Maiores companhias da Bolsa não incorporaram as conseqüências das mudanças climáticas em seus planejamentos, diz pesquisaSó 33% das empresas que responderam a questionário desenvolveram produto ou serviço relacionado à mudança climática
As maiores empresas brasileiras listadas na Bovespa já despertaram para as conseqüências das mudanças climáticas globais, mas ainda não incorporaram o tema em seus planejamentos estratégicos. A constatação é o principal resultado qualitativo do relatório CDP (Carbon Disclosure Project, "projeto de exposição do carbono"), iniciativa internacional feita pelo segundo ano consecutivo no Brasil.
"Na escala cronológica feita por nós [que tem quatro patamares: despertar, planejar, agir e monitorar], a maioria das corporações encontra-se no despertar", diz Giovanni Barontini, da consultoria Fábrica Éthica Brasil, instituição responsável pela versão brasileira do estudo. "Nenhuma delas, ainda, passou da etapa do planejar."
Do ponto de vista quantitativo, entretanto, o relatório ao qual a Folha teve acesso mostra um dado positivo. Das 60 empresas consultadas pelo projeto, que respondem à enquete de forma voluntária, 82% concordaram em ceder informações sobre como focam a questão climática hoje. Só três nem chegaram a se manifestar.
"Esse número não só é maior do que o do ano passado, que foi de 62%, como coloca o Brasil em segundo lugar em termos de respostas", diz Barontini. O estudo que recebeu mais adesão foi o que consultou as maiores empresas do índice global FTSE 100, que reúne a centena de ações mais representativa da Bolsa de Londres. Ao todo, 18 compilações foram feitas em 2007.
A conclusão qualitativa do relatório aparece quando alguns números mais específicos são tabulados. Só 33% das empresas que responderam desenvolveram algum produto ou serviço relacionado especificamente à mudança climática. O setor que respondeu mais vezes "sim" a essa pergunta que constava no questionário voluntário foi o bancário.
"O problema desse setor é que há uma atenção praticamente nula sobre as carteiras de projetos, que podem ser de alta intensidade de emissões."
No cenário nacional, o número de empresas que divulgaram seus dados sobre gases de efeito estufa também está baixo ante outros estudos. Só 59% o fizeram.
Entre os 18 relatórios, só em três a transparência sobre as emissões foi menor: Ásia (49%), Índia (39%) e África do Sul (56%). O estudo mais transparente, com folga, foi o feito no Japão. Lá, 95% das empresas divulgaram suas emissões de forma pública.
Carona ambientalO número elevado de empresas que já reportaram suas emissões, e também que implementaram programas de redução com emissões de metas (52%), merece duas ressalvas, segundo Barontini.
Para o consultor, muitas vezes, os inventários apresentados são parciais e desvinculados de uma visão de cadeia que permita mapear as emissões.
"Muitas empresas, também, reportam ter programas de eficiência energética e uso melhor de recursos naturais. Mas muitos programas não foram desenvolvidos visando a redução de gases de efeito estufa."
Essa atitude, entretanto, como lembra o autor do relatório, não inviabiliza essas medidas, que foram contabilizadas na pesquisa para efeito de cálculo. "O ganho é indireto [das reduções], mas claro que ele existe."
A falta de ações e de monitoramento em relação às mudanças climáticas por parte das empresas está atrelada também ao número baixo de empresas que já alocaram a responsabilidade pelo tema ao nível de conselho ou administração sênior.
Apesar de 100% das empresas brasileiras terem declarado que a mudança do clima representa riscos e oportunidades, o assunto acaba ficando em escalões intermediários, diz o estudo. Ele já "subiu" para os conselhos em apenas 59% das instituições consultadas. Os grupos de empresas de Japão, Austrália e Nova Zelândia lideram esse quesito, com 93%.
Faltam normas ambientais, diz empresaExecutivo afirma que ausência de regras explica falta de projetos empresariais para tratar do tema das mudanças climáticas
Projetos no cenário corporativo devem começar a maturar apenas nos próximos anos, de acordo com empresas
A fase é de maturação no cenário corporativo em relação às mudanças climáticas, como atesta o relatório CDP (Carbon Disclosure Project, "projeto de exposição do carbono"). Depois dos quatro relatórios apresentados neste ano pelo IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança Climática), o tema já permeia o cotidiano das empresas, mas o fruto só será colhido nos próximos anos.
"Esse índice elevado de respostas [ao relatório] reflete a ideologia vigente de que é preciso ter um engajamento para mitigar as mudanças do clima", disse à Folha Demóstenes Barbosa da Silva, diretor de Gestão Ambiental e Créditos de Carbono da AES no Brasil.
A empresa, que respondeu ao relatório, acaba de aprovar uma metodologia para reflorestamento dentro do Protocolo de Kyoto, o que significa que esse processo poderá ser aplicado em mecanismos de desenvolvimento limpo.
"Todos estão preocupados em fazer algo, mas projetos efetivos, mesmo, em um grande volume, devem começar a surgir em um prazo mínimo de um ano", explica Silva.
A AES, por exemplo, está no grupo das empresas que ainda não sabem quanto emitem em termos de gases de efeito estufa e por isso não desenvolveu metas de redução desses gases. Segundo Silva, esse é um passo que a empresa, que já discute o tema nos seus altos escalões, já está preparando.
Satisfeito com a alta porcentagem de respostas ao questionário, Luiz Cornacchioni, gerente da divisão de relações institucionais da Suzano Papel e Celulose, aponta outro motivo para essa falta de projetos empresariais para tratar do tema das mudanças climáticas.
"O setor ainda carece de normas. Ele precisa de regras mais consolidadas para saber como proceder em termos, por exemplo, de recuperação de florestas, no âmbito dos MDLs (mecanismos de desenvolvimento limpo)", explica o representante da Suzano.
Bali"Estou otimista em relação ao encontro de Bali." Na reunião da Indonésia, organizada pela ONU (Organização das Nações Unidas), que começa na semana que vem, o setor florestal mundial estará reunido para discutir o impacto das mudanças do clima no setor. "Haverá a discussão sobre um documento, que deverá ser apresentado no dia 10", afirma Cornacchioni, da Suzano.
A crítica feita pelo estudo ao setor bancário, de que as corporações desse segmento não olham para as ações da suas carteiras de clientes e projetos, foi relativizada pelo representante do Banco do Brasil.
Segundo Wagner de Siqueira Pinto, assessor da diretoria de relações com funcionários e responsabilidade socioambiental, isso já ocorre, por exemplo, no caso do trabalho escravo.
E vai ocorrer cada vez mais, segundo ele, também na questão ambiental, quando a sociedade passar a cobrar mais isso e o governo também criar mecanismos de fiscalização.
(Eduardo Geraque,
Folha de São Paulo, 30/11/2007)