Alguém escreverá um tango ou uma ode à mudança climática, a essa febre ou quentura do planeta? Como será chamado o século XXI? Será conhecido como o século do apagão? Tudo faz prever que, de fato, este poderá ser o século do apagão, com o esgotamento anunciado das reservas conhecidas de fontes de energia fóssil em algumas poucas décadas.
Em 650 mil anos não havia se registrado tão alta e rápida concentração de dióxido de carbono (CO2) nem tanta freqüência dos anos mais quentes na história da meteorologia e de eventos climáticos extremos, nem tantas perdas econômicas por desastres naturais, nem a expansão de vetores (por exemplo, mosquitos) de doenças como a malária em zonas nas quais nunca antes haviam incursionado.
A pergunta já não é se está havendo uma mudança climática, nem se a atividade humana tem impacto nessa mudança. O último informe do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática (IPCC) documenta as duas coisas. A pergunta é o que podemos fazer. É preciso tomar medidas urgentes de mitigação, isto é, reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa. Além de conseguir maior eficiência energética, devemos produzir e consumir energias renováveis (solar, hidrelétrica, eólica e biomassa).
É necessário tomar medidas de adaptação para proteger pessoas, comunidades, economias e países contra os efeitos da mudança climática que já está ocorrendo e que pode se intensificar. Mesmo conseguindo reduzir os gases causadores do efeito estufa, como o CO2, e manter nos níveis de hoje, as temperaturas continuarão aumentando pelo menos por 25 anos, somente pela inércia das emissões passadas. Na América Latina e no Caribe, a vulnerabilidade aos eventos climáticos extremos provocou desastres com terríveis conseqüências humanas e perdas materiais. Todo um processo de desenvolvimento de um país ou uma região corre perigo diante da mudança climática.
Dentro dos países, os mais expostos e vulneráveis são os mais pobres, que têm poucas opções e capacidade limitada de adaptação às mudanças que estão por vir. O custo humano da falta de ação é terrível, mais do que o custo econômico. Segundo o Informe Stern (2006), o custo econômico chegaria a 20% do produto interno bruto (PIB) mundial, enquanto o custo de fazer o que é preciso chegara a apenas 1% do PIB mundial.
Além dos acordos governamentais - com a próxima rodada de negociações em dezembro, em Bali, na Indonésia -, é preciso o compromisso de cada um porque também se trata de uma mudança cultural. Alguns exemplos do que podemos fazer para reduzir nossa própria contaminação de carbono:
* Trocar as lâmpadas normais por outras mais eficientes e apagar as luzes ao deixar um ambiente.
* Isolar a casa e o local de trabalho para manter a calefação ou ventilar em lugar de refrigerar.
* Trocar os aquecedores elétricos à água por outros que utilizem energia solar.
* Utilizar o transporte público, compartilhar um automóvel pessoal com outros, revisar a eficiência energética do veículo.
* Reciclar e reutilizar plástico, papel, papelão, metais e outros materiais para reduzir emissões, economizar água e energia.
* Plantar árvores, reflorestar, proteger a floresta primária e as áreas indígenas, com um enfoque nos ecossistemas e bacias.
Quase todas estas medidas reduzem as emissões de gases causadores do efeito estufa e, ao mesmo tempo, as despesas de casa. O conhecimento e a tecnologia para a mitigação e adaptação existem. Esperamos que os governos do mundo demonstrem vontade política e que a comunidade de cientistas, acadêmicos e os que implementam as mudanças estejam à altura do desafio. A resposta deveria apoiar-se em redes de conhecimento que promovam a pesquisa, o debate e a educação, bem como a participação da cidadania.
O Informe Mundial de Desenvolvimento Humano 2007-2008, publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), será uma contribuição valiosa para o debate, como são os vários volumes do IPCC, os do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), os da Secretaria da Convenção Marco sobre Mudança Climática, os da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e o Informe Stern, para citar apenas alguns.
Por sua vez, os governos deverão chegar a acordos internacionais e desenvolver políticas, estratégias e programas para viabilizar esta revolução cultural. Depende de nós fazer com que este seja o século do apagão ou um novo século de luzes.
(Por Pablo Mandeville *,
Terramérica, 26/11/2007)
* O autor é coordenador residente das Nações Unidas e representante residente do Pnud no Uruguai, único país latino-americano piloto na aplicação da reforma do fórum mundial, conhecida como Uma ONU