Em fevereiro de 2005, o caçador Leonardo de Carvalho Marques, 23, matou com um tiro de escopeta o ambientalista Dionísio Júlio Ribeiro Filho, que militava em defesa da Reserva Biológica do Tinguá, unidade de conservação federal em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense (RJ). Na ocasião, o crime alcançou repercussão mundial. Uniu-se a covardia com que foi praticado - Leonardo, réu confesso, atirou nas costas da vítima -, ao fato de Seu Júlio, como Dionísio era conhecido na região, ser pessoa muito querida pela comunidade do entorno da Rebio, da qual tinha sido um dos fundadores, em 1988.
A expectativa de amigos e admiradores era que sua morte despertasse a atenção dos poderes públicos para os problemas que então se observava na Reserva, entre eles a fragilidade na segurança oferecida aos que lutam pelo respeito às leis ambientais.
Passado este tempo, porém, as preocupações continuam as mesmas. "Sem a presença efetiva do Estado com políticas de gestão ambiental, outros ecologistas e até mesmo servidores dos órgãos ambientais, como os do Ibama que atuam no Tinguá, estão vulneráveis e correm risco de vida já que, ao denunciarem os crimes ambientais, ficam na alça de mira dos grandes grupos econômicos poluidores, de caçadores, palmiteiros e `donos` de areais clandestinos", disse Sérgio Ricardo, membro do Fórum de Meio Ambiente e Qualidade de Vida do Povo Trabalhador da Zona Oeste e da Baía de Sepetiba.
Segundo ele, logo após o assassinato de Dionísio, a entidade encaminhou à Procuradoria Geral da República, ao Ministério Público estadual, ao Ibama, ao Governo do Rio de Janeiro e às Prefeituras de municípios nas cercanias da Reserva uma lista com propostas de políticas públicas de baixo custo e de grande potencial de realização. Todas visavam reverter a consolidada situação de abandono da Rebio Tinguá.
A lógica a alinhavar as sugestões partia do princípio de que, num país desigual e injusto economicamente como o Brasil, para proteger o meio ambiente, seja em Nova Iguaçu ou na Amazônia, é fundamental buscar a participação direta das comunidades.
No caso da Rebio Tinguá, encravada na Baixada Fluminense, local onde se concentra baixo poder aquisitivo e pouca qualificação profissional, os argumentos mostravam que tais políticas teriam de vir pautadas no viés socioambiental. Em outras palavras, proteção à natureza associada diretamente a oportunidades de trabalho e melhor distribuição de renda. "Para pessoas que estão em sua maioria desempregadas, muitas em situação de miséria e profunda exclusão social, até passando fome, acontece de a única fonte de renda ser a extração ilegal de palmito, a caça predatória ou o roubo de bromélias já em extinção", pondera Sérgio Ricardo.
No dia 14 passado, Leonardo Marques - o assassino do ambientalista Dionísio - foi morto a tiros no interior de um ônibus da empresa Elmar, que faz a linha Tinguá-Nova Iguaçu. De acordo com testemunhas, marginais anunciaram um assalto e o caçador foi alvejado quando tentava saltar do veículo. Policiais da 58ª DP (bairro da Posse) em Nova Iguaçu investigam o caso.
Leonardo teve o destino selado antes mesmo que a Justiça - notoriamente lenta no Brasil - chegasse a uma conclusão quanto ao recurso do Ministério Público procurando anular a sentença do julgamento pelo Tribunal do Júri da Comarca de Nova Iguaçu que, em 2006, absolveu o caçador. No veredito a livra-lo da cadeia, os jurados alegaram "falta de provas", apesar de Leonardo ser réu confesso.
O mais assustador foi que, em seu depoimento logo após o crime, ele deu o tom da organização e - ao mesmo tempo - certeza de impunidade a movimentarem os crimes ambientais na região. Relatou que houve um churrasco organizado por palmiteiros e caçadores em Tinguá, onde tramou-se a morte do ambientalista Dionísio. No evento, disse ele, uma "caixinha" foi organizada pelos criminosos para comprar a arma e contratar o atirador que faria o serviço. A morte de outros nove ecologistas teria sido decidida. Dionísio encabeçava a relação.
ImpassesTais fatos não chegaram a mover as autoridades na direção de soluções de ordem prática. Ao contrário, poucos meses após a morte do ambientalista, foi extinta a Brigada de Incêndio que operava na Reserva, sob a alegação de que faltavam ao Ibama/RJ recursos financeiros para sua manutenção, os quais deveriam ser repassados pelo Ministério do Meio Ambiente.
Uma audiência pública na Comissão de Meio Ambiente da Câmara Federal, em --- de 2005, tentou debater os vários problemas da Rebio, mas, novamente, os discursos caíram no vazio. A Petrobras, que à época do crime acenou com a possibilidade de "adotar" a unidade de conservação, posto que vários oleodutos da empresa a atravessam, também não transcendeu o terreno das boas intenções.
As Prefeituras, o Ibama e o Governo do Estado deveriam estar investindo em reflorestamento, na recuperação das áreas degradadas e na recomposição das matas ciliares, já que o Tinguá funciona como um estratégico manancial de água limpa da Região Metropolitana", diz Sérgio Ricardo. Segundo ele, o entorno da reserva está se transformando num pólo de ecoturismo, que tende a se ampliar e gerar opções de trabalho. "Porém, isso está ocorrendo sem que a região e as comunidades mais pobres tenham acesso ao saneamento e à coleta seletiva de lixo", ressalva.
Ele aponta outro retrato da disparidade reinante: a Cedae - companhia de abastecimento de água do Rio de Janeiro - faz captação nos mananciais dentro da Rebio. Contudo, milhares de pessoas que vivem em seu entorno ainda hoje não dispõem de água potável.
(Por Mônica Pinto,
AmbienteBrasil, 06/12/2007)