Prezado Irmão Luís Flávio,
Quando soubemos da tua decisão de retomar a luta em defesa do Velho Chico, estávamos reunidos no encontro da Comissão Episcopal de Pastoral do Regional Nordeste V. Logo decidimos escrever-te em solidariedade a ti e a todo o povo brasileiro que resiste em defesa do rio São Francisco e contra a insanidade do projeto de sua transposição.
É com temor e tremor que unimos nossa indignação ao teu gesto extremo e ao teu grito, que se une ao grito dos povos e dos biomas mortalmente feridos pelo dragão da morte. É o grito do rio São Francisco, que se junta, neste silêncio ensurdecedor, ao grito da Amazônia, do Cerrado, da Mata Atlântica, do Pantanal, dos Campos inundáveis, do Sertão.
Poucos estão dispostos a ouvir o gemido da Terra e dos pobres da Terra agredidos pelo "desenvolvimento" capitalista. A maioria fica anestesiada pelas deformações da mídia e, como sempre, uma minoria vislumbra lucros e vantagens políticas.
O próprio Presidente da Republica, cinicamente, declara que o que está em jogo seria a tua vida contra a vida de 12 milhões de nordestinos, quando deveria saber que a oposição se dá entre os interesses de um punhado de empreiteiros e de empresários do hidroagronegócio de um lado e a vida da bacia hidrográfica do São Francisco e da sua população do outro.
Também não existe unanimidade dentro da nossa Igreja, indício forte de um evangélico sinal de contradição, que perpassa todos os contextos e todas as relações. Nada de novo: faz oito séculos que, dentro e fora das Igrejas, encobrimos a profecia de Francisco de Assis. Justamente quando o capitalismo dava os seus primeiros passos, Francisco retomou a visão de Jesus: a fraternidade universal de todos os seres vivos e a responsabilidade dos seres humanos de cuidar da vida.
À luz do teu gesto evangélico, confirma-se a nossa missão nestes tempos em que a alternativa entre a destruição da Terra e o serviço à Vida é de uma evidência incontestável. Temos que enfrentar um duplo desafio, político e teórico: perguntar-nos-emos não só qual é o futuro dos pobres, mas qual é o futuro da Terra.
Tu, irmão Luís Flávio, estás lutando não só para a construção de uma nova sociedade, mas também por uma nova convivência entre seres humanos e todos os seres vivos. Entre seres humanos e a vida. Tu estás apostando na esperança e nos protagonismo dos pobres de Jesus.
Tu nos indicas o caminho da desobediência civil e da objeção de consciência, que se associa à luta das organizações populares e dos movimentos sociais do Brasil e da Pátria Grande. Tudo devemos esperar dos pobres de Javé, que lutam contra "o poder do nada"!
Alvejamos e purificamos, enfim, as nossas palavras na Palavra de Deus, Pai e Mãe da Vida:
"18 Eu penso que os sofrimentos do tempo presente não têm proporção com a glória que há de ser revelada em nós. 19 De fato, toda a criação espera ansiosamente a revelação dos filhos de Deus; 20 pois a criação foi sujeita ao que é vão e ilusório, não por seu querer, mas por dependência daquele que a sujeitou. 21Também a própria criação espera ser libertada da escravidão da corrupção, em vista da liberdade que é a glória dos filhos de Deus. 22Com efeito, sabemos que toda a criação, até o presente, está gemendo como que em dores de parto, 23e não somente ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito, gememos em nosso íntimo, esperando a condição filial, a redenção de nosso corpo." (Rom 8,18-23 - Bíblia da CNBB).
Estamos unidos na oração e na luta.
Um abraço fraterno.
* Assinam:Dom Xavier Gilles - Bispo de Viana e Presidente do Regional NE 5 da CNBB
Dom Franco Cuter - Bispo de Grajaú e Vice-Presidente do Regional NE 5 da CNBB
Frei João de Araujo Santiago - CRB Regional
Humberto Rezende Capucci - CIMI Regional
Iolanda Silva Ribeiro - Pastoral da Criança Regional
Ir. Renato Thiel - CEBs Regional
Jean Marie Van Damme - Assessor regional das CEBs NE 5
Joana Meneses Mendes - Catequese Regional
Lucineth Cordeiro Machado - Cáritas Regional
Maria de Fátima Santos Martins - Pastoral da Mulher Regional
Maria Deuzamar Lima - Pastoral da AIDS Regional
Pe. Almir Marques dos Santos - Coordenador de Pastoral Diocese de Carolina
Pe. Benedito Pereira Estrella - Coordenador de Pastoral Diocese de Pinheiro
Pe. Costante Gualdi - Coordenador de Pastoral Diocese de Grajaú
Pe. Erenaldo Pereira Caxias - Coordenador de Pastoral Diocese de Zé Doca
Pe. Nadir Luiz Zanchet - Coordenador de Pastoral Diocese de Balsas
Pe. Sebastião Francisco pereira - Coordenador de Pastoral Diocese de Caxias
Pe. Valdeci Alves Martins - Coordenador de Pastoral Diocese de Imperatriz
Vera Lúcia Silva Brito - Coordenação de Pastoral da Arquidiocese de São Luís
Pe. Flávio Lazzarin - Secretariado Regional NE 5 da CNBB
Graça Araújo - Secretariado Regional NE 5 da CNBB
(
Adital, 06/12/2007)