Apenas 47% da população brasileira têm acesso à rede geral de esgoto, e se for mantido o atual volume de investimentos o saneamento universal só será atingido quando o País completar 300 anos de independência, em 2122. O alerta foi dado pelo não-governamental Instituto Trata Brasil (ITB), que busca mobilizar diferentes segmentos da sociedade para garantir o saneamento neste País com mais de 188 milhões de habitantes. Um estudo divulgado na semana passada pelo ITB de autoria do pesquisador Marcelo Néri, mostra que a rede de esgoto cresceu menos em comparação com outros serviços públicos, como água, coleta de lixo e eletricidade.
Quanto menor é o investimento maior é a mortalidade de crianças até seis anos de idade, que se eleva nos locais onde não há esgoto, afirma o estudo. As doenças relacionadas com a falta de saneamento causaram cerca de 700 mil internações hospitalares anuais na última década, disse à IPS Luís Felli, presidente do ITB, que conta com apoio do setor privado e que encomendou a pesquisa à Fundação Getulio Vargas. Estima-se que 65% das internações de menores de 10 anos são causadas, entre outras causas, pela deficiência ou falta de esgoto tratado.
Mas, segundo Felli, a falta de saneamento não se reflete apenas na saúde, mas também afeta a educação: 34% das ausências de crianças até seis anos na pré-escola e na escola primaria se devem a doenças derivadas da contaminação da água, com a diarréia. Diariamente, morrem sete menores de cinco anos. “São mais de 200 mortes por mês. Isso equivale a um avião lotado de crianças caindo por mês no Brasil”, comparou Felli. Os cálculos do ITB mostram que para cada real que fosse investido em saneamento se poderia economizar US$ 2,28 em gastos de saúde.
Além disso, mais saneamento também significa uma “redução do custo Brasil”, já que a criação de infra-estrutura básica atrairia novos negócios e novas indústrias, que aumentariam a geração de emprego e renda, disse Felli. O presidente do ITB deu, como exemplo, que US$ 57 milhões investidos em obras de saneamento gerariam 30 empregos diretos e 20 indiretos, além de empregos permanentes quando o sistema entrasse em operação. Com investimento de US$ 6,2 bilhões por ano, reclamado por especialistas em saneamento, seriam gerados 550 mil novos empregos no mesmo período.
As soluções para coletar e tratar esgoto às vezes são mais simples e baratas do que se pensa, disse à IPS o médico Carlos Graeff, especialista em doenças infecciosas do Rio Grande do Sul. Graeff, titular da cadeira de parasitologia da Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre, deu como exemplo mini-usinas criadas por um biólogo em Santa Cataria, que limpam em até 80% o esgoto através de um engenhoso sistema de três recipientes de decantação, com filtros e conectados por uma tubulação.
As comunidades do delta do Jacuí, um conjunto hidrográfico de 16 ilhas, canais e pântanos cujas águas desembocam no lago Guaíba, no Rio Grande do Sul, tenta através de uma cooperativa adquirir essas mini-usinas para solucionar o problema de contaminação do arquipélago onde vivem. Mas, até agora não conseguiram recursos do Estado, lamentou Graeff, alertando que as comunidades das ilhas estão preocupadas com o avanço da esquistossomose, uma doença parasitária, entre os moradores ribeirinhos. Essa era uma área de preservação ambiental e de extrema pobreza.
Porém, a comunidade é pioneira, há três décadas, na aplicação de um sistema de coleta e tratamento de lixo. Isso prova que com mobilização e recursos econômicos não tão elevados se poderiam encontrar soluções locais para o grande problema de saneamento em todo o País, segundo Graeff. O estudo do ITB foi divulgado às vésperas de 2008, declarado pela Organização das Nações Unidas como Ano Internacional do Seneamento Básico. Os governos do mundo se comprometeram em 2000 a reduzir pela metade a porcentagem de pessoas sem acesso à água potável e ao saneamento, até 2015.
(Por Fabiana Frayssinet,
IPS, 03/12/2007)