Depois de uma visita a Lisboa (4 de julho), o presidente brasileiro, Luiz Inácio "Lula" da Silva, retomou no dia seguinte, 5, em Bruxelas, a sua turnê européia de promoção dos biocombustíveis. Na capital portuguesa, ele havia assinado com a União Européia uma "parceria estratégica", que inclui um acordo que visa a incentivar a busca "por soluções inovadoras no campo dos biocombustíveis".
Por ocasião da conferência internacional sobre combustíveis de origem agrícola que ele havia inaugurado em 5 de julho, Lula havia argumentado em favor desta fonte alternativa de energia. Ele também lembrou, assim como fez em entrevista para o jornal "Libération" publicada naquela data, que "adicionando na gasolina 25% de etanol derivado da cana-de-açúcar, ou utilizando álcool puro em carros "flex fuel", nós conseguimos reduzir de 40% o consumo e a importação de combustíveis fósseis e, com isso, evitamos que fossem emitidos, desde 2003, mais de 120 milhões de toneladas de gás carbônico".
Nesta nova turnê, o presidente brasileiro pregará para uma platéia de interessados, uma vez que a UE já planejou fazer passar o volume de oleaginosos - sobretudo a colza - destinados à produção de biocombustíveis, de um pouco mais de 10 milhões de toneladas em 2006 para 21 milhões de toneladas em 2016.
Contudo, algumas personalidades começaram a se manifestar no sentido de sublinhar os inconvenientes desses combustíveis, apresentados com freqüência como a panacéia na luta contra o aquecimento climático e que permitiriam que países desenvolvidos recuperassem uma parte da sua independência energética frente aos países produtores de hidrocarbonetos.
Este foi o caso de Peter Mandelson, o comissário europeu para o comércio, que declarou durante a conferência internacional sobre os biocombustíveis que a União Européia não poderia permitir que a reorientação (da política dos combustíveis) em favor dos países emergentes se transformasse "numa corrida insustentável do ponto de vista do meio ambiente no mundo em desenvolvimento".
"Em caso algum", declarou Mandelson, "nós podemos tolerar em proveito desses países a destruição das plantações depois da colheita (...) ou o sacrifício de florestas tropicais". O comissário estava fazendo alusão aos desmatamentos das florestas brasileiras ou indonésias que visam a liberar superfícies de terra para plantar cana-de-açúcar ou palmeiras de óleo. Ele também estava se referindo ao aumento de preços provocado pela reorientação do uso dos cereais, agora destinados às refinarias de biocombustíveis. Assim, a tortilla mexicana viu o seu preço duplicar após os Estados Unidos multiplicarem as refinarias que funcionam com milho.
Depois do Banco Mundial, a Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) também confirmaram, em 4 de julho, que está ocorrendo um processo de encarecimento dos produtos agrícolas sob o efeito da explosão da demanda por biocombustíveis.
Em seu relatório intitulado "Perspectivas agrícolas da OCDE e da FAO 2007-2016", estas instituições avaliam que os produtos dos cereais poderiam alcançar, em 2016, preços superiores em 20% e até mesmo 50% ao seu valor médio dos últimos dez anos.
"Os biocombustíveis modificaram a estrutura dos mercados agrícolas", comenta Loek Boonekamp, que coordenou o estudo para a OCDE. "Este fenômeno deverá prosseguir no médio prazo, mesmo se três incertezas continuem no ar:
1) Os países da OCDE continuarão subvencionando generosamente esses combustíveis alternativos que ainda não são rentáveis?
2) O preço do petróleo se manterá suficientemente elevado para tornar atraentes os biocombustíveis?
3) Por fim, a tecnologia progredirá de maneira a permitir a utilização das partes não comestíveis das plantas (milho, cana-de-açúcar) na fabricação dos biocombustíveis?".
O relatório reconhece que o aumento dos preços das matérias-primas agrícolas é benéfico para os agricultores de todos os países, aos quais eles proporcionam um precioso complemento de renda. Mas eles também comportam efeitos perversos. Não para as economias desenvolvidas, já que as matérias-primas exercem um peso reduzido nos preços dos produtos acabados.
Para Loek Boonekamp, 20% do aumento dos preços das matérias-primas agrícolas geraria apenas um encarecimento de 1% dos produtos comercializados. Mas o mesmo não acontece para os países pobres. "É verdade, nós não prevemos a ocorrência de nenhuma grande escassez nos mercados agrícolas durante os próximos dez anos", afirma Boonekamp. "Em contrapartida, o aumento dos preços provocará uma pobreza relativa nos países importadores de cereais, principalmente nos mais pobres onde os habitantes das cidades deverão padecer desta nova configuração do mercado".
Contudo, o estudo relativiza o impacto dos biocombustíveis sobre esta inflação anunciada. A causa principal dos aumentos dos preços tem sido meteorológica, enquanto a queda pela mentade da colheita de trigo australiana em 2006 reduziu de maneira espetacular os estoques mundiais e traumatizou os mercados. O aumento da população e do poder aquisitivo dos países em desenvolvimento, por sua vez, também provocam o crescimento da demanda por produtos agrícolas e repercutem nos produtos de criação, que são obtidos por meio de uma alimentação baseada em cereais.
Em todo caso, o estudo publicado pela OCDE e pela FAO prevê um desenvolvimento mais intenso das transações nos países que não pertencem à OCDE, e, principalmente, entre países do Sul. Neste contexto, o Brasil e a Argentina são os únicos capazes de satisfazer a demanda dos mastodontes asiáticos do consumo agrícola em que se transformaram a China e a Índia.
(Por Alain Faujas,
Le Monde, 05/12/2007)