Greenpeace lança proposta para tentar superar impasse na conferência do climaPlano prevê ajuda a governo unida à venda de créditos de carbono para combater a emissão de gases do efeito estufa gerada pelo desmate
Num dia marcado por uma polêmica entre diplomatas sobre como incluir a proteção das florestas no futuro acordo do clima, coube ironicamente aos ambientalistas apresentar uma solução de meio-termo. A ONG Greenpeace lançou ontem num evento concorrido em Bali a proposta de um mecanismo pelo qual a redução do desmatamento em países pobres poderá ser usada por países industrializados para compensar suas próprias emissões. Mas dentro de um limite.
Parte dos créditos que países ricos pagariam para poder continuar emitindo serviria obrigatoriamente para alimentar um fundo de ajuda a nações tropicais na gestão florestal.
Segundo o Greenpeace, a proposta, batizada de Mecanismo de Redução de Emissões de Desmatamento Tropical, tem o potencial de unir dois pontos de vista antagônicos: o dos países que acham que as nações ricas devem voluntariamente depositar dinheiro num fundo para compensar países florestais que reduzirem seu desmate; e o dos países que acham que o chamado desmatamento evitado deve gerar créditos que possam ser negociados num mecanismo de mercado.
A primeira posição é defendida pelo Brasil. A outra, por vários outros países, além de agências internacionais como o Banco Mundial.
A divergência não é trivial. O governo brasileiro acha que as ações contra o desmatamento devem priorizar a governança, ou seja, a presença do Estado em forma de ações como monitoramento por satélite, fiscalização e repressão a desmatadores ilegais, além de políticas de desenvolvimento sustentável.
Pela proposta do Brasil, essas medidas seriam financiadas pelos países do chamado Anexo 1 (aqueles que têm metas de redução de emissões de gases-estufa pelo Protocolo de Kyoto) porque elas têm impacto direto na queda de emissões.
Para o Itamaraty, usar desmatamento reduzido ou evitado para gerar créditos de carbono seria uma forma de evitar que os países do Anexo 1 reduzissem suas emissões pelo uso de energia, o verdadeiro objetivo de Kyoto, compensando o dever de casa que deixou de ser feito com créditos baratos comprados de países tropicais.
O Brasil também quer evitar uma suposta perda de soberania sobre a Amazônia ao entregar a redução do desmatamento ao mercado.
Outros países, como a chamada Coalizão das Florestas Tropicais, liderada por Papua-Nova Guiné, argumentam que nenhum país industrializado em sã consciência daria dinheiro para implementar políticas públicas em nações em desenvolvimento sem ganhar nada em troca em termos da própria contabilidade de emissões.
Melhor de dois mundos
Como na ONU tudo se decide por consenso, o racha entre as duas posições traz o risco de simplesmente deixar as florestas de fora do acordo pós-2012. O que seria uma tragédia para o Brasil, que tem no desmatamento da Amazônia dois terços de suas emissões de carbono.
"O que nós buscamos fazer foi aliar o melhor dos dois mundos", explica Marcelo Furtado, diretor de campanhas do Greenpeace. "Estabelecemos um mecanismo híbrido que tem um fundo para governança e um mecanismo de mercado para gerar certificados por redução de desmatamento."
A idéia é que, após Kyoto, as nações do Anexo 1 sejam obrigadas a investir o equivalente a x% de suas emissões nas chamadas TDERUs, sigla em inglês pela qual os novos créditos de carbono foram batizados. O pulo do gato, explica Furtado, está em regular uma parte (obrigando a compra), mas deixar que o mercado faça o resto. "O investidor vai querer comprar de países com mais governança, porque ele precisa garantir a segurança do investimento."
(Claudio Angelo,
Folha de São Paulo, 05/12/2007)