Quem esperava que o Congresso dos EUA fosse dar em Bali um sinal claro de que o maior poluidor do mundo está pronto para assumir a liderança no combate ao aquecimento global a partir do ano que vem se frustrou. O senador democrata John Kerry disse ontem que seu país estará na mesa de negociações, mas deixou claro que o acordo pós-Kyoto precisa ser "global", ou seja, os países em desenvolvimento precisam assumir metas obrigatórias.
"Não há maneira possível de cumprir as expectativas da ciência sem a participação global", declarou Kerry, derrotado por George W. Bush na eleição presidencial de 2004. Ele fez referência explícita à China, país que já alcançou o mesmo nível de emissões de gás carbônico que os EUA -cerca de 20% do total mundial- mas que, por ser um país em desenvolvimento e com emissões per capita baixas, é desobrigado de metas nacionais compulsórias.
""Não há como os países desenvolvidos fazerem isso sozinhos. Esta não é uma questão per capita, é uma questão de emissões globais", disse. Kerry deu entrevista coletiva sozinho a um multidão de jornalistas no Centro Internacional de Convenções de Bali. Quase só respondeu a perguntas da imprensa americana -interrompeu um repórter suíço que começava a falar ("Você depois. Imprensa americana?")- e evitou criticar muito o governo Bush.
Apesar de dizer que a política americana em 2009 terá sofrido uma mudança radical da situação atual de rejeição a Kyoto e a qualquer coisa que cheire a compromisso, Kerry defendeu o voto do Senado pela não-ratificação do acordo, em 1997, dizendo que ele tem sido mal-interpretado. "O que o Senado quis dizer com o voto é que 38 países [os do chamado Anexo 1] não têm condições de resolver o problema sozinhos."
Retomou, assim, a posição histórica dos EUA, da qual Bush lançou mão ao rejeitar Kyoto. Essa mesma reação foi repetida em Bali pelo Canadá, que tem tentado condicionar a adoção de objetivos mais rígidos de corte de emissões à adoção de metas obrigatórias pelos países de fora do Anexo 1.
"É claro que eu não espero que os países menos desenvolvidos adotem as mesmas metas que os EUA", disse o senador. Para ele, o encontro de Bali precisa fazer com que as negociações sob a Convenção do Clima e sob o Protocolo de Kyoto se juntem após 2009, e que "metas obrigatórias globais [sejam adotadas] por todos os países em algum ponto no futuro".
Sobre o papel dos EUA na negociação do regime pós-Kyoto, Kerry disse que "um processo de transformação muito importante está acontecendo nos EUA". O sinal mais recente dessa transformação foi a aprovação pelo Congresso, na semana passada, de um programa de comércio de emissões de gases de efeito estufa que coloca o país no rumo de adotar um esquema obrigatório de reduções após o governo Bush.
"Mais de metade da economia americana já se comprometeu a reduzir emissões sem nenhuma dependência da esfera federal", afirmou, referindo-se a Estados e empresas. Disse que o custo econômico da mudança será grande, mas viável. "Gastamos um trilhão de dólares em uma guerra no Iraque. Nós podemos achar alguns bilhões para salvar o planeta."
Al Gore, democrata americano ganhador do Nobel da Paz, também aproveitou para atacar a China e a Índia na cerimônia de entrega do prêmio, ontem, em Oslo (Noruega). "Ambos os países deveriam parar de usar o comportamento dos outros como desculpa para a inação."
(Claudio Angelo,
Folha de São Paulo, 11/12/2007)