Na grande loteria do aquecimento climático, os países mais pobres já sabem que irão perder, qualquer que tenha sido a sua aposta. Eles serão perdedores porque, apesar de terem pouca ou nenhuma responsabilidade na produção do efeito estufa - as suas emissões representam menos de 1% no total mundial -, terão de suportar as maiores conseqüências. Perdedores também porque a degradação do meio ambiente e a multiplicação das catástrofes climáticas atropelam de maneira ainda mais brutal economias que são essencialmente rurais, além de dificultar com incertezas suplementares as políticas que foram implementadas para que eles pudessem se livrar da pobreza.
Este quadro, que foi apresentado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), alguns dias antes da cúpula mundial sobre o clima, em Bali, aponta de maneira preocupante as desigualdades diante deste fenômeno. Entre 2000 e 2004, mais de um bilhão de pessoas foram vítimas de tempestades, de enchentes ou de ondas de seca, ou seja, mais do dobro das catástrofes naturais que ocorreram durante a primeira metade dos anos 1980. Em 98% dos casos, essas pessoas viviam num país em desenvolvimento.
Paralelamente aos fenômenos extremos e amplamente repercutidos pela mídia, a mudança climática acarreta de maneira mais lenta, porém insidiosa, uma transformação dos solos, dos regimes hídricos, entre outros. Em seu quarto relatório, publicado em 17 de novembro, os especialistas do Grupo de Intercâmbios entre Governos sobre a Evolução do Clima (GIEC) avaliam que dentro de um prazo muito reduzido, por volta de 2020, entre 75 e 250 milhões de africanos poderão enfrentar escassez de água.
"Em certos países, a queda da produção agrícola poderia alcançar 50%, e comprometer seriamente a segurança alimentícia", escrevem. Daqui até 2080, caso a tendência à elevação média das temperaturas vier a se confirmar, as terras áridas e semi-áridas passarão a ocupar progressivamente uma superfície suplementar de até 8%.
Prioridade secundáriaNa África subsaariana, a principal região a ser ameaçada por este fenômeno, junto com alguns países da Ásia como o Bangladesh, a batalha pelo desenvolvimento torna-se também uma batalha pela preservação do meio ambiente. No que diz respeito aos discursos oficiais, esta evolução não é exatamente uma novidade. Desde a cúpula das Nações Unidas que foi realizada em Johannesburgo (África do Sul) em 2002, a bandeira do desenvolvimento duradouro tem sido até mesmo oficialmente hasteada ao lado das questões prioritárias da comunidade internacional. Na prática, a realidade é outra. Os credores, os investidores e os governos do Sul, todos eles ocupados em conseguir mobilizar magros recursos para construir estradas, escolas e hospitais, consideram a proteção do meio ambiente como uma prioridade secundária.
É uma questão de rotina. E também uma questão de meios. Em muitos casos, os ministérios do meio ambiente enfrentaram dificuldades e até mesmo fracassaram por causa da escassez orçamentária. "Não se pode dizer que este seja um assunto para o qual a grande maioria dos países tenha prestado grande atenção até o presente momento", confirma John Horberry, que dirige, em Nairóbi (Quênia), o Centro de Luta contra a Pobreza e em Defesa do Meio Ambiente, fundado em fevereiro pelas Nações Unidas.
Nesse contexto, o aquecimento climático é considerado como uma realidade distante. "É muito difícil preparar-se quando se desconhece precisamente aquilo que se deve combater. Os cenários apresentados pelos climatologistas permanecem globais. Ora, nós sabemos que os impactos serão muito diferentes no contexto interno de cada país", explica o antigo economista-chefe do Banco Mundial, François Bourguignon, atual diretor da Escola de Economia de Paris.
"Nós vamos precisar de mais tempo até poder considerar que a recorrência das enchentes ou das ondas de seca traduz uma tendência no longo prazo, e não apenas uma diminuição dos ritmos dos ciclos que nós costumávamos observar", diz Patrick Guillaumont, presidente do Centro de Estudos e de Pesquisas sobre o Desenvolvimento Internacional (Cerdi).
Uma análise das políticas seguidas por dez agências de cooperação bilaterais - que representam cerca de dois terços do total das entidades dedicadas à assistência internacional - demonstrou que apenas 0,2% dos projetos financiados entre 2001 e 2005 haviam levado explicitamente em conta a mudança climática. "Os credores e investidores internacionais têm uma visão que se aplica a um prazo excessivamente curto. A adaptação à mudança climática precisa se tornar uma preocupação constante", diz Richard Manning, presidente do comitê de ajuda ao desenvolvimento da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE). Em Bangladesh ou Nepal, a OCDE avalia que mais da metade dos projetos que são financiados pela ajuda internacional são vulneráveis aos efeitos do aquecimento.
As Nações Unidas estimam em US$ 86 bilhões (cerca de R$ 150 bilhões) por ano a quantia total necessária para o financiamento dos programas de adaptação dos países pobres aos efeitos do aquecimento. Trata-se de uma quantia quase equivalente àquela dedicada à ajuda para o desenvolvimento. Caso eles não recebam esta ajuda suplementar, os progressos a serem realizados para reduzir a pobreza, que constituem um compromisso assumido pela comunidade internacional por ocasião da adoção dos objetivos do Milênio, correm o risco de estarem comprometidos.
Será que os credores e os investidores, que já enfrentam enormes dificuldades para cumprir as suas promessas, principalmente no que diz respeito à África, se mostrarão sensíveis a este argumento? Não há certeza alguma de que os países pobres obtenham uma resposta em Bali.
(Por Laurence Caramel, Le Monde, tradução de Jean-Yves de Neufville,
UOL, 11/12/2007)