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amazônia
2007-11-28
Nosso Guia trata a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, como se fosse uma santa de procissão

ENQUANTO A diplomacia-companheira brincou de potência emergente em Annapolis discutindo uma solução para a crise do Oriente Médio (encrenca com 60 anos de idade, a 10 mil quilômetros de Brasília), apareceu um verdadeiro problema com a Guiana, logo ali, na fronteira norte do país. Numa entrevista ao repórter David Howden, o presidente Bharrat Jagdeo anunciou que vai negociar a preservação de sua floresta amazônica em troca de recursos para o desenvolvimento. Nas suas palavras: "Eu não sou um mercenário e isso não é chantagem. Eu sei que não existe almoço grátis e não estou fazendo isso porque sou um bom sujeito que quer salvar o mundo. Precisamos de ajuda".

Medida pelo poder de compra, a renda per capita dos 770 mil habitantes da Guiana está em US$ 4.800. A dos brasileiros aproxima-se dos US$ 9.000. A floresta de Jagdeo ocupa uma área maior do que a Inglaterra e a mata seria administrada por uma organização internacional liderada pelos britânicos. Seria um dos maiores projetos de preservação do planeta. Seria também uma recaída colonial para o país, que se tornou independente em 1966.

É um direito do povo da Guiana fazer o que bem entende com seus recursos naturais, sobretudo numa época em que o progresso da região amazônica confunde-se com a ação predadora das motosserras e das queimadas.

Desde 1978, Brasil, Guiana, Bolívia, Colômbia, Equador, Venezuela e Peru são signatários do Tratado de Cooperação Amazônica. Por elegância, o presidente da Guiana poderia ter apresentado sua idéia nesse foro. Por cortesia, em outubro passado o presidente do Suriname, Roland Venetiaan, também poderia ter discutido com seus vizinhos a idéia de oferecer um campo de testes para veículos militares americanos em seu território.

A diplomacia-companheira faz figuração em Annapolis, enquanto nas fronteiras de Pindorama constrói-se a maloca da Mãe Joana. Na condição de grande potência poluidora da atmosfera, o governo brasileiro é responsável pelo que faz e sente-se bem na condição de malfeitor. Nosso Guia trata a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, como se fosse uma santa de procissão, seguida pela bandinha da diplomacia emergente, na suposição de que a questão amazônica pode ser resolvida com parolagem doméstica.

Admita-se um cenário no qual há uma base americana no Suriname e a Guiana transforma-se num protetorado ambiental da Inglaterra. Nessa hora, voltarão para a mesa as palavras do presidente francês François Mitterand, em 1989: "O Brasil precisa aceitar uma soberania relativa sobre a Amazônia". Ou ainda uma frase do Prêmio Nobel Al Gore: "Ao contrário do que os brasileiros pensam, a Amazônia não é deles. Ela pertence a todos nós".

Nunca é demais lembrar que o primeiro americano a descer o Amazonas, em 1851, foi o tenente William Herndon. Parecia um oficial curioso, mas era um observador da possibilidade de transplante da escravaria do sul dos Estados Unidos para os matos de Pindorama. Ele escreveu um livro que fez enorme sucesso, e um garoto de 16 anos, encantado pela narrativa, foi para Nova Orleans em busca de um navio com destino a Belém. Queria a aventura e um pouco de comércio de coca. Como a rota não existia, subiu o Mississippi com um amigo. Chamava-se Mark Twain.

(Por Elio Gaspari, Folha de Sao Paulo, 27/11/2007)


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