Mais de 30 anos após descoberta de jazida, governo deve fechar acordo para viabilizar extração do minério e de fosfato
Localizada em área pobre do sertão do Ceará, produção de Itatiaia deve abastecer a futura usina nuclear de Angra 3, no RJ
Escondida sob a vegetação seca e os mandacarus da caatinga do sertão do Ceará, a jazida de Itataia, maior reserva de urânio do país, está perto de começar a ser explorada, 31 anos depois de sua descoberta.
O que hoje é sós uma montanha cheia de pedras avermelhadas irá se transformar em combustível para produzir energia nuclear na futura usina de Angra 3, com construção prevista no PAC, e em outras usinas que venham a ser construídas.
A demora para iniciar sua exploração se deu porque o urânio de Itataia -localizado em um distrito distante da sede de Santa Quitéria (212 km de Fortaleza), uma área com grande índice de desertificação e miséria- está associado a outro minério, o fosfato, que não é objeto de interesse da estatal INB (Indústrias Nucleares do Brasil), detentora do monopólio de exploração do urânio no país.
Para ser viável, a extração do urânio só poderia ser feita se houvesse uma empresa privada que explorasse o fosfato (os dois produtos estão unidos).
Após anos de espera, o governo federal está viabilizando um sistema de parceria e, em dezembro, começa a negociar com três empresas -entre elas a Vale do Rio Doce- que demonstraram interesse em ficar com o fosfato, matéria-prima de ração animal ou adubo.
São 80 mil toneladas de urânio e 8 milhões de toneladas de fosfato na jazida. Outra grande reserva de urânio do país fica na Bahia e abastece as usinas Angra 1 e 2, no Rio.
Hoje, nada é explorado em Itataia. Na jazida, uma montanha com 296 perfurações e três galerias abandonadas, trabalham três homens, apenas para cuidar do lugar. Elias Dias Gomes, 46, está lá há 26 anos. Morador de uma comunidade próxima, Lagoa do Mato, ele mostra, ao longe, num chão de terra seca e abandonada, onde ficarão as duas plantas industriais que deverão ser instaladas, uma para o beneficiamento do urânio e a outra, do fosfato.
Mais além, segundo ele, passará uma ferrovia. Hoje, o acesso é por estrada de terra.
Segundo a INB, a exploração inicial deverá ser de 120 mil toneladas de fosfato e 800 toneladas de urânio ao ano, bem abaixo da capacidade do lugar. Mas, apenas com isso, já haverá ganhos de, pelo menos, US$ 180 milhões, com a tonelada de urânio avaliada em US$ 150 mil e a de ácido fosfórico, em US$ 500.
Para o prefeito de Santa Quitéria, Tomás Figueiredo (PSDB), outro fator que propicia, agora, a exploração da jazida de Itataia é que a energia nuclear deixou de ser o alvo principal dos ambientalistas. "Essa discussão foi suplantada pela do aquecimento global. E já está provado que, com todos os controles necessários, essa é a energia mais limpa do mundo."
Responsável pela descoberta da jazida, em 1976, o geólogo Givaldo Lessa Castro, não vai estar mais na INB quando a extração começar. Sua aposentadoria está marcada para 3 de dezembro. "Só espero poder ver a exploração começar logo."
Plano energético prevê construção de até 8 usinas nucleares no paísO urânio encontrado nas jazidas precisa passar por processos químicos para se transformar em em energia e até arma nuclear. O que diferencia os dois usos é o nível de enriquecimento do elemento químico.
Enriquecer significa aumentar o potencial radioativo do urânio encontrado na natureza. O enriquecimento do urânio em 3% gera o combustível para energia nuclear. Índices mais altos, acima de 85%, levam às armas nucleares.
Estudos já feitos no país e que integram o Plano Nacional de Energia prevêem a necessidade de instalação de quatro a oito usinas nucleares no país até 2030. Seriam no mínimo mais duas usinas no Sudeste e outras duas no Nordeste.
A Eletronuclear, estatal responsável pelas usinas, ainda estuda quais seriam os melhores locais, mas um dos que estão sendo cogitados fica às margens do rio São Francisco.
A usina de Angra 3 já está aprovada, e suas obras devem ser iniciadas no ano que vem.
Sem ter sido enriquecido, o minério de urânio encontrado na natureza, apesar de já ser naturalmente um elemento radioativo, não traz muitos riscos à saúde, segundo a INB.
"Há urânio por toda parte e, mesmo em contato com uma grande quantidade, como na jazida de Itatiaia, não constatamos nenhum malefício às pessoas que tiveram muito contato", disse o geólogo Givaldo Lessa Castro.
(Kamila Fernandes,
Folha de São Paulo, 26/11/2007)