Num período conhecido como Holoceno Médio, que durou de 6.500 a 5.400 anos atrás, o Nordeste brasileiro teve temperatura média 3ºC inferior à atual e registrou até 75% mais chuva do que agora. E, devido a essas condições, as áreas hoje tomadas pela caatinga (vegetação formada por pequenas árvores, normalmente espinhosas) eram então ocupadas por savana (formada por gramíneas, arbustos e árvores esparsas), uma vegetação semelhante ao cerrado.
A conclusão está na tese de doutorado da meteorologista e pesquisadora do CPTEC (Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos) Maria Luciene Dias de Melo, a ser defendida no Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Que o Nordeste era bem mais fresco e úmido no passado os cientistas já sabiam. As evidências disso estão no registro geológico, na arqueologia e nos fósseis. Acredita-se que a Serra da Capivara, no Piauí, hoje caatinga, fosse uma região verdejante e muito mais úmida entre o final do Pleistoceno (Era do Gelo) e o início do Holoceno. Isso possibilitou a ocupação das cavernas da região por grupos humanos milênios atrás.
O problema era que não se sabia exatamente o quanto. Melo utilizou um programa de computador para simular as condições da Terra durante aquele período, entre elas as mudanças nos chamados parâmetros orbitais do planeta: o grau de inclinação, a excentricidade (referente à forma de sua órbita, se mais elíptica ou arredondada) e a precessão dos equinócios (movimento que define a posição do eixo da Terra em relação ao Sol). O trabalho foi o primeiro a usar um modelo climático nacional para simular o paleoclima, ou seja, o clima do passado.
Nordeste sem solDurante o Holoceno Médio --e ao contrário de hoje--, a posição do eixo do planeta deixava o hemisfério Norte mais próximo do Sol, enquanto o sul ficava mais distante. Com isso, a quantidade de radiação solar que chegava até a América do Sul entre os meses de dezembro e fevereiro (verão) era cerca de 5% menor que a atual, segundo a pesquisadora.
A radiação solar influencia o posicionamento e a intensidade dos sistemas de ventos ligados às chuvas e à temperatura. E foi a mudança na posição de um desses sistemas, o de alta pressão do Atlântico Sul, a responsável pelas características do clima e da vegetação do Nordeste no Holoceno Médio.
O sistema de alta pressão do Atlântico Sul está posicionado sobre o oceano e leva umidade principalmente para as regiões Sul e Sudeste do Brasil. "Mas, durante o Holoceno Médio, o sistema ficou cerca de 200 km mais próximo do continente e os ventos passaram a carregar umidade também para o Nordeste do país, provocando mais chuva e temperatura média mais baixa do que a verificada na região atualmente", disse Melo.
De acordo com a pesquisadora, a temperatura média no Nordeste durante o Holoceno Médio foi de 21ºC a 25ºC. Hoje, ela varia de 24ºC a 28ºC. Já a média de chuva na região, que agora é de 200 mm no outono, foi de até 350 mm durante a mesma época do ano naquele período da pré-história.
(Por FÁBIO AMATO,
Agência Folha, 23/11/2007)