A cinza gerada pela queima da casca de arroz, resíduo causador de sérios danos ambientais, pode ser uma alternativa eficiente como carga estrutural na produção de poliamidas, de acordo com estudo realizado no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen). De acordo com dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o Brasil produz anualmente 11,3 milhões de toneladas de arroz, gerando cerca de 400 mil toneladas de cinzas.
As poliamidas, conhecidas popularmente como náilon, são os principais termoplásticos de engenharia, usados em larga escala pelas indústrias automobilística, elétrica, têxtil, de construção civil, de embalagens, entre outras. O estudo comparativo, publicado na revista Polímeros, analisou propriedades mecânicas e térmicas de poliamidas com carga de 30% de cinza de casca de arroz e de poliamidas com 30% de talco, a carga mineral mais utilizada nesses polímeros.
Nos dois casos, segundo Leonardo Gondim de Andrade e Silva, pesquisador do Ipen e um dos coordenadores do estudo, os resultados mostraram comportamento semelhante, com potencialidades para a substituição do talco pela cinza da casca de arroz – alternativa viável em processos industriais –, além da contribuição para diminuição do impacto ambiental.
“A principal vantagem da cinza é ambiental, uma vez que centenas de toneladas de resíduos deixarão de ser descartadas no meio ambiente, isso sem levar em consideração que o talco é retirado de jazidas”, disse Andrade à Agência Fapesp. Os outros autores do artigo são Waldir Ferro, do Ipen, e Hélio Wiebeck, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Outra qualidade importante é que o processamento das poliamidas estruturadas com a cinza teve melhor fluxo de material, proporcionando injeção mais fácil e obtenção de peças com bom aspecto, segundo Andrade.
As poliamidas têm grande importância econômica, uma vez que suas resistências químicas, mecânicas, térmicas e elétricas permitem a produção de peças e componentes que até então eram produzidos em metal, com maior produtividade e custos reduzidos. “O papel de destaque das poliamidas se deve à combinação de propriedades que incluem grande resistência à abrasão, baixo coeficiente de atrito e resistência ao impacto e a solventes, além do custo competitivo – dada a grande capacidade de produção mundial, que atende principalmente ao elevado consumo de fibras têxteis”, afirmou.
As cargas minerais são substâncias que alteram a resistência a altas e baixas temperaturas, além de proporcionar estabilidade dimensional, diminuindo a contração na moldagem das peças e a absorção de água. As fibras de vidro e de carbono, o carbonato de cálcio precipitado, a microesfera de vidro e o talco são as cargas minerais mais utilizadas. O talco, segundo Andrade, confere estabilidade superior e melhor desempenho ao produto acabado.
Propriedades mecânicas
A metodologia da pesquisa buscou comparar os resultados da cinza da casca de arroz como carga, que se mostrou semelhante ao talco, em uma amostra de poliamida utilizada na confecção de um conector elétrico para indústria automobilística. “O processo de obtenção da cinza da casca de arroz é realizado em duas fases. Na primeira, a casca é aquecida a uma temperatura entre 300º C e 350º C. Mantém-se a temperatura por 40 minutos para eliminação de toda a água e de produtos voláteis que possam ter na amostra. Depois, ela é elevada a 600º C até a completa combustão da casca de arroz, obtendo-se cinza de cor negra”, explicou Andrade.
As técnicas utilizadas analisaram propriedades mecânicas como resistência ao impacto, à tração e à flexão e também a propriedade térmica de fio incandescente, teste voltado para a aplicação de componentes elétricos. Tanto a carga de talco como a de cinza de casca de arroz demonstraram propriedades mecânicas semelhantes. “Isso já credencia a cinza como alternativa de carga para o processo”, disse o pesquisador do Ipen.
O ensaio térmico de fio incandescente demonstrou que as poliamidas com carga de cinza da casca de arroz também tiveram comportamento similar ao talco. “Mas a cinza teve a vantagem de não gotejar em contato com o calor intenso, como ocorre com o talco, usado em compostos formulados com retardante de chama para dificultar o gotejamento do polímero”, disse.
De acordo com a pesquisa, as poliamidas formuladas com cinza de casca de arroz também levaram vantagem quanto à fluidez, proporcionando injeção mais fácil nas amostras e um melhor aspecto final, uma vez que o talco costuma subir para a superfície da peça, provocando manchas que comprometem o aspecto visual. A limitação da carga de cinza, segundo Andrade, seria em relação à cor do produto obtido. “Como a cinza é resultado da combustão da casca de arroz, o produto final seria utilizado apenas para confecção de peças de cor preta”, afirmou.
Para ler o artigo Uso da cinza da casca de arroz como carga em matrizes de poliamida 6 e poliamida 6.6 pode ser lido na biblioteca on-line SciELO (Bireme/FAPESP), clique aqui.
(Por Alex Sander Alcântara, Agência Fapesp, 10/12/2007)