Não há mais dúvidas: 2007 entrará para a história como o ano do aquecimento global. Ao longo do ano tivemos vários exemplos de suas conseqüências nefastas, como inundações sem precedentes no sul da Ásia e na África. Os sucessivos relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), da ONU, praticamente sepultaram as dúvidas sobre o que tem causado as mais recentes mudanças climáticas. A atividade humana, na emissão de gases que causam o efeito estufa (especialmente o gás carbônico, ou CO2), é, agora oficialmente, a grande culpada. O trabalho do IPCC deu ao painel o prêmio Nobel da Paz, dividido com o ex-presidente americano Al Gore.
Reconhecida a gravidade do problema, a imprensa em geral, e em particular a BBC, deveria abandonar a imparcialidade neste tema, já que o futuro da Terra está em risco? Em setembro passado, a
BBC suspendeu seus planos de organizar, aqui na Grã-Bretanha, uma campanha de conscientização da população sobre as mudanças no clima. O argumento foi de que não era seu papel tentar direcionar a opinião pública em um tema que ainda gera tantos pontos de vista diferentes. Ambientalistas criticaram a empresa, mas executivos do jornalismo da BBC reafirmaram o seu compromisso com a imparcialidade. O colega Peter Barron, editor do programa Newsnight, sintetizou: "Não é função da BBC salvar o planeta".
Mas, se quase a totalidade da comunidade científica mundial hoje concorda na relação de causa e efeito entre emissão de gases e o aumento das temperaturas, devemos ainda ouvir aqueles que insistem em questionar esse princípio? Com a Aids, houve uma polêmica semelhante. Nos primeiros anos após a descoberta do HIV, muitos não acreditavam que o vírus causasse a doença. Mas, quando as evidências científicas deixaram de ser contestadas, o questionamento da relação HIV-Aids perdeu totalmente a credibilidade e passou a ser considerado um risco à saúde pública.
No caso do aquecimento global, ainda não chegamos exatamente ao mesmo estágio, mas estamos quase lá. Nos últimos anos, veículos da mídia deram espaço àqueles que questionavam o impacto da emissão de gás carbônico na temperatura terrestre. Em seu provocante livro Heat, o ativista britânico
George Monbiot argumenta que grande parte desses céticos expostos pela mídia estava agindo em nome de empresas do setor de energia, interessadas em desmoralizar a tese de aquecimento causado pela ação do homem. Mas hoje a situação é outra. Quem ainda diz que o aquecimento global decorre de fenômenos naturais precisa trazer elementos muito mais convincentes para merecer espaço na mídia, pois chegamos a praticamente um consenso mundial, que inclui até mesmo os Estados Unidos. Todos aceitam que os gases do efeito estufa estão aquecendo a Terra, o que se discute agora é o que fazer para combater isso.
Campanhas são importantes, e há quem as incorpore ao jornalismo. O jornal The Independent tem feito há muito um jornalismo engajado na área do meio ambiente, o que faz sentido para o tipo de produto que é. Mas a BBC, por mais que o assunto exija urgência, não pode tomar partido em um assunto que ainda desperta tanta discussão. O que pode, e deve, é manter o tema como prioridade. Por isso, nesta semana o Serviço Mundial, do qual faz parte a BBC Brasil, está transmitindo uma série de
reportagens especiais sobre aquecimento global. Uma
pesquisa mundial, feita inclusive no Brasil, mediu a disposição das pessoas (ou a falta da mesma) em mudar seu estlio de vida para aliviar a pressão sobre o meio ambiente. Nosso repórter Eric Camara está em
Bangladesh visitando comunidades que vivem em uma área arriscada a desaparecer do mapa por causa do provável aumento do nível dos oceanos. Estaremos ainda acompanhando de perto as próximas reuniões internacionais sobre o tema, na semana que vem, na Espanha, e em dezembro, na Indonésia.
Aquecimento global é um dos principais desafios do mundo na atualidade e continuará na pauta de toda a imprensa nas próximas décadas. A BBC não fará campanha, mas seguirá dando todo destaque possível ao assunto, mostrando as regiões ameaçadas, ouvindo populações atingidas e divulgando as conclusões dos cientistas. No momento, segundo eles, há muito o que fazer e poucas razões para otimismo.
(Por Rogério Simões,
BBC, 6/11/2007)