O desenvolvimento de um mercado internacional de biocombustíveis agrícolas poderá reduzir a poluição ambiental e minimizar os impactos inflacionários da atual euforia por essa alternativa energética, mas trata-se de um processo que consumirá muitos anos. No momento os países que dispõem de condições, como Estados Unidos e União Européia, buscam criar seus sistemas domésticos de produção e consumo de combustíveis destilados de vegetais, procurando reduzir seus gastos com petróleo, com barreiras e subsídios que ofuscam as perspectivas desse novo mercado.
A febre por produtos como o biodiesel e o álcool combustível, ou etanol, destilados de oleaginosas, cana-de-açúcar e milho, obedece aos preços proibitivos do petróleo e aos efeitos climáticos indesejáveis do uso de seus derivados. Na América, apenas cinco países já produzem o suficiente para acrescentar 10% de etanol à gasolina que consomem, proporção que não exige mudanças nos motores e reduz consideravelmente a emissão de gases causadores do efeito estufa. Estes países são Brasil, Guatemala, Guiana, Nicarágua e Paraguai, segundo o Atlas de Agroenergia e Biocombustíveis do Instituto Interamericano de Cooperação Agrícola (IICA), publicado este ano.
Nadando contra a corrente do enfoque nacional, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) promoverá, em junho de 2008, uma conferência no Brasil para estabelecer um contexto regulatório do futuro mercado mundial de biocombustíveis. É “o momento adequado” para discutir o assunto e evitar a consolidação de distorções que no futuro serão mais difíceis de corrigir, disse ao Terramérica Luiz Fernando Paulillo, consultor do Escritório Regional da América Latina e do Caribe da FAO.
As barreiras alfandegárias “podem cair, mas os subsídios tendem a perdurar”, como provam as longas e frustrantes negociações na Organização Mundial do Comércio (OMC) para reduzir a proteção à agricultura dos países ricos, recorda o especialista. Entretanto, os subsídios à produção de grãos pouco preocupam os agricultores centro-americanos porque a perspectiva de uma enorme demanda e os preços tão altos proporcionam “lugar para todos os produtores, inclusive os menos eficientes”, segundo Gerardo Escudero, representante do IICA na Nicarágua.
Parte da alta se deve ao fato de os Estados Unidos decidirem promover sua produção de etanol extraído do milho, provocando um desequilíbrio no comércio mundial de grãos que elevou os preços em cadeia. Entretanto, apenas 28% desse aumento se deve ao etanol, assegura Paulillo, que atribui as altas principalmente ao brutal incremento da demanda por alimentos na Ásia e à alta do petróleo que encareceu transporte e insumos agrícolas de origem petrolífera.
Washington aposta na nova tecnologia da hidrólise, que permitirá refinar etanol da palha de milho, madeira ou pasto, e espera atingir uma produção viável a partir da celulose dentro de aproximadamente cinco anos, prevê Paulillo. Isso pode provocar outra sacudida no mercado das matérias-primas atuais dos biocombustíveis, que sofreriam uma inversão da tendência, com forte queda de preços. Um contexto regulador buscaria evitar ou tornar mais gradual essas mudanças, argumenta o especialista. Por outro lado, o etanol de celulose superaria certas restrições, como o fato de afetar a produção de alimentos e elevar seus preços.
Também é necessária alguma “estabilidade” e avanço semelhante na oferta e no consumo para dar credibilidade aos combustíveis alternativos, observa Benedito Rosa, diretor de Comércio Internacional do Ministério da Agricultura do Brasil, lembrando que o programa de álcool combustível brasileiro sofreu uma grave crise de confiança que quase o destruiu há uma década e meia. A sobrevivência e consolidação desse programa fez do Brasil o único país com capacidade para exportar grande quantidade de etanol, além de misturá-lo à gasolina na proporção de 25% e ter milhões de automóveis que podem utilizar até 100% desse combustível.
Por isso o Brasil luta sozinho contra a taxação de US$ 0,54 por galão (3,78 litros) imposta pelos Estados Unidos ao etanol importado e barreiras, que chegam a até 63% do preço, na União Européia. Organizações como a FAO, o Banco Mundial e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) apóiam a posição brasileira, por reconhecerem que a cana-de-açúcar é mais eficiente em reduzir os gases causadores do efeito estufa e que as matérias-primas usadas nos Estados Unidos e na Europa pouco ou nada contribuem para esse fim. Estudos brasileiros indicam que o milho convertido em etanol produz apenas 1,3 unidade de energia para cada unidade de energia fóssil empregada em sua produção, enquanto a relação da cana no Brasil é superior a oito para uma. Uma forma de eliminar o protecionismo é a proposta brasileira de incluir o etanol na lista de bens ambientais que se negocia na OMC, com a evidente recusa das potências do Norte.
Tais barreiras, porém, abrem uma grande oportunidade de expansão da agroindústria do etanol na América Central e alguns países caribenhos, beneficiados por acordos comerciais, que lhes concedem isenções alfandegárias no grande mercado norte-americano, e disponibilidade de terras e água. A Guatemala lidera em produtividade de cana, inclusive superando o Brasil. O governo e o setor privado brasileiros buscam fomentar o desenvolvimento agroenergético dessa região, por considerarem que um mercado mundial e a transformação do etanol em mercadoria global só serão alcançados quando muitos países o produzirem e o exportarem.
Como parte desse esforço foi criado o Fórum Internacional dos Biocombustíveis, do qual participam tanto Brasil, Estados Unidos e União Européia, quanto África do Sul, China e Índia, para estabelecer padrões universais que facilitem o comércio dessas alternativas. São processos que exigem tempo para produzir resultados, enquanto o mercado vai sendo construído com deformações e contradições geradas por interesses econômicos e políticos imediatos. Os incentivos ao etanol de milho salvaram de uma grave crise a agricultura do meio oeste norte-americano, e eliminá-los geraria um forte desemprego na região, segundo Benedito Rosa.
(Por Mario Osava*,
Terramérica, 03/12/2007)
* O autor é correspondente da IPS.