A presidente do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, desembargadora federal Silvia Goraieb, suspendeu hoje (ontem, 28/11) a liminar que impedia a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) de emitir qualquer tipo de licenciamento ambiental para empreendimentos ligados à silvicultura no Rio Grande do SulPorto Alegre, RS - A decisão havia sido tomada no início de novembro pela Vara Federal Ambiental de Porto Alegre e passava a responsabilidade para o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Ao analisar o recurso interposto pelo Estado do RS, a presidente do TRF entendeu que há no caso risco indiscutível de grave lesão à ordem pública e à segurança jurídica. A desembargadora Silvia ressaltou em sua decisão que somente é exigível licenciamento ambiental federal quando presente impacto de âmbito nacional ou regional. “A silvicultura, no RS, sempre foi tratada no âmbito fiscalizatório estadual, inclusive manifestando-se o Ibama, expressamente, pela sua incompetência para licenciar silvicultura”, salientou.
SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO DE LIMINAR Nº 2007.04.00.040022-7/RS
RELATORA : Des. Federal SILVIA MARIA GONÇALVES GORAIEB
REQUERENTE : ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
ADVOGADO : Eliana Soledade Graeff Martins e outro
REQUERIDO : JUÍZO SUBSTITUTO DA VF AMBIENTAL, AGRÁRIA E
RESIDUAL DE PORTO ALEGRE
INTERESSADO : UNIÃO FEDERAL
ADVOGADO : Luis Antonio Alcoba de Freitas
INTERESSADO : INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS
RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS - IBAMA
ADVOGADO : Maria Alejandra Riera Bing
INTERESSADO : INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA
BIODIVERSIDADE: FUNDAÇÃO ESTADUAL DE PROTEÇÃO AMBIENTAL HENRIQUE LUÍS ROESSLER - FEPAM
INTERESSADO : STORA ENSO
ADVOGADO : Carolina Altafani de Azevedo
INTERESSADO : VCP - VOTORANTIN CELULOSE E PAPEL
ADVOGADO : Caio Marcio Zogbi Vitoria
INTERESSADO : ARACRUZ CELULOSE S/A
ADVOGADO : Oscar Graca Couto
INTERESSADO : INGÁ - INSTITUTO GAÚCHO DE ESTUDOS AMBIENTAIS e outros
ADVOGADO : Ricardo Athanasio Felinto de Oliveira e outros
DECISÃO
1. Trata-se de pedido de suspensão da execução de liminar parcialmente concedida nos autos da Ação Civil Pública nº 2007.71.00.031307-4 ajuizada contra a União Federal, IBAMA, Estado do Rio Grande do Sul, Instituto Chico Mendes, FEPAM, Stora Enso, VCP - Votorantim Celulose e Papel e Aracruz Celulose S.A. Segundo as autoras da ACP, os órgãos ambientais estaduais estariam licenciando a atividade de silvicultura das empresas rés sem exigir-lhes o cumprimento das normas técnicas necessárias, dispensando o estudo de impacto ambiental (EIA/RIMA) para áreas de plantio inferiores a 500 hectares (cultivo de pinus e outros) e a 1000 hectares (cultivo de eucaliptos), mediante a expedição da Portaria nº 35/07 da Fundação Estadual de Proteção Ambiental - FEPAM. Tal portaria não se coaduna com os termos previstos pela própria FEPAM no Zoneamento Ambiental para a Silvicultura, que estabelece os parâmetros a serem observados para resguardar o meio ambiente do plantio de árvores exóticas destinadas ao abastecimento da indústria (silvicultura).
No dispositivo da decisão que se pretende suspender, consta que a MMª Juíza Federal Substituta da Vara Ambiental, Agrária e Residual de Porto Alegre, resolveu:
a) determinar que a FEPAM se abstenha de emitir qualquer tipo de licenciamento ambiental, incluso lastreado eventualmente EIA/RIMA, para empreendimentos relacionados à atividade de silvicultura, considerando-se empreendimento como um todo - base florestal perspectivado por sua finalidade industrial - que postulem a implantação e/ou ampliação de plantios, cujo somatório das áreas próprias, arrendadas e/ou parceiros for superior a 1.000 ha (hum mil hectares) - a ser desenvolvida preponderantemente sobre área abrangida pelo Bioma Pampa;
b) impor ao IBAMA que assuma a responsabilidade, como órgão ambiental licenciador, forte no art. 10, "caput" e § 4º, da Lei nº 6.938/81 e art. 4º da Resolução CONAMA nº 237/97, com atuação supletiva da FEPAM/RS, o licenciamento ambiental de empreendimentos relacionados à atividade de silvicultura, considerando-se empreendimento como um todo - base florestal perspectivado por sua finalidade industrial - que postulem a implantação e/ou ampliação de plantios, cujo somatório das áreas próprias, arrendadas e/ou em parcerias for superior a 1.000 ha (hum mil hectares) - o que abrange as rés VCP, Aracruz e Stora Enso/Derflin/Azengelver -, a ser desenvolvida preponderantemente sobre área abrangida pelo Bioma Pampa, mediante a exigência de EIA/RIMA (art. 225, inc. IV, da CF/88 e legislação infraconstitucional aplicável), que tenha como referência central o teor contido no próprio Parecer emitido pelo Grupo de Trabalho Bioma/Pampa/IBAMA/RS, conforme Ordem de Serviço nº 37/06 de 29/09/2006, cuja íntegra consta do item 10 desta decisão, podendo o próprio teor deste parecer ser objeto de eventuais aperfeiçoamentos pontuais, face à dinamicidade intrínseca de procedimentos desta natureza, dentro dos limites da discricionariedade administrativa. (...) (fl. 70)
O Estado do Rio Grande do Sul requereu a suspensão dos efeitos do ato judicial parcialmente transcrito, sob o argumento de que sua execução causará grave lesão à ordem e à economia públicas, por trazer prejuízos de natureza econômica pela perda de vultosos investimentos, bem como transferir matéria de competência estadual para o âmbito federal. Aduziu que se cuida de licença ambiental que atinge somente os limites do estado-membro, inexistindo, portanto, interesse de que órgão licenciador federal interfira na questão do "Bioma Pampa".
2. A cláusula do devido processo legal (due process of law), cuja essência reside na necessidade de proteger os direitos e as liberdades das pessoas contra qualquer modalidade interventiva do Poder Público que se revele opressiva ou destituída do necessário coeficiente de razoabilidade (STF, ADI 1063 MC-QO, Relator Min. CELSO DE MELLO. Julgamento: 18/05/1994. Tribunal Pleno. Publicação: DJ 27-04-2001 PP-00057), encontra concretização nas normas infraconstitucionais, as quais delimitam e densificam esse importante princípio constitucional (STF, Pet 2066 AgR/SP, Relator Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento: 19/10/2000. Tribunal Pleno. Publicação: DJ 28-02-2003 PP-00007).
A medida cautelar, para seu deferimento, pede a ponderação de dois elementos que lhe são essenciais - a plausibilidade do direito do requerente e o risco de ineficácia (dano) da futura tutela. A ponderação, enquanto técnica adequada de superação de conflitos entre normas jurídicas, deve presidir a aplicação das normas constitucionais, tendo-se por objetivo a obtenção de uma concordância prática entre os vários bens e direitos protegidos jurídico-constitucionalmente, independentemente de serem veiculados através de princípios ou através de regras. Controvertem-se, no caso concreto, dois princípios constitucionais: ampla defesa e efetividade processual, na ótica da efetivação do direito material. A solução que se deve atribuir ao conflito de princípios, que se estabelece na dimensão do peso, é no caso concreto: quando dois princípios constitucionais entram em colisão irreversível, um deles obrigatoriamente tem que ceder diante do outro, o que, porém, não significa que haja a necessidade de ser declarada a invalidade de um dos princípios, senão que, sob determinadas condições, um princípio tem mais peso ou importância do que outro e, em outras circunstâncias, poderá suceder o inverso.
Nesse passo, tenho que a antecipação dos efeitos da sentença somente poderá ser efetuada quando demonstrada a absoluta necessidade da medida, a partir da aplicação do princípio da proporcionalidade (adequação, necessidade e ponderação), tendo-se em vista a irreversibilidade de futuro provimento concessivo da pretensão inicial.
A Constituição Federal brasileira, ao buscar o equilíbrio federativo, adotou complexo sistema de repartição das competências constitucionais, combinando a técnica de enumeração dos poderes da União e remanescentes para os Estados, com a previsão de parcelas de atribuições privativas a todos os entes federativos. A predominância do interesse é elemento central na lógica do sistema constitucional de repartição das competências vigente, impedindo-se a sobreposição conflituosa de atribuições atentatória à própria noção de Estado Federal: convivência harmônica de normas/atribuições totais (União) e parciais (Estados e Municípios), no que se refere ao âmbito de vigência.
Na esfera ambiental, estabeleceu a Constituição Federal ser competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (artigo 23, VI) a adoção de políticas públicas tendentes à proteção ambiental (medidas implementadoras), enquanto direito materialmente fundamental (textura aberta dos direitos fundamentais). Em virtude disso, a competência para o licenciamento ambiental é partilhada pelos três níveis de governo, sendo a área de influência direta do impacto ambiental critério determinante a estabelecer o órgão ambiental preponderantemente habilitado para o licenciamento (MILARÉ, Direito do ambiente. A gestão ambiental em foco. São Paulo: RT, 2007, 5ª ed., p. 415). Concretizando esta orientação constitucional, a Lei nº 6.938/81, com a redação que lhe restou atribuída pela Lei nº 7804/89, prescreve as hipóteses do licenciamento federal: quando presente impacto de âmbito nacional (afeta diretamente todo país) ou regional (impacto ambiental que afete diretamente , no todo ou em parte, o território de dois ou mais Estados - Resolução CONAMA nº 237/97, artigo 1º, IV):
Art. 10 - ...
§ 4º Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA o licenciamento previsto no "caput" deste artigo, no caso de atividades e obras com significativo impacto ambiental, de âmbito nacional ou reginal
A Lei nº 11.516/2007, por seu turno, ao dar nova redação ao art. 2º da Lei nº 7.735/89, estabelece a supletividade da atuação do IBAMA:
Art. 5º O art. 2º da Lei no 7.735, de 22 de fevereiro de 1989, passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 2º É criado o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, autarquia federal dotada de personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de:
I - ...;
II - ...;
III - executar as ações supletivas de competência da União, de conformidade com a legislação ambiental vigente.
Assim, somente é exigível licenciamento ambiental federal quando presente impacto de âmbito nacional ou regional. A silvicultura, no Rio Grande do Sul, sempre foi tratada no âmbito fiscalizatório estadual, inclusive manifestando-se o IBAMA, expressamente, pela sua incompetência para licenciar silvicultura (fls. 101), pois o impacto local da atividade reclama a intervenção do órgão estadual de proteção ambiental (FEPAM). A tese jurídica sustentada na decisão (atribuição do IBAMA para o licenciamento da silvicultura) exige profundo exercício de interpretação do Texto Constitucional, o que é razoável seja efetuado quando da sentença de mérito da demanda, e não em provimento liminar, cuja característica é a provisoriedade.
Assim, tenho que se encontram presentes os requisitos do artigo 4º da Lei nº 8.437/92, uma vez ser indiscutível a grave lesão à ordem pública estadual, considerada em termos de ordem jurídico-constitucional (STF, SS-AgR/SP, Relatora Ministra Ellen Gracie, 11/10/2007, Tribunal Pleno) e à segurança jurídica, no momento em que interfere a decisão judicial diretamente na partilha das atribuições constitucionais entre os entes federativos, sendo certo que na suspensão de segurança não se aprecia, em princípio, o "mérito do processo principal, mas tão-somente a ocorrência dos aspectos relacionados à potencialidade lesiva do ato decisório em face dos interesses públicos relevantes consagrados em lei, quais sejam, a ordem, a saúde, a segurança e a economia públicas." (STF, SS-AgR 3232/TO, Relatora Ministra Ellen Gracie, 11/10/2007, Tribunal Pleno).
Em face do exposto, defiro o pedido para suspender os efeitos da liminar proferida nos Autos da Ação Civil Pública nº 2007.71.00.031307-4/RS.
Intimem-se. Publique-se.
Transitada em julgado, arquivem-se.
Porto Alegre, 27 de novembro de 2007.
Desembargadora Federal Sílvia Maria Gonçalves Goraieb
Relatora
(TRF da 4ª Região, Eco AgÊncia, 28/11/2007)