Mais do que a maior obra de infra-estrutura do Brasil atual, o leilão de hoje para a construção da primeira das duas usinas do Rio Madeira, em Rondônia, a de Santo Antônio, marca a retomada da exploração de eletricidade na última fronteira hídrica do país, justamente a com maior potencial: a Amazônia. A área da floresta tropical tem capacidade para triplicar a oferta de energia hidrelétrica — e isso numa nação que já conta com a força das águas para gerar 85% de sua matriz energética. Na fila estão Jirau, a segunda usina prevista para o Madeira, e Belo Monte, no Pará, que deve ser leiloada em 2009.
Claro que, como todos os temas que tratam de empreendimentos na Região Amazônica, a construção de hidrelétricas na floresta garante motivos de sobra para controvérsias. O próprio leilão desta segunda-feira sofre a ameaça de uma ação judicial movida por ambientalistas. Até aí não há surpresas num processo que começou há sete anos e foi várias vezes paralisado por discussões sobre o impacto no meio ambiente.
A própria licença para a construção da usina, uma obra estimada em R$ 9,5 bilhões e com capacidade média de geração de energia calculada em 2,1 mil megawatts/hora (MW/h), causou um racha no governo. Num país que de tempos em tempos flerta com a escassez de eletricidade, a área de energia do governo pressionava por mais rapidez no Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), uma vez que a geração de Santo Antônio, a primeira das duas usinas previstas para o Madeira, já estava na base do consumo previsto a partir de 2012.
Na berlinda, a área ambiental não escondia suas reservas à exploração na Amazônia e pedia tempo para avaliar o processo com cautela. Quando a versão preliminar da análise do Ibama foi negativa, o clima esquentou — teria provocado até bate-boca entre as ministras da Casa Civil, Dilma Rousseff, e de Meio Ambiente, Marina Silva —, a ponto de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fazer críticas públicas ao instituto. A licença acabou sendo concedida em setembro e o próprio Ibama admitiu que o trabalho seria referência para futuras construções de hidrelétricas na Região Amazônica.
Os dois lados da questão têm méritos. A fartura de água no Brasil deu ao país um diferencial no campo da energia, onde, como mencionado, 85% da eletricidade é hídrica. É uma fonte mais "limpa" que as termelétricas e mais barata, pois apesar do custo para erguer uma usina, o combustível é grátis. Como o potencial do Sul, Sudeste e mesmo do Nordeste já foi utilizado, e o consumo continua crescendo, resta a fronteira Norte.
Além disso, a ausência de novos projetos hidrelétricos na última década vêm levando o país ao uso cada vez mais intensivo de usinas movidas a óleo combustível ou carvão. E esse é um dos argumentos mais utilizados por quem defende a expansão para a Amazônia. Se a idéia é defender o meio ambiente, parece um contra-senso impedir o uso de usinas hídricas e, com isso, mover-se para a geração movida a combustíveis fósseis — o uso em larga escala da energia solar ou eólica ainda não tem custo competitivo.
Passado frustranteOs ambientalistas, naturalmente, temem os impactos de grandes obras de infra-estrutura na maior biosfera do planeta, seja pelo desmatamento, pelo reflexo para quem depende dos rios para comer e viver, pelo fluxo migratório para a região e pelos efeitos sobre áreas indígenas. E talvez mais do que tudo isso, lembram que a última iniciativa semelhante do Brasil na Região da Amazônia, a hidrelétrica de Balbina, próxima a Manaus, teve um péssimo resultado.
Projetada ainda durante a ditadura militar, Balbina foi inaugurada em 1989 e inundou 2,4 mil quilômetros quadrados de florestas nativas. Apesar do lago gigantesco, foi erguida para gerar, no máximo, 250 MW. Quase 20 anos depois, porém, é de longe a mais ineficiente das 110 hidrelétricas do país, conseguindo meros 130 MW médios. Além disso, a vegetação submersa, que não foi retirada, gera 10 vezes mais gases poluentes do que uma termelétrica com a mesma capacidade. Com área inundada equivalente, Tucuruí, no Pará, pode gerar mais de 7 mil MW.
"As usinas do Madeira são uma fronteira importante para iniciarmos o aproveitamento da energia da região. E do ponto de vista da oferta e demanda de energia é fundamental para o país. Claro que é uma área que tem toda uma preocupação ambiental, especialmente depois que Balbina virou uma barreira negativa, mas a proposta ambiental agora é totalmente diferente", diz o presidente da Comissão Especial de Licitação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Hélvio Guerra.
A principal diferença está na tecnologia utilizada em Santo Antônio, e que também será usada em Jirau. Trata-se do tipo de turbina, bulbo, especial para pequenas quedas d’água. Mesmo com 44 delas instaladas em cada hidrelétrica, a área alagada será consideravelmente menor (271 km²), pois não exige grandes reservatórios.
A expectativa é de que Jirau seja leiloada até o fim do primeiro semestre de 2008 e, como admitem integrantes do governo, há uma boa chance do vencedor de hoje arrematar também a segunda usina do Rio Madeira. "Quem ganhar o leilão tem vantagens no outro, sem dúvida, porque pode ter ganhos de escala", reconheceu o presidente da Empresa de Pesquisa Energética, ligada ao Ministério de Minas e Energia, Maurício Tolmasquim.
A expansão na Amazônia continua com a hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará. A idéia é que a licença ambiental da usina — com potência prevista superior a 11 mil MW e reservatório de 400 km² — seja obtida no ano que vem para licitação em 2009.
(Por Luís Osvaldo Grossmann,
Correio Braziliense, 10/12/2007)