O grande paradoxo da China é que dentro de muito poucos anos será ao mesmo tempo o país mais poluente e o que faz mais esforços para reduzir sua contaminação e seu consumo de energia. Exemplo de país que chega tarde a um modelo de desenvolvimento caduco inventado pelos ocidentais, a China se vê obrigada a combinar, em uma corrida esquizofrênica, industrialização e desindustrialização, contaminação e defesa do meio ambiente.
Sua condição de "fábrica do mundo" no âmbito da divisão internacional do trabalho contém outros paradoxos. Cerca de 27% de seu atual consumo de energia vai, para efeito de consumo final, para fora da China, segundo avalia um estudo conjunto da Academia Chinesa de Ciências Sociais e a organização conservacionista mundial WWF. Mas as emissões desses 27% são contabilizadas na China.
Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), até 2030 a China emitirá duas vezes mais gases de efeito estufa que os EUA (28% das emissões mundiais), terá um dos maiores parques automobilísticos do mundo, representará 30% da demanda suplementar mundial de energia e a metade das emissões dos países em desenvolvimento. Mesmo assim, a China será líder em energias renováveis. No ano passado investiu US$ 10 bilhões dos US$ 50 bilhões investidos em todo o mundo. É o país que mais gasta nisso depois da Alemanha, e nos próximos três anos se espera que supere a Europa, Japão e América do Norte como principal fabricante de painéis solares e células fotovoltaicas, baixando o preço desses produtos no mercado global até torná-los competitivos sem necessidade de subvenções. Sua lei de energias renováveis prevê que, até 2030, 30% da energia gerada não sejam de combustíveis fósseis.
Mas nada disso vai impedir que o país polua mais a cada ano, porque as previsões de aumento de seu consumo e demanda energética são tão gigantescas que comem qualquer benefício derivado da eficiência energética ou do uso de renováveis. A demanda elétrica vai aumentar à razão de 7,6% anuais até 2015 e cerca de 5% anuais daí até 2030. E esse frenesi vai ser alimentado com carvão. Em 2030, o carvão, que hoje gera 74% da eletricidade na China, continuará sendo o principal recurso energético da Ásia, com China e Índia responsáveis por 60% do aumento das emissões de CO2.
Atrás desse frenesi está o anseio de um quinto da população mundial para deixar de ser pobre. A principal prioridade da China é o crescimento. Até 2020 a população ativa da China vai superar 900 milhões, 300 milhões a mais que o total da população ativa de todos os países desenvolvidos.
Gerar emprego para essa massa, em pleno transe urbanizador, é a prioridade. Desde 1978 o país optou por uma estratégia de urbanização que até então tinha evitado. Entre 1978 e 2003 a população urbana triplicou, alcançando os 520 milhões.
Cerca de 400 milhões de camponeses a mais emigrarão para as cidades nos próximos 30 anos. Cada habitante urbano gasta 3,5 vezes mais energia que um da área rural.
A preocupação para não pôr em risco seu desenvolvimento econômico nem a estabilidade de seu regime deixa para a China pouco espaço de manobra. Daí a insistência em um crescimento sustentável de 7% para que o avião não caia. Qualquer compromisso adquirido em termos de emissões é visto como uma ameaça ao desenvolvimento, e por esse motivo a China vai a Bali rejeitando qualquer medida que limite suas emissões de CO2. Diz que não tem responsabilidades históricas pelo aquecimento global, diferencia entre "as emissões de luxo" do mundo desenvolvido e as "emissões de sobrevivência" dos países em desenvolvimento.
A opinião pública chinesa é bastante ignorante em termos de mudança climática. "O país discute sobretudo o impacto do aquecimento em sua própria situação, mais que as conseqüências globais", diz o professor Jiang Jiasi da Universidade de Pequim. Quanto a atitudes, a maior parte da população chinesa é muito austera em termos de energia. Gasta pouco e recicla muito. Dois terços da população só participam da economia de mercado de maneira marginal. Em troca, o consumidor rico é muito perdulário. A opção pelo carro grande é muito mais comum na China do que na Europa. São raros os jantares em que não sobre a metade dos alimentos.
"A mudança climática é uma responsabilidade dos ricos do mundo, incluindo os chineses ricos." O professor Pan Jiahua, chefe da delegação não-oficial que a China enviou a Bali, concorda com esta afirmação e acrescenta: "Os desenvolvidos devem dar o exemplo".
(Por Rafael Poch, Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves,
UOL, 07/12/2007)