta é prova de que o Brasil quer "liderar pelo exemplo" no combate à mudança do clima -o desmatamento tropical responde por cerca de 15% das emissões globais de CO2, o principal gás-estufa.
"O Brasil (...) está pronto a aprimorar suas políticas e seus programas para reduzir emissões, de uma forma que seja mensurável, verificável e aberta a uma revisão universal periódica", disse Amorim em discurso na plenária da COP-13, a conferência do clima de Bali. "Convidamos outras nações em desenvolvimento, em condição de fazê-lo, a seguir o mesmo caminho".
Ressuscitar pássarosAntes mesmo de ser lançado, o Fundo de Proteção e Conservação da Amazônia Brasileira ganhou um sinal de doação. O governo da Noruega, que em Bali anunciou que dará US$ 545 milhões por ano para conservar florestas tropicais nos próximos anos, deve ser o primeiro financiador do mecanismo. O ministro da Cooperação Internacional, Erik Solheim, esteve presente no lançamento da proposta. Evitou falar em números, mas Tasso Azevedo, diretor do Serviço Florestal Brasileiro, estimou em US$ 100 milhões a contribuição.
Solheim destacou a necessidade de ação imediata. "Não precisamos de novos mecanismos do Protocolo de Kyoto, só precisamos começar." Num lapso antiecológico, disse que a proposta brasileira "mata vários pássaros com uma pedrada só". Foi imediatamente corrigido por Celso Amorim: "Ressuscita vários pássaros!".
A lógica por trás do fundo é que reduzir o desmatamento representa a maior contribuição do Brasil contra o aquecimento. Cerca de 75% das emissões nacionais vêm do corte raso, em especial na Amazônia.
Capitalizado por ações de fiscalização e pela queda dos preços das commodities agrícolas, o Brasil viu o desmatamento cair na Amazônia em 2006/ 2007 pelo terceiro ano consecutivo, chegando a 11.224 km2. Segundo Azevedo, a queda de quase 60% no desmate no último triênio significou que 1,3 bilhão de toneladas de CO2 deixaram de ir para a atmosfera. Em comparação, todo o programa brasileiro do álcool em 30 anos só poupou 644 milhões de toneladas de CO2.
O futuro fundo não se insere em nenhum mecanismo de mercado de Kyoto nem vai gerar créditos de carbono. Ele será alimentado por doações voluntárias de governos e empresas dispostos a limpar sua ficha corrida ambiental. O fundo deve ser gerido pelo BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social), e a efetividade das ações contra o desmate deve ser supervisionada por um comitê de cientistas. Para cada US$ 5 investidos seria certificada a redução de uma tonelada de carbono.
Para Steiner, a proposta é um antídoto contra o impasse diplomático. "Ela mostra que existem duas Balis. Há a Bali dos colchetes e a da liderança e da ação." Mauro Armelin, do WWF, concordou: "A ótima notícia é o Brasil sair com uma proposta tecnicamente embasada, lançando uma metodologia para chegar a alguma coisa." O diretor-executivo internacional do Greenpeace, Gert Leipold, também elogiou a proposta, que considerou "notável" em sua simplicidade.
(Claudio Angelo,
Folha de São Paulo, 13/12/2007)