Artigo - As florestas plantadas de eucaliptos e o consumo de água
eucalipto no pampa
silvicultura
zoneamento silvicultura
2007-12-10
O consumo de água pelas florestas de eucalipto sempre tem sido um assunto controverso, apesar das inúmeras pesquisas que já foram e que estão sendo realizadas sobre ele. Hoje, praticamente todas as empresas líderes que plantam florestas para fins industriais possuem micro-bacias hidrográficas experimentais para monitoramento, tanto das quantidades como das qualidades das águas que entram e que saem desses ecossistemas. É bastante grande a quantidade de informações disponibilizadas na literatura, mostrando deflúvios, evapotranspirações, infiltrações no solo, etc.
A maioria delas mostra evapotranspirações muito similares às de outros tipos de cultivos agrícolas e de matas naturais. Outras, mostram um ligeiro maior consumo de água pela área das plantações florestais em relação a vegetações de pequeno porte (pastagens e cerrados), o que se tem chamado de "efeito plantação". Esse maior consumo e redução de deflúvio é perfeitamente gerenciável, através de bom planejamento e manejo florestal, práticas silviculturais e do desenho do complexo ecológico florestal. Veremos isso com detalhes mais adiante.
Apesar do fato de que temos tecnologias e conhecimentos para minimizar os impactos negativos das plantações florestais e potencializar seus benefícios para a sociedade, não temos tido muito sucesso em transmitir esses conhecimentos para essa mesma sociedade. Logo, algumas inquietudes ainda existem. Em parte se devem à extrema academicidade que se vem usando para as necessárias explicações. Nossos técnicos e nossos acadêmicos não têm sido felizes em esclarecer as dúvidas e em argumentar de forma mais clara para a sociedade.
Há excelentes trabalhos científicos mostrando que as plantações de eucaliptos consomem a água de forma bastante eficiente e que não são causadoras de exaustão de reservas de águas de aqüíferos e de lençóis freáticos. Há os que se contrapõem a essas pesquisas, baseando suas argumentações exatamente em pesquisas que indicam ligeira redução da saída de água para fora da área da plantação (deflúvio e recarga de água subterrânea). Afinal, há muita diversidade de situações e elas precisam ser bem entendidas e esclarecidas.
Há situações de risco e há situações de conforto, quanto a isso não há dúvidas. O que não podemos é buscar defender ou atacar as plantações com base apenas em dados extremos, ou de alta favorabilidade ou de alto risco. Por essa razão, nosso propósito com esse mini-artigo é o de colocar em discussão alguns pontos chaves desse assunto, sem querer que ele seja uma ampla peça de esclarecimentos. Pretendemos fazer isso mais adiante em futuro não muito distante, em mais um capítulo de nosso Eucalyptus Online Book. (www.eucalyptus.com.br)
Procurarei escrever esse mini-artigo por pontos chaves, que mostrarei a vocês através de ítens numerados de 01 a 20.
Ponto chave 01: O uso inadequado dos recursos hídricos tem sido uma constante na nossa sociedade ao longo de sua história. Tanto a agricultura, como a zootecnia, as nossas cidades, o próprio reflorestamento, utilizaram as terras e as águas do planeta de forma intensa e na maioria das vezes, sem os devidos cuidados para prevenir suas deteriorações. O resultado disso, é que hoje, após séculos de mau uso, temos bacias hidrográficas comprometidas, sobrecarregadas, fragilizadas e ameaçadas. Isso para as quantidades e para as qualidades de suas águas. Independentemente de fatores de maior magnitude que estejam interferindo na disponibilidade da água, como as alterações climáticas, o certo é que prejudicamos nossos recursos hídricos ao longo de nossa história como humanidade.
Ponto chave 02: O mesmo ser humano que utilizou abusivamente desses recursos, mostra agora uma preocupação com sua potencial exaustão e gostaria de revitalizar e conservar esses mesmos recursos. Bom para todos nós. Entretanto, essa revitalização precisa ser feita com base em conhecimentos científicos e no patrimônio cultural disponível. Ao usar com sabedoria e disciplina esses recursos naturais, estaremos atendendo as demandas da sociedade por bens e serviços, e ao mesmo tempo, colaborando para a requerida sustentabilidade desses recursos. Todos gostaríamos de obter, através do manejo sustentado desses recursos, os bens que precisamos para que a sociedade consiga preencher suas necessidades e ser feliz. O que precisamos fazer urgentemente é descobrir como tornar essa sustentabilidade possível, produtiva e duradoura.
Ponto chave 03: Como qualquer outra atividade de grande extensão praticada pelo ser humano, as plantações de eucaliptos causam impactos sobre o solo, sobre as águas, a fauna, a flora e sobre o próprio ser humano. O que aqueles que plantam florestas precisam conhecer é a magnitude, a intensidade, a freqüência e a direção desses impactos. Com isso, poderão minimizar os impactos negativos e potencializar os positivos. Portanto, uma plantação florestal de eucaliptos pode ter impacto importante sobre os recursos hídricos se for implantada sem cuidados e com desrespeito aos conhecimentos preservacionistas que hoje conhecemos e dispomos. O uso de fogo; o desmatamento de matas naturais; a falta de cuidados com o solo, propiciando erosão; o plantio de eucaliptos em áreas de mata ciliar; todas essas operações e outras mais, definitivamente foram realidade no passado. Isso também ocorreu na agricultura e nas formações de pastagens. Hoje, essas operações que agridem a qualidade da bacia hidrográfica são proibidas por lei. Elas são também reconhecidas pelos plantadores de florestas como danosas ao ecossistema da própria floresta plantada. São danosas ainda ao patrimônio sócio-econômico dos que investem nessa atividade de reflorestamento. O bom manejo florestal tem permitido se plantar florestas com mínimos impactos negativos no solo, nas águas, no ar , fauna, flora, etc. O plantio obedecendo a ricos e complexos mosaicos eco-florestais, o respeito às matas e ecossistemas naturais nas áreas de preservação permanente (matas ciliares, áreas pantanosas, lagoas, etc.), a criação de áreas de reservas legais, tudo tem colaborado para que o manejo florestal de hoje seja muito menos impactante do que aqueles utilizados no passado. As próprias certificações florestais que as empresas líderes do setor florestal vêm obtendo mostram que essas empresas cumprem a legislação florestal e ambiental, avaliam e minimizam seus efeitos ambientais, são auditadas e mostram transparência e abertura às demandas das partes interessadas. Nossa legislação florestal e ambiental é bastante rigorosa e esse rigor é baseado também em descobertas da ciência e nos princípios da prevenção e da precaução.
Ponto chave 04: A produção de madeira pela floresta plantada de eucalipto tem como benefício a disponibilização de matéria prima para a própria sociedade poder utilizar produtos considerados indispensáveis à sua felicidade: papel, carvão, lenha, móveis, habitações, alimentos, óleos essenciais, etc., etc. Ao obter madeira de plantações, essa mesma sociedade não consumirá madeira de matas naturais, como era o modelo extrativista do passado. O novo modelo de produção florestal baseado em plantações é relativamente recente. Por isso, não é tão grande a área de plantações existentes no planeta. Ainda estamos aperfeiçoando esse modelo, mas já há muita coisa conhecida, além de se conhecer outros pontos a melhorar.
Ponto chave 05: Podemos com tranqüilidade dizer que as plantações de eucaliptos podem ter impactos ao meio ambiente. Esses podem ser de grande ou de pequena magnitude, dependendo da forma como for plantado e manejado o eucaliptal. O que em geral ocorre é que alguns colocam uma lente de aumento sobre os impactos negativos mais sensíveis. Enquanto isso, outros colocam essa lente de aumento sobre seus pontos positivos. A verdade absoluta deve sempre estar em um ponto intermediário às posições extremadas. Nem podemos dizer que as plantações de eucaliptos não possuem impacto negativo algum; como também não podemos dizer que elas são malévolas e por isso devam ser banidas para fornecer bens à sociedade. O mais importante é se buscar encontrar os meios, através do diálogo, do conhecimento científico, da legislação, do monitoramento, para se fazer cada vez melhor essa atividade de produção florestal. Produzir bens essenciais para a sociedade é importante, mas produzi-los com eco-eficiência é muito melhor.
Ponto chave 06: Quando vamos falar sobre plantações florestais de eucaliptos, precisamos olhá-las não apenas como a área plantada com essa espécie florestal de valor industrial. O que na realidade temos é um balanceado mosaico de natureza e de floresta produtiva. Esse mosaico em geral contém entre 50 a 65% de floresta de eucalipto e o restante são áreas preservadas e manejadas como reserva natural. Algo muito bonito de se ver. Uma simples caminhada ou um sobrevôo sobre esse tipo de ecossistema já nos permite ver um mundo natural que só por ouvir falar temos dificuldades de enxergar.
Ponto chave 07: Quando falamos em consumo de água pelos eucaliptos, podemos inadvertidamente imaginar grossas e profundas raízes sugando água do solo e a evaporando como água transpirada para a atmosfera. Há muito desconhecimento pelo cidadão comum sobre a fisiologia e morfologia das florestas plantadas, sobre como a água é absorvida, transportada e transpirada. Há também enorme desconhecimento da sociedade sobre os balanços hídricos das plantações, bem como fenômenos importantes como fotossíntese, respiração, transpiração, evaporação e evapotranspiração. A ciência florestal precisa conhecer tudo isso, além da dinâmica da água no solo e das águas subterrâneas. Esses conhecimentos compõem ciências fantásticas que podem ser também aprendidas pela sociedade, hoje com muito mais facilidade através da internet. Ainda, o que necessitamos são de formas mais eficientes do setor florestal transferir esses tipos de conhecimentos básicos para as comunidades com as quais interage.
Ponto chave 08: Precisamos também entender que as florestas de eucalipto usam sua copa para três finalidades fisiológicas fundamentais: fotossíntese, respiração e transpiração. A fotossíntese consiste na produção de matéria orgânica e oxigênio pela floresta, seqüestrando o gás carbônico da atmosfera. Todas essas três operações fisiológicas são executadas intensamente pelas folhas, que possuem pequenas aberturas denominadas estômatos. Através dos estômatos ocorrem as trocas gasosas entre plantas e atmosfera. Por esses orifícios entra o gás carbônico e saem o oxigênio gerado e a água transpirada. Quanto mais folhas uma planta possui, maior é sua capacidade de realizar essas operações. Existe um indicador de área de folhas para as culturas vegetais: é o índice de área foliar - IAF. O IAF consiste na relação entre a área total de folhas da cultura dividida pela área de terra ocupada por ela. É expresso em m² de folhas por m² de área de solo. No caso dos eucaliptos, ele varia de 1,5 a 4. Para pastagens vigorosas e cana de açúcar, seus valores variam entre 3 a 8. Uma pastagem bem degradada tem poucas folhas e muito solo exposto, por isso seu IAF varia de 0,5 a 1,0. As florestas naturais, entre as quais as matas ciliares, também possuem muitas folhas. Elas possuem muita diversidade de vegetais que ocupam diversos extratos de altura na mata. O resultado disso, é que as matas naturais também produzem bastante fotossíntese e também possuem alta transpiração. Sua produção em madeira não é tão alta porque essa fotossíntese não é orientada para formação de tronco, como no caso das florestas plantadas. O resultado disso é o seguinte: florestas naturais, plantações de eucaliptos, pastagens bem formadas, cultivos agrícolas, todos consomem água do solo. São seres vivos que demandam água, fonte da vida.
Ponto chave 09: Existe uma particularidade das plantas, muitas vezes esquecida. As plantas todas, inclusive os eucaliptos, possuem mecanismos bem desenvolvidos para controlar a abertura e o fechamento dos estômatos. Elas não ficam com seus estômatos abertos trocando água, gás carbônico e oxigênio de forma contínua. Elas regulam isso em função da disponibilidade de água no solo, da temperatura da copa e da intensidade dos ventos. Em dias quentes, elas fecham os estômatos. Em caso de falta de água onde estão as raízes finas, que são as que captam a água para a planta, os estômatos também são fechados. Nas florestas de eucaliptos, a grande maioria das raízes finas estão nos primeiros 30 cm na profundidade do solo. Isso significa que as árvores buscam sua água e nutrientes mais na superfície do solo e não no lençol freático profundo. Até mesmo porque as raízes das plantações jovens de nossos eucaliptos são relativamente superficiais, estão no máximo até 2,5 metros de profundidade. Os eucaliptos possuem ainda o mecanismo de abertura e fechamento dos estômatos muito eficiente. Eles não gostam de jogar água para a atmosfera, pois se ela faltar no solo, a planta vai sofrer.
Ponto chave 10: A transpiração das plantas, quer florestas plantadas ou outras culturas, é um fenômeno natural muito importante. Sem ela, o nosso mundo seria muito diferente. A transpiração devolve água purificada para a atmosfera, que pode condensar essa água de novo na forma de chuvas puríssimas. A transpiração também evita que o solo fique saturado e pantanoso. Se não houvesse transpiração, o mundo não teria quase oxigênio no solo, as condições seriam mais de anaerobiose. Enfim, o nosso mundo seria outro, e nós também teríamos vida mais difícil e mais triste.
Ponto chave 11: As plantas todas lançam água para a atmosfera por transpiração, como já vimos. Já o solo, perde água por evaporação. A soma dessas duas perdas de água para a atmosfera chamamos de evapotranspiração. Quando uma chuva cai sobre nossa área agrícola ou florestal, ela tem diversos caminhos a seguir: uma parte se infiltra no solo; outra parte molha as plantas e se evapora sem ter atingido o solo (fenômeno conhecido como "interceptação das copas"); outra parte escoa sobre a superfície em enxurradas (deflúvio superficial). Lembremos que a água que corre sobre o solo como enxurradas vai direto para os cursos d'água, levando sedimentos, carbono humificado e nutrientes do solo. Perdemos água de forma rápida para os rios, que podem transbordar, e perdemos riqueza dos solos. Todos conhecemos o papel das florestas em prevenir a erosão do solo e em melhorar o regime hidrológico. Elas evitam o impacto direto das gotas de chuva sobre o solo, desagregando partículas. Elas filtram a água, reduzem a força das enxurradas, acumulam água nas folhas e restos vegetais que caem na superfície do solo. Evitam a erosão, melhoram o solo e sua biologia e colaboram para uma regularização dos fluxos de água dos rios. Uma maravilha isso tudo! As florestas no topo dos morros e as matas ciliares são essenciais para a revitalização das bacias hidrográficas, mesmo que elas também consumam bastante água por transpiração. As florestas plantadas possuem exatamente o mesmo tipo de ação que as matas naturais e matas ciliares. Portanto, elas também colaboram para a prevenção da erosão e para a revitalização das bacias hidrográficas. Não podemos desperdiçar essa fantástica capacidade de proteção ao solo e de regularização dos recursos hídricos que as florestas oferecem.
Ponto chave 12: A água para atingir o lençol freático e os aqüíferos, e com isso aumentar o banco de água no solo, precisa penetrar nesse solo. A resistência da superfície do solo precisa ser rompida. As camadas de restos vegetais que ajudam a estruturação da superfície do solo colaboram para isso. Se a água não penetrar no solo, vai escoar ladeira abaixo como enxurrada caudalosa, arrastando solo e riquezas naturais. Quando o solo está apto para receber a água da chuva ele a absorve com avidez. Há muito espaço no solo para ser enchido com água. Pequenas chuvas molham as copas, às vezes a superfície do solo, mas não penetram nele e portanto, não vão colocar água no lençol freático. As florestas são muito úteis no caso de chuvas mais intensas e que duram algumas horas ou dias. Com isso, elas permitem que a água chegue ao solo, infiltre-se e recarregue o lençol de água subterrânea com nova quantidade de água. Mais uma vez, esse papel é exercido tanto pelas matas naturais, como pela floresta plantada. A infiltração no solo é bem maior nas florestas do que nas pastagens. Em pastagens degradadas, onde se pense em plantar florestas de eucaliptos, a superfície do solo é bastante compactada. Com isso, a água de chuva tende a fugir da área como enxurradas. Sobrecarrega e prejudica com isso, a qualidade da bacia hidrográfica. O plantio das florestas de eucalipto sobre esse solo de pastagens deterioradas vai romper essa compactação e favorecer a infiltração da água no solo. A água que penetra o solo, encontra o lençol, passa a caminhar através dele na forma de um escoamento com base na força de gravidade. Há um momento onde essa água encontra uma saída do solo na forma de uma nascente, de um pequeno brejo ou de uma lagoa. O lençol subterrâneo é por isso um reservatório natural de água, com uma liberação mais controlada para os rios e lagos. Essa água é filtrada no solo, perde contaminantes como agrotóxicos e sedimentos, e quando sai na nascente, é na maioria das vezes, potável. Uma engenharia sábia da natureza. Por essa razão, a importância de se encontrar maneiras de se fazer a água de chuva penetrar o solo. Se isso não ocorrer, teremos altas vazões dos rios nas épocas de chuvas e falta de água nas estações seca. Outro fenômeno que ocorre quando a chuva não se infiltra no solo e corre como enxurrada é o assoreamento dos cursos d'água com sedimentos arrastados dos solos. Existem várias maneiras para forçar a entrada de água no solo: reflorestamento, proteção dos topos de morros, matas ciliares, cortar as águas com terraços e plantações em nível, abrir bacias e criar açudes para acumular águas, aumentar a rugosidade da superfície do solo, quebrar a compactação da camada de cima do solo, quebrar camadas de impedimento ou barreiras à infiltração da água no perfil do solo (camadas adensadas de argila, ou de rochas), etc. O mato e o sub-bosque ajudam a aumentar a rugosidade da superfície do solo e com isso ajudam a infiltração também.
Ponto chave 13: Um componente importante para se garantir a qualidade dos recursos hídricos são as matas ciliares ou zonas ripárias, como também conhecidas. Mata ciliar é uma formação vegetal que deve ser mantida intocada nas margens de rios, córregos, nascentes, lagos. As matas ciliares protegem os cursos d'água e a biodiversidade. Servem de abrigo para a fauna, são ricas em espécies da flora, etc. Elas fazem contenção das encostas, ajudam a filtrar os sedimentos arrastados pelas enxurradas e eliminam o excesso de defensivos agrícolas que transitam em direção aos rios. Elas ainda favorecem a infiltração da água no solo e colaboram na regulação dos fluxos dos rios. A mata ciliar rica em folhas ocorre em áreas com solos muito ricos em água. Por isso, elas também são capazes de transpirar bastante água para a atmosfera. Por outro lado, elas compensam esse uso de água com as ações de regulação de fluxos dos rios, com a filtração para melhor qualidade das águas e com o enriquecimento do solo. Não existem só vantagens ou só desvantagens nas coisas da natureza. Não devemos só colocar nossas lentes de aumento nas vantagens ou só nas desvantagens. Tampouco devemos só olhar a mata ciliar, ou só o topo do morro, ou só a área de floresta plantada de eucalipto. O importante é o complexo eco-florestal e suas interações.
Ponto chave 14: A evapotranspiração e o fenômeno de interceptação das copas devolvem juntos para a atmosfera cerca de 65 a 80% da água das chuvas. Sobram então entre 20 a 35% para infiltração aos lençóis e deflúvio. Se as chuvas forem poucas, em regiões de baixa precipitação, sobrará muito pouca água para abastecer os rios e as águas subterrâneas. É por essa razão que não se deve plantar de forma alguma florestas produtivas de eucaliptos para fins econômicos em regiões com menos de 800 mm de chuvas por ano, onde os efeitos hidrológicos certamente deverão ocorrer, tanto para o solo, como para os recursos hídricos e para a própria floresta plantada. Em situações como essas de baixíssimas chuvas, só poderemos pensar em plantações de eucaliptos para efeitos de proteção do solo contra a erosão, de encostas, e de conservação natural sem fins econômicos. As melhores situações para plantios de eucaliptos são para chuvas bem distribuídas e com precipitação anual total superior a 1.200 mm. Se mantivermos essas condições, estaremos garantindo que o solo se manterá abastecido de água e oxigênio, e que as nascentes e os rios sofrerão mínimo impacto em suas vazões.
Ponto chave 15: A água de chuva que é interceptada pelas copas da floresta de eucalipto representa cerca de 10 a 15% do volume anual das chuvas. É comum nos dias de chuva leve se notar que o chuvisco ficou todo retido nas copas e sequer atingiu o solo. Em um cerrado, ou em uma pastagem aberta, com pouca área foliar e com vegetação arbustiva, a interceptação das copas é bem menor. Essa é uma das principais diferenças a causar redução de água para o solo nas plantações florestais. Ocorre também nas matas naturais, mas não ocorre muito no cerrado e nas pastagens. Há também nas florestas produtivas um ligeiro consumo a maior de água devido à ação fotossintética intensa. A maioria dos trabalhos científicos mais recentes mostra que a soma dessas duas condições (interceptação das copas e intensidade fotossintética) colabora para uma redução da recarga das águas subterrâneas e do deflúvio superficial, que somados representam cerca de 150 a 250 mm das chuvas do ano. Esse valor é conhecido como "efeito plantação". Ou seja, os benefícios que a floresta plantada traz gerando oxigênio, seqüestrando gás carbônico, evitando as enxurradas, regulando os fluxos hídricos, melhorando a qualidade das águas dos rios, minimizando a erosão dos solos, fornecendo madeira para a sociedade, se contrabalançam por um "consumo anual" maior da água de chuva de entre 150 a 250 mm em relação a uma pastagem ou a uma área de cerrado. Algo perfeitamente gerenciável, desde que conhecidos alguns dos fundamentos já mencionados nesse mini-artigo. Como uma medida adicional de segurança para se prevenir potenciais efeitos hidrológicos, sugere-se evitar plantar florestas produtivas de eucaliptos em áreas onde a precipitação total de chuvas ao longo do ano seja menor que 1.000 mm. Caso haja intenção de se fazer isso, em regiões de índices anuais de chuva entre 800 e 1.000 mm ao ano, recomenda-se cuidadoso estudo de impacto ambiental para conhecer, avaliar, quantificar, decidir e mitigar as conseqüências negativas.
Ponto chave 16: O manejo florestal e as práticas silviculturais no plantio e na colheita da floresta de eucalipto podem favorecer ou prejudicar a penetração de água no solo, sua infiltração e a recarga de águas subterrâneas, bem como o escoamento superficial das águas. A qualidade de uma micro-bacia pode ser muito afetada se práticas silviculturais inadequadas forem implementadas. Por essa razão, a extrema exigência de assistência técnica de alto nível nos programas de fomento florestal. Temos que evitar que novatos no setor venham a cometer graves erros nas suas plantações de eucaliptos.
Ponto chave 17: É muito importante se conhecer as diferenças e as peculiaridades de cada tipo de vegetação, de solo, de regime de águas, de regime de chuvas, etc. Há muito conhecimento disponível hoje para se plantar florestas com o mínimo impacto no solo e nas águas. O planejamento prévio do mosaico eco-florestal permitirá significativas melhorias dos ecossistemas, tanto para produção, como para conservação. Avaliando as diferentes situações e alternativas antes dos plantios, podemos minimizar os impactos negativos e maximizar os positivos das plantações. Cada situação é uma situação, as condições variam e os planos de manejo podem ser adequados e otimizados. Portanto, há demanda de muito conhecimento para as áreas operacionais das empresas de reflorestamento. Não apenas conhecimento, mas comprometimento também.
Ponto chave 18: São coisas vitais nesse processo de gestão da água nas plantações:
• queremos que a água de chuva se infiltre no solo e atinja a água subterrânea para alimentar nascentes, banhados e cursos d'água;
• queremos evitar que a água escape na forma de enxurradas caudalosas e carregadas de solo e de riquezas;
• queremos evitar que a evapotranspiração real seja demasiada;
• queremos que solo, plantas e água se complementem de forma que haja água para as plantas, água para o solo e sua biologia, água para as nascentes e para os cursos d'água.
Ponto chave 19: Existe toda uma dinâmica nesse sistema constituído de planta/solo/água. Com ciência e comprometimento, poderemos estabelecer planos de manejo e de utilização racional desses recursos para máxima eco-eficiência. É isso que o setor de florestas plantadas tem buscado fazer. Através do monitoramento tem sido possível entender mais e mais sobre os comportamentos de cada componente desse sistema: matas ciliares, áreas de preservação permanente, áreas de ecossistemas naturais da reserva legal, áreas de florestas produtivas de eucaliptos, água do solo, etc., etc.
Muitas novas técnicas têm sido introduzidas para favorecer a saúde do complexo eco-florestal: zoneamento agro-ecológico e florestal, planejamento da paisagem, manejo conservacionista do solo, segregação e distribuição de plantios e de áreas de conservação natural, preparo mínimo do solo, construção de terraços e de curvas de nível para favorecer a penetração e retenção da água, fertilização mineral, combate biológico de pragas, distribuição das estradas para mínima erosão e para reter água na área; manutenção dos restos de colheita para proteção e aumento de riqueza do solo, ciclagem de nutrientes, monitoramento de micro-bacias, etc., etc. Há definitivamente todo um conjunto de ciências interligadas permitindo a otimização desse complexo sistema solo/planta/água. Podemos ainda desconhecer ou sermos ingênuos em relação à muitas das sabedorias da natureza. Entretanto, estamos aprendendo rapidamente. Toda essa ciência é muito recente entre nós, são poucas décadas de pesquisas. Há um amplo caminho para aperfeiçoamentos e otimizações.
Ponto chave 20: Com boa vontade, diálogo, disposição, compromisso e muito trabalho vamos conseguir o necessário balanço nesse sistema eco-florestal. Sem dúvidas, a floresta plantada de uma década mais será muito melhor do que a plantada hoje; e assim sucessivamente. Queremos a melhoria contínua. Já chega de piora contínua dos recursos naturais. O benefício será da natureza como um todo: sociedade atendida em suas demandas e ambiente natural diversificado e protegido. Cada unidade do sistema cumprindo a sua parte de forma sábia e responsável. Podemos ainda não ter atingido um ponto ótimo nesse processo, acredito até que estamos longe dele. Mas acreditem, estamos buscando aprender mais e fazer melhor. É através dos pontos divergentes que podemos buscar as necessárias convergências para se produzir florestas plantadas produtivas com melhorias ambientais paralelas no ambiente natural. A floresta plantada de eucalipto já é parte desse novo tipo de ecossistema. Sua rusticidade, sua capacidade produtiva, sua capacidade de nos oferecer produtos, sua capacidade de interagir com outros ecossistemas, complementando-os: tudo isso são coisas que devemos valorizar. Afinal, essas árvores de eucaliptos oferecem suas células e seu corpo para o benefício da sociedade. Já está na hora de se entender melhor isso. Aos eucaliptos devemos mais respeito, mais justiça e agradecimentos. Aos que se opõem a eles, peço: paciência e tempo para que possamos aprender mais sobre isso tudo, e ajuda para fazer uma silvicultura e um complexo eco-florestal e social ainda melhores.
(Por Celso Foelkel*, Texto recebido por E-mail, 29/11/2007)
*Engenheiro agrônomo e silvicultor. Mestre em Ciências (Celulose e Papel) pela State University of New York e Syracuse University , USA Doutor Honoris causa pela Universidade Federal de Santa Maria
Web pages: www.celso-foelkel.com.br e www.eucalyptus.com.br