A maioria das casas está de pé. Ninguém morreu. As árvores não estão nem arrancadas, como elas estão em tantas vilas engolidas pela tempestade. Mas nessa parte do mundo, onde a vida gira ao redor da água, olhe mais de perto e veja como a tempestade complicou a vida diária. Campos de arroz estão encharcados. Lagos de camarão apodreceram. As mulheres se preocupam com o que seus filhos irão beber quando seus baldes com água de chuva acabarem. Sem água suficiente, muita água, água suja. A água incomoda todo mundo.
A ajuda começou a chegar às áreas do ciclone na quarta-feira, quase uma semana depois da tempestade. Nessa vila, uma longa fila de sobreviventes recebeu sacos de arroz, lentilha e sal, e os vizinhos, aliados e rivais do país parecem estar se desdobrando para oferecer ajuda.
Paquistão, o ex-administrador do país, com quem Bangladesh travou uma horrível guerra de independência em 1971, anunciou que enviaria dois aviões militares cheios de remédios e cobertores. A Índia disse que um avião de carga chegaria na quinta-feira com 38 toneladas de ajuda. Dois navios da Marinha americana estavam a caminho e chegariam com helicópteros dentro de dias. A Arábia Saudita prometeu US$ 100 milhões no começo da semana, a maior quantia oferecida até o Banco Mundial oferecer US$ 250 milhões na quarta-feira. Se e quando a promessa de ajuda aconteceria permanece uma questão aberta.
Nem o governo ou organizações de ajuda humanitária estimavam quanto dinheiro era necessária, mas uma análise do Programa de Alimentos Mundiais disse que US$ 30 milhões seriam necessários para somente para comida nos próximos três meses. A representante das Nações Unidas em Bangladesh, Renata Lok Dessalien, disse que comida, água e abrigo eram necessidades imediatas, e ainda mais sérias paras as vítimas de ciclone que já eram pobres, com maiores chances de serem desnutridas e vulneráveis a doenças.
O ciclone Sidr deixou um caminho de devastação pelo sul de Bangladesh. O governo estima que quatro milhões de pessoas foram afetadas, e o impacto total dele não será sentido por muitas semanas. Pela última contagem do Exército de Bangladesh, 3.167 pessoas morreram. Em Kanainagar, perto da capital Daca, Sunita Mondol, 15 anos, já sentia as conseqüências do ciclone. Ela ficou ao lado do lago de sua família essa manhã e encontrou apenas dois pequenos camarões presos à rede. Em uma manhã normal, ela teria enchido uma cesta e levado ao mercado para vender.
Mas a tempestade estragou o lago, balançando as folhas e galhos das árvores e sujando a água, tanto que matou os camarões que ficaram flutuando. Na primeira manhã após a tempestade, Sunita e sua família retiraram mais de cinco quilos de peixe morto. Eles jogaram a maior parte fora.
Famílias como a dela, que ganham a vida vendendo camarões e peixes que eles cultivam em seus lagos, esperam sentir o aperto econômico do ciclone durante meses. Toda família nessa vila tem um pequeno lago, e todos reclamaram de estarem em uma situação complicada. Metade dos peixes dos dois grandes lagos de Pinjira Begum morreu, o que significa que seus lucros diários caíram pela metade. O fiador deles foi a casa dela no sábado passado para seu pagamento semanal. “Dissemos a ele que não tínhamos dinheiro para comprar arroz para as crianças”, ela disse. Pinjira deu metade do que devia. Ele a xingou e foi embora.
O sul de Bangladesh é um dos focos de camarão mais produtivos do mundo. O alimento é uma das maiores exportações do país para os EUA. Os mais sortudos aqui ainda têm água de chuva em seus tradicionais potes de terra. Aqueles cuja água acabou, ou cujos potes quebraram, tiveram que beber água dos lagos, que ficou salgada por causa da água do mar e começou a apodrecer por causa das folhas em putrefação.
Um puxador de carroça se perguntava quanto tempo demoraria até que começasse uma epidemia de disenteria. Mesmo sem o ciclone, ele disse, a água sempre causa a doença. Nos meses quentes, quando os estoques de água da chuva acabam e os lagos começam a secar, as pessoas de Kanainagar sofrem alergias, disenteria e diarréia. O ciclone tornou uma preocupação crônica em algo potencialmente sério. “Água é nosso maior problema”, disse Alamgir Hossain. “As pessoas ficam doentes demais para trabalhar e ainda têm que comprar remédios”.
Pelo rio Mongla, Muhammad Nantu Mian trabalhou arduamente para salvar o que a água não havia estragado. Sua plantação de arroz estava encharcada, apenas a duas semanas da colheita ficar pronta. Os caules pareciam espantalhos por causa do vento forte. Ele retirou parte da água abrindo canais nos campos. Contratou trabalhadores para cortar os caules de arroz que ainda não haviam estragado. Mian acredita que cerca de um terço de sua colheita estava estragado. Normalmente, disse Mian, ele vendia metade do que produzia, guardando metade para sua própria família e para a colheita do próximo ano. Esse ano, ele disse que poderia esperar alimentar sua família, e não muito mais.
(Por Somini Sempguta,
The New York Times, 23/11/2007)