A menos que a comunidade internacional decida cortar as emissões de carbono pela metade na próxima geração, as mudanças no clima serão muito provavelmente responsáveis por enormes prejuízos econômicos e humanos, além de catástrofes ecológicas irreversíveis, afirmou um relatório da ONU na terça-feira (27/11).
O Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU - Organização das Nações Unidas é uma das advertências mais contundentes já feitas sobre o impacto das mudanças climáticas no padrão de vida das pessoas, e serve de apelo para providências coletivas urgentes. "Podemos estar prestes a observar um retrocesso no desenvolvimento humano pela primeira vez em 30 anos", disse à Reuters Kevin Watkins, principal autor do documento. O relatório, apresentado em Brasília na terça-feira, estabelece metas e um guia de ação para reduzir as emissões de carbono, e serve de preparativo para a cúpula sobre o clima que a ONU realiza no mês que vem em Bali, na Indonésia.
As emissões de dióxido de carbono e de outros gases na atmosfera colaboram para que o calor fique aprisionado perto da superfície, como numa estufa, o que leva ao aquecimento global. "A mensagem para Bali é que o mundo não pode esperar, que tem menos de uma década para mudar de rumo", disse Watkins, que também é pesquisador da Universidade de Oxford. O surgimento de mudanças climáticas perigosas para o ser humano será inevitável se nos próximos 15 anos as emissões seguirem as tendências dos últimos 15 anos, afirmou o documento.
Para evitar um impacto catastrófico, a elevação na temperatura média global tem de ficar limitada a 2 graus Celsius. Mas as emissões de carbono provenientes de carros, usinas de energia e do desmatamento no Brasil, Indonésia e em outros ligares, hoje estão num nível que é o dobro do necessário para cumprir a meta, segundo os autores da ONU.
A mudança no clima pode condenar milhões de pessoas à pobreza, disse o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Desastres provocados pelo clima afetaram 262 milhões de pessoas entre 2000 e 2004, sendo que 98 por cento delas estavam no mundo em desenvolvimento. E, segundo o texto, o impacto desses desastres na vida dos mais pobres não é momentâneo, mas sim se prolonga por toda uma geração, o que cria um ciclo vicioso de reprodução da miséria.
Uma elevação da temperatura média do planeta entre 3 e 4 graus Celsius desalojaria 340 milhões de pessoas devido à ocorrência de inundações, de secas que reduziriam a produção agrícola e do recuo dos glaciares, que diminuiria o fornecimento de água para até 1,8 bilhão de pessoas, afirmou o levantamento. No Quênia, crianças de menos de 5 anos têm 50 por cento mais risco de ser desnutridas se nascem num ano de seca, o que afeta sua saúde e sua produtividade pelo resto da vida.
Os países possuem recursos técnicos e financeiros para agir, mas falta vontade política, afirmou o relatório. O documento ressaltou os Estados Unidos e a Austrália, as duas únicas potências econômicas ocidentais que não assinaram o Protocolo de Kyoto, acordo do qual participam 172 países na tentativa de cortar as emissões de carbono, e que expira em 2012.
A Etiópia emite 0,1 tonelada de dióxido de carbono per capita, enquanto o Canadá, por exemplo, emite 20 toneladas. As emissões per capita dos Estados Unidos são mais de 15 vezes maiores que as da Índia.
Plano de ação - O mundo precisa investir 1,6 por cento da produção econômica global por ano, até 2030, para estabilizar o estoque de carbono e atingir a meta de não elevar a temperatura mais que 2 graus Celsius. Os países ricos, os maiores emissores de carbono, precisam assumir a liderança e cortar pelo menos 30 por cento até 2020 e 80 por cento até 2050. Os países em desenvolvimento têm de cortar as emissões em 20 por cento até 2050, disse o Pnud.
"Quando os moradores de uma cidade norte-americana ligam o ar-condicionado ou os europeus usam seus carros, suas atitudes têm consequências ... que os ligam a comunidades rurais de Bangladesh, a agricultores da Etiópia e a favelados do Haiti", disse o relatório.
O Pnud recomendou uma série de medidas, entre elas a melhora na eficiência em termos do consumo de energia de aparelhos e carros, a imposição de limites às emissões e a possibilidade de negociar permissões de emissão. O órgão afirmou que a tecnologia experimental para armazenar de forma subterrânea as emissões de carbono é promissora para a indústria do carvão, e sugeriu a transferência de tecnologia para países em desenvolvimento que dependem do carvão, como a China.
Um fundo internacional teria que investir entre 25 bilhões e 50 bilhões de dólares ao ano em países em desenvolvimento para aumentar o uso de fontes de energia de baixa emissão. Questionado se o relatório é alarmista, Watkins disse que ele se baseia na ciência e em evidências: "Desafio qualquer pessoa a falar com vítimas de secas, como fizemos, e pôr em dúvida nossas conclusões sobre o impacto de longo prazo dos desastres climáticos."
(Estadão Online,
Ambiente Brasil, 28/11/2007)