As negociações internacionais que começarão no próximo dia 3 na ilha de Bali, na Indonésia, são cruciais para salvar o planeta dos devastadores efeitos do aquecimento global, afirmou o secretário-executivo da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática (CMNUCC), Yvo de Boer. Bali é uma oportunidade crucial, afirmou. O fracasso dos ministros e de outros funcionários governamentais de todo o mundo em seus esforços para alcançar um acordo será uma “perda da fé no processo da Organização das Nações Unidas”, acrescentou.
Boer também exortou os países em desenvolvimento, como a Índia, a “não contaminarem tanto quanto o Ocidente. Minha ambição é que a Índia se convertesse no país mais rico do mundo com as menores emissões de gases causadores do efeito estufa por habitante”, disse à IPS em uma longa entrevista realizada nos escritórios da CMNUCC em Bonn. Muito aconteceu desde que o Protocolo de Kyoto (único instrumento internacional contra a mudança climática) foi adotado no Japão, há 10 anos.
IPS - O que significa isto para Bali?Yvo de Boer - Significa que muita pressão recairá sobre os governos para que realmente tratem este assunto e criem uma resposta de longo prazo que se adapte ao que a comunidade científica nos está dizendo. Uma política contra a mudança climática deve ser muito científica. Deve-se ter por base um entendimento melhor da ciência. Gradualmente. O Painel Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática (da ONU) apresentou um claro panorama de quais serão os impactos do fenômeno.
O que também se pode ver é que a ciência cada vez menos se baseia apenas em modelos, mas se converte em uma ciência em que os modelos são validados pelo que está ocorrendo ao nosso redor. Creio que o que vemos claramente ao longo deste ano é uma crescente conscientização política da mensagem científica e de que é preciso fazer algo em resposta, e que isso se aplica a todo o mundo: ricos, pobres, Norte, Sul. A conscientização está aumentando em todas as partes.
IPS - Está dizendo que já não existe uma brecha Norte-Sul nestes assuntos?YB - Não. Há grandes divisões sobre este tema no sentido, com a União Européia dizendo que deveríamos limitar o aumento das temperaturas globais a dois graus centígrados e representantes dos pequenos países insulares dizendo: “Bom, se deixarmos que isso ocorra, nossos países vão desaparecer”. Temos um grupo de nações dizendo que devemos agir de forma urgente e outros preocupados com suas perspectivas econômicas.
Também temos pessoas nos Estados Unidos dizendo: “Por que devemos atuar neste assunto, destruir nossa economia e dar nossos empregos aos chineses? E temos os chineses dizendo: “Por que devemos agir neste assunto, que não provocamos, e sermos incluídos na mesma cesta com os Estados Unidos?”. Temos pessoas na Índia dizendo: “Vocês mencionam a China e a Índia nas mesmas declarações, como se fossem iguais. Mas, de fato, são completamente diferentes”. Obviamente, há grandes diferenças nesse assunto, o que torna tudo muito complicado.
IPS - As tensões que o senhor menciona estarão presentes em Bali?YB - Creio que essas tensões dificultarão a tomada de decisões, porque os países com toda justiça podem dizer que os compromissos financeiros no passado não foram cumpridos e não acreditam que possam ser concretizados agora. Os países dizem, com toda razão: “Por que agora temos de potencialmente limitar nosso crescimento econômico para solucionar o problema causado por outro?”.
Creio que os problemas e as tensões estão conosco. Mas a evidência da mudança climática na vida diária e a clara mensagem que os cientistas enviam aos políticos de todo o mundo nos dizem que temos precisamos deixar as disputas e começar a trabalhar em soluções.
IPS - então, qual resultado espera de Bali?YB - Espero que Bali seja um primeiro passo em um longo caminho para realmente solucionar o problema da mudança climática. Às vezes leio nos jornais que muitos esperam que na reunião sejam fixadas metas e adotado um novo regime. Essa não é minha expectativa.
Partiria muito feliz de Bali se houver uma decisão de lançar negociações, se for acordada uma agenda e fixada uma data para completá-las. Depois disto é que começa o verdadeiro trabalho. A tarefa real, antes do final de 2009, é desenhar um acordo global que inclua todos os países e reconheça a necessidade dos diferentes enfoques com os diferentes povos. Os interesses que estão em jogo são muito diversos e é preciso encontrar um caminho entre todos estes.
IPS - Mas, o que ocorrerá se tais objetivos não se concretizarem? Haveria uma segunda reunião em Bali?YB - Espero que não. Creio que desenvolvemos certa massa critica que pode tanto levar a um acordo em Bali quanto causar a desintegração na forma de uma perda de fé no processo e perda de confiança na ONU. Por isso, para mim Bali é ganhar ou perder.
IPS - O que acontece com os Estados Unidos? O senhor vê alguma mudança para melhor em sua atitude?YB - Há uma mudança na atitude dos Estados Unidos que agora estariam indicando disposição para negociar. Mas, ainda há diferenças fundamentais no enfoque de Washington, por um lado, e dos europeus e países em desenvolvimento, por outro. As nações européias e muitas do Sul em desenvolvimento sentem que os países industrializados poderiam assumir metas internacionais vinculantes. Os Estados Unidos ainda apóiam um enfoque onde as metas sejam adotadas de forma voluntária e nas leis nacionais. Nos dois casos, há uma idéia de obrigação legal, mas são diferentes os níveis. E essa é a parte difícil do trabalho, que, penso, deve ser feito depois de Bali, no desenho de um regime.
Pessoalmente, penso que isto funcionaria, e que primeiro devemos decidir os elementos substantivos de um regime e, depois, se precisa ser vinculante em nível nacional ou internacional, ou não-vinculante, e que tipo de diferenciação se necessita dentro desse regime. Não posso conceber políticas de longo prazo que contemplem todos os desafios científicos e tenham um enfoque parcial. Os países em desenvolvimento como China e Índia estão deixando claro que não é apropriado para eles assumir o mesmo tipo de compromissos que os das nações industrializadas, e tampouco é apropriado para a Índia assumir o mesmo tipo de compromisso que os de Maldivas.
(Por Ramesh Jaura,
IPS, 27/11/2007)