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biocombustíveis
2007-11-27
É inaceitável o protecionismo no comércio de combustíveis renováveis quando o mercado é livre para os contaminantes e caros hidrocarbonos, afirma nesta entrevista Marcos Sawaya Jank, presidente da organização dos produtores de açúcar e etanol mais competitivos do mundo. Jank preside a União da Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo (Unica), interessada na criação, o mais rápido possível, de um mercado internacional livre para o biocombustível.

Agrônomo e doutorado em economia, Jan fundou em 2003 e presidiu por quatro anos o Instituto de Estudos de Comércio e Negociações Internacionais (Ícone), que assessora o governo e o agronegócio brasileiros em questões comerciais da área agrícola. Como presidente da Unica desde junho, enfrenta o desafio de impulsionar o novo grande negócio da agricultura, a energia renovável, o que exige derrubar obstáculos como subsídios e tarifas alfandegárias proibitivas, erguidos principalmente pelos Estados Unidos.

IPS - Que sentido tem os subsídios concedidos pelos Estados Unidos à sua produção de etanol de milho com os preços atuais do petróleo e quando se negocia a redução do protecionismo agrícola na Organização Mundial do Comércio?
Marcos Sawaya Jank - Estamos contra os subsídios por acreditarmos que não necessitam desse tipo de incentivo para crescer. Não tem sentido subsidiar o milho, isto é, o etanol, quando o preço do petróleo é tão alto quanto o atual. É inaceitável um mercado de combustíveis renováveis fortemente protegido, enquanto o de combustíveis fósseis é totalmente livre. Por isso lutamos por uma conclusão bem sucedida da Rodada de Doha (de negociações na OMC) e pelo respeito às regras e disciplinas do sistema multilateral de comércio.

IPS - É possível questionar os subsídios norte-americanos ao etanol na OMC?
MSJ - Essa é uma decisão estratégica que cabe ao governo brasileiro, e a decisão final da OMC se basearia em limites já acordados para os subsídios, como ocorreu no “painel do açúcar” (que em 2005 condenou os subsídios europeus à exportação desse produto). Devemos, entretanto, recordar que “questionar” apenas para fazer barulho não resolve o problema fundamental.

Por isso a Unica desenvolve uma estratégia para estimular o aumento sustentável da produção e o consumo do etanol na maior quantidade de países, apoiando mecanismos obrigatórios de mistura (à gasolina) e definindo padrões universais para o produto.

Também insistimos nas vantagens comparativas de produtividade, custo e equilíbrio energético e ambiental do etanol de cana-de-açúcar diante de outras matérias-primas. Por isso o etanol brasileiro é competitivo e poderá ter uma expansão apesar dos subsídios praticados em outros países.

IPS - A inclusão do etanol entre os bens ambientais, como quer o Brasil, não justificaria tais subsídios, embora eliminando as tarifas sobre a importação?
MSJ - em primeiro lugar, a idéia de negociar bens ambientais na OMC busca liberar o comércio, isto é, a eliminação de impostos de importação. O que se acordou até agora é fazer uma lista de produtos que seriam considerados bens ambientais e, para o Brasil, o etanol seria candidato natural a essa lista. Existem políticas para estimular a demanda, como a mistura obrigatória e a isenção de impostos para tornar o etanol mais competitivo em relação à gasolina. Não consideramos tais políticas como subsídios, mas como iniciativas necessárias à criação de mercado.

Do lado da oferta, as políticas existentes distorcem o mercado, sobretudo quando buscam proteger o produto domestico da competição internacional. Nesse caso, podemos identificar como subsídios as tarifas alfandegárias para se proteger do produto importado e que não permitem que o estrangeiro tenha acesso à demanda que está sendo criada, os estímulos financeiros exclusivos ao produtor domestico para dar-lhe competitividade perante os estrangeiros (como crédito barato para investir, garantias de crédito, etc) e as subvenções diretas à matéria-prima não necessariamente destinada ao etanol. Nos Estados Unidos há fortes subsídios ao milho, por exemplo, sem importar se é usado para produzir álcool combustível ou outros produtos.

Se for obtido um acordo sobre bens ambientais, eliminando as tarifas alfandegárias, não se solucionará o problema dos estímulos financeiros exclusivos nem das subvenções diretas, mas, pelo menos, permitirá o acesso do produtor estrangeiro ao mercado do país que está estimulando a demanda e se ajudará a reduzir o nível dos subsídios. O ideal seria eliminar todo tipo de subsidio para incentivar o crescimento sustentável da produção e do consumo de etanol no maior número de países.

IPS - É sustentável a política norte-americana de apoio ao etanol de milho para quintuplicar a oferta até 2017, considerando as reações provocadas pela alta dos preços dos alimentos, a insegurança alimentar no mundo e a baixa eficiência energética desse grão?
MSJ - Os Estados Unidos compreendem bem que o crescimento do mercado de etanol deve caminhar de forma sustentável, com se faz no Brasil. A proposta, tanto do presidente George W. Bush quando do projeto de lei que tramita no Congresso, limita o álcool de milho a 15 bilhões de galões por ano, o dobro do produzido atualmente e que a maioria dos analistas prevê como possível sem grandes impactos.

O restante da demanda seria atendido com “biocombustíveis avançados”, como o etanol de celulose e de cana-de-açúcar. Os Estados Unidos investem milhares de milhões de dólares em pesquisas para desenvolver essas novas formas de produção, porque reconhecem as limitações do milho.

Sobre a insegurança alimentar, vale a pena ler a carta que a Uica e outras instituições entregaram ao secretário-geral da Organização das Nações Unidas (negando a culpa do etanol). Em resumo, como demonstrou há 10 anos Amartya Sem, ganhador do Nobel de Economia, a fome não é resultado da produção insuficiente de alimentos, mas da baixa renda e do desemprego, que limitam o acesso aos alimentos.

IPS - Que impacto têm os subsídios norte-americanos no desestimulo à produção de etanol de cana no Caribe e na América Central, apesar de serem regiões beneficiadas por isenções alfandegárias nos Estados Unidos?
MSJ - Essas regiões têm grande potencial para a produção de cana e outras plantações. Por isso o memorando de entendimento entre Brasil e Estados Unidos estabelece que nossos governos trabalhem juntos para identificar as melhores formas e os melhores cultivos que aproveitem essas potencialidades.

IPS - Quais razões estratégicas justificariam tanta proteção ao etanol norte-americano, especialmente contra a competição brasileira, se a intenção é reduzir a dependência do petróleo do Oriente Médio?
MSJ - Ao Estados Unidos interessa uma produção doméstica de biocombustível como forma de reduzir a dependência petrolífera, mas, também tem interesse em promover o desenvolvimento rural do meio-oeste desse país. Embora discorde do nível de seu protecionismo, posso compreendê-lo do ponto de vista de sua política interna. Nosso papel e interesse é ampliar o alcance dos biocombustíveis em todo o mundo. O objetivo especifico é converter o etanol em um “commodity” (produto básico) mundial. Juntos podemos incrementar a produção de maneira sustentável e colaborar para ampliar as oportunidades e a aceitação de tais produtos.

IPS - O protecionismo no caso do etanol não enfraquece as posições norte-americanas e européias na OMC?
MSJ - efetivamente, a tarifa de US$ 0,54 por galão, mais de 2,5% ad valorem, imposta ao etanol importado nos Estados Unidos é alarmante. A imprensa mundial nos ajuda mundo a demonstrar a irracionalidade desse protecionismo diante de um petróleo livremente comercializado no mundo. Mas, reduzir tarifas alfandegárias sem aumentar a demanda por etanol, isto é, reduzir o consumo de petróleo, não leva a nada. A Unica atua para estimular o aumento sustentável da produção e do consumo de etanol em muitos países, apoiando sua mistura obrigatória à gasolina e normas universais para o produto.

IPS - Essa proteção não desmente a intenção norte-americana de atribuir ao Brasil o fracasso da Área de Livre Comércio das Américas (Alca).
MSJ - As duas partes têm culpa, mas, são águas passadas. O Brasil precisava avançar mais rapidamente nas negociações regionais e bilaterais, especialmente com Estados Unidos e União Européia, infelizmente paralisadas em contraste com a enorme rede de acordos que se disseminam pelo mundo, entre os principais países desenvolvidos e as economias emergentes.

(Por Mario Osava, IPS, 26/11/2007)


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