A indústria brasileira começa a acompanhar a tendência mundial pela substituição de aços convencionais por aços microligados, que recebem pequenas quantidades de elementos como o nióbio (Nb), o vanádio (V) e o titânio. Já conhecidos por sua alta resistência e tenacidade, os aços microligados dispensam tratamentos térmicos posteriores, o que reduz o tempo do processo de fabricação e os custos com energia.
Este material, desenvolvido a partir dos anos 1950, é o objeto de uma linha de pesquisa do Laboratório de Conformação Mecânica, do Departamento de Engenharia de Materiais (DEMa) da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp. “A expectativa é de ampliação do uso de aços microligados no Brasil, principalmente na indústria de autopeças”, adianta o professor Sérgio Tonini Button, que coordena o Laboratório.
Segundo Button, tradicionalmente, os produtos metálicos são fabricados através de conformação mecânica, utilizando-se processos como o forjamento, a laminação e a trefilação. “No primeiro processo, de forjamento, o aço convencional é cortado, aquecido e prensado por ferramentas chamadas de matrizes, ganhando assim a geometria do produto desejado”.
Tal processo normalmente é rápido, durando de duas a três horas até a entrega da matéria-prima à linha de produção. No entanto, ocorrendo problemas de deformação durante o forjamento, há necessidade de um tratamento térmico posterior. “O material precisa esfriar até quase a temperatura ambiente e só então volta ao forno para a sua homogeneização, exigindo-se outra fase de aquecimento”, explica o professor.
Tratando-se de temperaturas de até 1.200 graus centígrados, Sérgio Button observa que este hiato – entre a saída da prensa, o resfriamento e o tratamento térmico – significa um atraso médio de três horas no processo de fabricação. “Daí, já é possível imaginar o prejuízo em termos de tempo e de energia”.
No caso dos aços microligados, de acordo com o pesquisador da FEM, o próprio calor remanescente do forjamento é suficiente para que se promova a homogeneização já na fase de resfriamento do material. As propriedades mecânicas, como resistência e tenacidade, são obtidas com o controle de fenômenos metalúrgicos associados à composição química que ocorrem no plano microestrutural.
Cruzetas
A tese de doutorado do engenheiro mecânico Celio Caminaga, orientada por Sérgio Button e defendida recentemente na FEM, demonstrou todas as vantagens da utilização de aços microligados para a fabricação de cruzetas automotivas. Na verdade, a tese foi mais ampla e envolveu também o desenvolvimento de um novo processo de fabricação, que acabou sendo adotado por uma empresa da região de Campinas.
Button, que já havia orientado Caminaga no mestrado, propôs ao doutorando uma pesquisa que envolvesse um produto importante do setor autopeças, a cruzeta; um material interessante que substituísse o aço convencional; e um processo que diminuísse a perda de matéria-prima na produção. “São três aspectos inovadores para esta indústria”, diz o professor.
Cruzetas são juntas metálicas instaladas nas pontas do eixo cardã, o sistema de transmissão de torque do veículo. Devido ao movimento complexo e à grande carga transmitida, essas peças precisam ser fabricadas com material altamente resistente e de dimensões perfeitas. Na tese, Caminaga estou a conformabilidade plástica de um aço microligado ao vanádio e titânio.
O professor da Unicamp estima que a produção de cruzetas no país alcance 2,5 milhões de unidades por ano. “É uma peça relativamente pequena, que aqui ainda é forjada a quente e com uma perda de material que chega a 40% ou 50%. Por meio do ferramental que desenvolvemos no laboratório, esta perda pode ser reduzida praticamente a zero”.
Na tela do computador, Sérgio Button exibe uma animação com a adaptação feita na prensa e que possibilita que todo o aço fique contido na ferramenta, enquanto a peça é deformada até ganhar a geometria da cruzeta. “A perda mínima de material, devido ao corte no centro do material, é inerente ao processo e não há como evitá-la”.
Gargalos
O professor observa que a tese de Celio Caminaga atende ao chamado conceito do gargalo, hoje muito disseminado e que visa tornar o processo industrial o mais contínuo possível. “O tratamento térmico posterior é um exemplo de gargalo na indústria de autopeças que pode ser eliminado com o uso de aços microligados”.
Button acrescenta que o acirramento da concorrência tem levado o setor industrial a adotar cada vez mais o sistema de just in time, entregando produtos em quantidades menores e no prazo desejado pelo cliente. “Diferentemente de anos atrás, ninguém quer conservar grandes estoques. Por isso, a indústria já não pode manter a mesma produção em massa”.
Além da cruzeta, os aços microligados servem a qualquer componente que necessite de resfriamento direto e controlado para adquirir propriedades semelhantes de resistência, como virabrequins e braços de suspensão. “Uma empresa de Jundiaí vem importando esta matéria-prima para empregá-la em bielas”.
O pesquisador informa que no mesmo Departamento de Engenharia de Materiais, um novo projeto está em elaboração visando ao desenvolvimento de novos aços para componentes de vagões ferroviários. “São pesquisas que seguem o mesmo propósito de eliminar gargalos na linha de produção. Estamos falando, por exemplo, de dispensar o tratamento térmico posterior em peças que pesam centenas de quilos”.
Na opinião de Sérgio Button, a disseminação dos aços microligados na indústria metalúrgica nacional depende menos do preço e mais do convencimento sobre as suas vantagens. “É uma tecnologia recente, que já se tornou realidade lá fora. Empresas ainda estão fazendo estudos quanto aos custos, mas já perceberam um ganho importante, mesmo que o material seja um pouco mais caro”.
O professor se refere a três grandes indústrias da região de Campinas, que atuam no ramo de autopeças e de componentes ferroviários, interessadas em substituir os aços convencionais e, também, no processo desenvolvido por seu aluno de doutorado. Segundo ele, uma empresa do Sul já está fornecendo aços microligados para o mercado brasileiro.
Composição química depende da aplicação
O professor Sérgio Button, do Laboratório de Conformação Mecânica da FEM, afirma que os novos aços geralmente são microligados ao titânio e ao vanádio. O Brasil, porém, vem obtendo resultados interessantes com o nióbio, elemento abundante no país e que poderia vir a substituir o vanádio em ligas de diferentes aplicações.
Denominados como aços microligados de alta resistência e baixa liga (ARBL), eles são constituídos por um grupo específico de aços com composições químicas especialmente desenvolvidas para que se alcance elevados valores de propriedades mecânicas.
Cada elemento adicionado apresenta uma aplicação mais adequada. O titânio, por exemplo, é indicado para o controle do tamanho de grão durante o reaquecimento. O nióbio para retardar a recristalização durante o processamento.
Já o vanádio é importante para a formação da austenita – que surge no aço acima de 700ºC – e na decomposição da mesma, podendo ser usado para o endurecimento por precipitação em temperaturas mais baixas.
O interesse no uso de aços microligados em componentes forjados está justamente no seu processamento. Eles conseguem alcançar altos níveis de resistência mecânica e tenacidade, com um resfriamento controlado diretamente após o forjamento. Isto elimina as etapas de tratamento térmico, reduzindo o tempo de processo e os custos de produção.
(Por Luiz Sugimoto, Jornal da Unicamp, 30/11/2007)