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passivos da energia atômica
2007-11-26
Usando capacetes de mosquito e dosímetros de radiação nos cintos, Clemens Woda e seus três colegas russos passaram por um guarda com cara de tédio, apoiado contra uma cerca de um metro. O caminhão ultrapassou uma placa de advertência amarela, na qual estava escrito "radioatividade", e entrou na zona restrita. Lá dentro, as ruas e campos mostram os efeitos de anos de abandono e são cobertas de capim alto. A área em torno das margens lamacentas do rio Techa ficaram sem população por décadas.

O grupo chega a Metlino, cidade fantasma evacuada em 1956. Há um alto silo de grãos maltratado pelo tempo. Os cientistas pegam amostras do solo e, com botas de borracha, caminham pela lama até a igreja ortodoxa russa em um estado deprimente de conservação. Um deles sobe até o sino, bate na parede com um martelo e guarda um tijolo na sacola. O tijolo será usado como evidência.

Woda, que trabalha para o Centro de Pesquisa GSF de Saúde e Meio Ambiente, localizado na cidade de Neuheberg, perto de Munique -maior instituto de proteção à radiação da Europa- está atualmente envolvido em uma pesquisa instigante. Como parte do projeto "Soul" (das iniciais em inglês para Pesquisa de Risco de Radiação do Sul dos Urais), da UE, Woda e sua equipe estão explorando a região onde os soviéticos produziram materiais explosivos para sua primeira bomba atômica.

A fábrica siberiana era chamada de Mayak (farol). Trabalhadores dos gulags deitaram os trilhos de trem e construíram uma "cidade fechada" para 17.000 pessoas, torres de resfriamento e a planta rádio-química. O primeiro reator nuclear entrou em funcionamento em 1948 e logo estava produzindo plutônio em grau de armas para o ditador soviético Josef Stalin. O gigantesco laboratório de armas não aparecia em nenhum mapa.

O Ocidente chegou a um consenso sobre o que aconteceu depois: cientistas nucleares soviéticos são acusados de ter irradiado o ambiente e envenenado a região. O resultado foram milhares de mortes por câncer e crianças deformadas, diz-se. De fato, neste outono, Mayak (da qual não existe uma única foto história até hoje) celebrou um aniversário tenebroso. No outono de 1957, um tanque com 80 toneladas de lixo atômico explodiu. De acordo com uma testemunha, uma "nuvem vermelha brilhante estranha" subiu milhares de metros. "No inverno", diz a testemunha, "eu tive dores de cabeça terríveis e meu nariz sangrava, quase fiquei cego".

As conseqüências do acidente nuclear de 1957 na Sibéria foram "muito mais sérias" do que Chernobyl, segundo a rede de televisão alemã ARD. "A maior parte dos alunos da minha sala morreu de câncer", diz Gulchara Ismagilova, que tinha 11 anos na época.

Mas o que de fato aconteceu? Isso é o que os físicos da Bavária foram procurar descobrir na Sibéria, e por isso estavam tirando amostras de solo e empacotando tijolos. Eles estão procurando outras pistas importantes do complexo nuclear secreto. "Os funcionários eram examinados com um dosímetro, algumas vezes uma vez por semana, e tinham que dar amostras da urina", diz o pesquisador do GSF Peter Jacob. Os resultados dos testes foram documentados em mais de 7.000 arquivos de saúde encaixotados. "Um banco de dados inestimável", diz Jacob.

Há até rins e fígados dos trabalhadores que morreram no local. Preservados em parafina, estão armazenados perto de tubos de sangue congelados do Instituto de Biofísica de Osyorsk. Os médicos russos também estão coletando amostras de cabelo dos trabalhadores que ainda vivem, junto com os dentes que caíram. As amostras então são enviadas para a Alemanha; 200 dentes já estão arquivados. Depois de analisados pelos modernos laboratórios do GSF, os pesquisadores terão os perfis de radiação de cada pessoa que trabalhou na usina nuclear. O projeto recebe uma bolsa de 6,8 milhões de euros (em torno de R$ 17 milhões) da UE.

Apesar dessa abundância de material, a tarefa é difícil. A falta de confiança nos operadores de Mayak é profunda. De acordo com a organização ambiental Greenpeace, 272.000 pessoas foram afetadas na instalação e na área circundante. Mesmo na cidade de Muslyumovo, a 80 km de distância, "um em cada dois adultos é infértil, e uma em cada três crianças nasce deformada", diz um relatório do Greenpeace.

Por mais perturbadoras que sejam essas alegações, os testes de forma alguma as corroboram. De fato, uma série de pesquisadores do centro GSF perto de Munique estão fazendo esforços para determinar exatamente quantas pessoas foram vitimadas pela poluição radioativa em Mayak. Suas conclusões? Os horrores de Mayak são bem menores do que se acredita.

Não há dúvida que os trabalhadores nesta planta a leste dos Montes Urais faziam trabalho perigoso. Envolvidos em um ambiente de medo permanente -agentes de inteligência com capas pretas eram vistos constantemente atravessando os corredores- cerca de 150 homens levantavam os elementos de combustível usado e quente dos reatores e os levavam para a usina rádio-química.

Ali, em um prédio de tijolo extenso, os trabalhadores, inclusive muitas mulheres, sentavam-se em um ambiente mal iluminado e colocavam os tubos incrustados em ácido nítrico, iniciando o processo que permitia que removessem o plutônio para armas. Enquanto o mesmo trabalho era feito com braços robóticos controlados remotamente no Ocidente, os trabalhadores soviéticos não recebiam nem máscaras. Não havia nada para impedir os gases plutônio de entrarem em seus pulmões.

Ainda assim, os danos à saúde desses trabalhadores foram impressionantemente baixos. O GSF examinou 6.293 funcionários da usina química entre 1948 e 1972. "Até agora, 301 morreram de câncer de pulmão", diz Jacob. "Mas apenas 100 casos foram causados por radiação. Os outros foram atribuídos ao cigarro."

O segundo grande estudo ainda não foi publicado pelos pesquisadores do GSF e também oferece números de mortalidade surpreendentemente baixos. Nele, foram avaliados os agricultores que moravam a jusante dos reatores nucleares, em 41 pequenas cidades e aldeias ao longo do rio Techa. De 1949 a 1951, os resíduos da produção de plutônio -uma sopa tóxica borbulhante- eram simplesmente jogados no rio, sem qualquer tratamento. Como resultado, elementos altamente radioativos, como césio 137 e estrôncio 90, foram depositados nos sedimentos do rio. As margens se tornaram radioativas.

Um relatório advertindo dos perigos foi enviado a Moscou em 1951. Uma série de exames de raios-X foi conduzida, e a polícia passou a isolar o rio. "Só podíamos ver o rio pelo arame farpado ou de uma pequena ponte de madeira", diz um ex-morador. Em 1960, 22 cidades haviam sido evacuadas.

Do ponto de vista dos grupos de cidadãos russos, que atualmente estão com uma ação na justiça em busca de reparação, essas medidas oficiais foram pouco sérias. Em sua opinião, a administração da usina cometeu "genocídio atômico" contra a etnia tatar que mora na região.

Segundo as análises, entretanto, até essa acusação é exagerada. O Instituto Nacional do Câncer, nos EUA, estudou 29.873 pessoas que moravam ao longo do Techa entre 1950 e 1960. De acordo com os cientistas, somente 46 mortes deveram-se à exposição à radiação.

Os pesquisadores alemães agora sabem por que os índices de morte foram relativamente baixos. Apesar do Techa ter sido abusado como lixeira nuclear, o abuso não foi tão severo quanto diziam os rumores. "O agricultor do Techa mais exposto à radiação recebeu uma dose de apenas 0,45 Gray", explica Jacob. Por comparação, uma dose letal de radiação, que causa febre, mudanças na composição do sangue, dano irreparável ao corpo e morte em duas semanas, é de 6 Gray.

As conclusões não se encaixam com a imagem popular do átomo como o diabo encarnado. Cenários de doenças e defeitos de nascimento em uma escala apocalíptica enchem os pesadelos. Na Alemanha Ocidental, a auto-imagem moral e política de toda uma geração brotou dessa batalha contra a radiação, com marchas de protesto "no nukes" (não à bomba atômica), multidões enfrentando canhões de água da polícia na usina nuclear de Brokdofr e manifestantes sentados na linha de trem diante de contêineres de lixo nuclear reprocessado.

Essa postura radical foi parcialmente embasada pela história. No dia 6 de agosto de 1945, um avião americano lançou uma bomba atômica chamada Little Boy sobre Hiroshima. A bomba detonou em uma altitude de 600 metros, diretamente acima do centro da cidade. A bola de fogo resultante gerou temperaturas de mais de 2760ºC varreu toda a cidade de Hiroshima, matando 140.000 pessoas. Três dias depois, uma segunda bomba atômica foi jogada sobre Nagasaki, matando 70.000 pessoas.

O incidente mais recente no reator em Chernobyl, em 1986, lembrou ao mundo dos perigos do átomo. O incidente foi chamado de "genocídio nuclear", e a imprensa escreveu sobre "florestas manchadas de vermelho" e insetos deformados. O público foi bombardeado com imagens das equipes de limpeza soviéticas vestindo macacões protetores, de crianças carecas com câncer e dos membros das equipes de cimento que perderam suas vidas na tentativa de selar o reator rachado com uma rolha de concreto. Quinze anos depois do acidente, a revista alemã Focus concluiu que Chernobyl foi responsável por "500.000" mortes.

Foi tudo folclore? Não há dúvida que grandes seções do campo foram contaminadas pelo acidente na Ucrânia. Nas décadas que se seguiram, até 4.000 operários de limpeza e moradores das áreas mais altamente contaminadas morreram das conseqüências de longo período de exposição à radiação. Os números de mortos de seis dígitos que os opositores da energia nuclear citaram, entretanto, são simplesmente absurdos. Na maior parte dos casos, derivaram-se de "extrapolações" vagas, baseadas nos boatos de dissidentes russos. Tais histórias de horror continuaram parte da narrativa nuclear até hoje.

De fato, mesmo nos anos 80, os biólogos e físicos da radiação consideravam as matérias de dia do juízo final da mídia exageradas.

E suas suspeitas se tornaram quase uma certeza hoje. Grupos de pesquisa estabeleceram-se em todos os pontos de acidentes nucleares ou importantes contaminações radioativas. Eles trabalham em Hanford (onde os EUA começaram a produzir plutônio em 1944), conduzem estudos na cidade inglesa de Sellafield (onde uma nuvem contaminada escapou da chaminé em 1957) e estudam os destinos dos mineradores de urânio da Alemanha Oriental nos Estados de Saxônia e Turíngia. Novos índices de mortalidade de indivíduos em risco agora foram compilados por todos esses grupos. Surpreendentemente, os mais altos índices de mortalidade foram encontrados entre os mineradores da Alemanha Oriental.

Em Hiroshima, por outro lado, a radioatividade tomou surpreendentemente poucas vidas. Os especialistas agora sabem exatamente o que aconteceu nas primeiras horas, dias e semanas após a explosão atômica devastadora. Quase todas as 140.000 vítimas de Hiroshima morreram rapidamente. Foram imediatamente esmagadas pela onda de choque ou morreram nos dias seguintes de queimaduras graves.

Entretanto, a doença de radiação -uma doença gradual que leva à morte certa para qualquer um exposto a níveis de radiação de 6 Gray ou mais- foi rara. A razão é que a Little Boy simplesmente não reproduziu suficiente radioatividade. Mas e as conseqüências de longo prazo? A radiação não funciona como uma bomba relógio no corpo?

Para responder a essas perguntas, os japoneses e americanos iniciaram um enorme estudo epidemiológico após a guerra. O estudo incluía todos os moradores de Hiroshima e Nagasaki que tinham sobrevivido à explosão atômica num raio de 10 km. Os investigadores entrevistaram os moradores para obter sua localização exata quando a bomba explodiu e usaram essa informação para calcular uma dose de radiação pessoal para cada morador. Foram coletados dados de 86.572 pessoas.

Hoje, 60 anos depois, os resultados estão claros. Mais de 700 pessoas eventualmente morreram como resultado da radiação recebida no ataque atômico:

- 87 morreram de leucemia;

- 440 de tumores;

- 250 de ataques cardíaco induzido pela radiação.

- Além disso, 30 fetos desenvolveram retardamento mental depois de nascidos.

Tais estatísticas atraíram pouca nota até agora. Os números citados nos livros escolares são muito mais altos. De acordo com a enciclopédia on-line Wikipedia, 105.000 pessoas morreram das "conseqüências de longo prazo da radiação". "Por razões compreensíveis, muitos críticos exageraram muito os riscos de saúde impostos pela radioatividade", diz Albrecht Kellerer, biólogo de radiação de Munique. "Mas, contrário à ampla opinião, o número de vítimas de forma alguma é de dezenas de milhares."

Especialmente surpreendente, porém, é o fato que as histórias de má formação de nascimento em recém-nascidos também são pura fantasia. A imprensa repetidamente associou fotografias de Hiroshima destruída com as de crianças deformadas, sem olhos ou com três braços. Na realidade, não houve um único estudo que fornecesse evidências de índice elevado de defeitos de nascimento.

Uma tentativa final de estabelecer uma conexão está sendo feita no Japão. O estudo inclui 3.600 pessoas que ainda estavam na barriga da mãe naquele dia horrível de agosto de 1945. Mas isso também não deu evidências de anormalidade cromossomial elevada. Na Alemanha, onde os temores nucleares uniram-se ao medo da morte das florestas e doença da vaca louca na psicose geral, o grau de preocupação com a radiação nuclear continua alto. Até hoje, alguns têm tanto medo dos efeitos de longo prazo de Chernobyl que se recusam a comer cogumelos da Bavária. Até 20 anos atrás, esse comportamento não teria tido sentido.

Oficialmente, 47 pessoas -membros da equipe de resgate de emergência- morreram em Chernobyl pela exposição a doses letais de radiação. Isso é sério o suficiente. "Mas a quantidade total de radiação que escapou foi simplesmente baixa demais para fazer um grande número de vítimas", explica Kellerer.

O iodo 131 que escapou do reator acabou causando sérios problemas de saúde na Ucrânia. Ele se estabeleceu nos campos como poeira fina e atravessou a cadeia alimentar, desde o capim até o leite, e eventualmente acumulou-se nas glândula tireóide das crianças. Cerca de 4.000 crianças tiveram câncer. Menos conhecido, entretanto, é o fato que apenas nove dessas 4.000 morreram -o câncer de tireóide em geral é facilmente removido. "Chernobyl foi certamente uma catástrofe. Mas também foi distorcida e exagerada", diz o porta-voz da GSF Heinz-Jörg Haury.

Ainda assim, não há dúvida que o envenenamento por radiação continua ameaçador e altamente perigoso. E continua intrigando os pesquisadores. A antiga fábrica de armas de Stalin em Mayak é, nesse sentido, uma mina de ouro para os pesquisadores. É o equivalente de um laboratório contendo milhares de casos bem documentados. "Os médicos russos acumularam um amplo armazém de conhecimento em Mayak", explica Haury. "É por isso que todo mundo quer ir para a Sibéria agora." Já há planos para a próxima expedição.

(Por Mathias Schulz, Der Spiegel, UOL, 23/11/2007)


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