Atuação de milícias armadas fora denunciada em audiência parlamentar dias antes da ofensfiva contra militantes do MST na propriedade da Syngenta em Santa Teresa do Oeste (PR); movimentos pedem investigação de mandantesO relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Execuções Sumárias, Arbitrárias e Extrajudiciais, Philip Alston, recebeu nesta terça-feira (13) um documento sobre o ataque armado de repressão a militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na estação de pesquisa da empresa Syngenta, em Santa Teresa do Oeste (PR).
No dia 21 de outubro, dirigente do MST e da Via Campesina Brasil, Valmir Mota de Oliveira, conhecido como Keno, foi assassinado durante a ocupação da propriedade em que a multinacional mantém experimentos com plantas transgênicas. De acordo com testemunhas, cerca de 25 homens que vestiam coletes da NF Segurança, empresa contratada pela Syngenta, desceram de um ônibus e dispararam contra os militantes. Outros cinco trabalhadores ficaram gravemente feridos e um dos seguranças também morreu.
O relatório - entregue por integrantes da Via Campesina, do MST e da ONG Terra de Direitos - denuncia a atuação de milícias armadas no campo e sustenta que a empresa NF Segurança era apenas uma fachada legal para um grupo paramilitar a serviço de fazendeiros da região. "Esperamos que o relator se manifeste sobre o caso e pedimos uma ampla investigação das empresas privadas que prestam serviços a propriedades rurais por parte da da Polícia Federal", diz Darci Frigo, advogado da Terra de Direitos.
Philip Alston fez visitas em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Pernambuco e no Distrito Federal para investigar execuções por grupos de extermínio e violência de forças policiais. Em Nazaré da Mata (PE), ele visitou o acampamento Pedro e Inácio para levantar informações sobre o Massacre do Camarazal. Ele também avaliou outros casos de assassinato no campo ocorridos no Estado que permanecem impunes. A previsão é que o resultado de suas apurações seja publicado no relatório previsto para março de 2008.
Tragédia anunciadaO delegado responsável pelo caso deve concluir o inquérito até 20 de novembro. Foram indiciados sete agentes de segurança e o dono da NF, que tem entre seus clientes a Sociedade Rural do Oeste (SRO), segundo apurou a unidade da Polícia Federal em Cascavel (PR). Uma semana antes do crime, a PF, que vinha investigando a empresa, teve um pedido de busca e apreensão negado pela Justiça Federal. Eles pretendiam aprofundar as apurações sobre armas roubadas e munição não declarada. A outra dona da empresa, Maria Campos de Freitas, foi presa na ocasião por porte ilegal de armas.
"Infelizmente esse mandado de busca foi indeferido. Se fosse atendido, essa tragédia poderia ter sido evitada", lamenta Darci Frigo. Ele reclama, ainda, do relaxamento dos sete agentes de segurança que haviam sido presos após o ataque. "O advogado pediu relaxamento de flagrante para seis deles, mas a juíza concedeu liberdade a todos, até ao sétimo, que tinha antecedentes criminais, e que foi reconhecido como o executor de Keno".
Três dias antes do ataque ao acampamento da Syngenta, uma denúncia de atuação de milícias armadas na região Oeste do Paraná foi reforçada durante audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal dos Deputados (CDHM), em Curitiba (PR).
A contratação de milícias privadas no Paraná, salienta a denúncia, não é um problema recente. "A rede de violência contra os trabalhadores rurais sem terra começa com a formação e treinamento de grupos paramilitares na região noroeste do Paraná, na década de 90, que levou a morte de vários trabalhadores rurais", coloca o texto. Um dos requerimentos do relatório entregue à CDHM já pedia que fossem apuradas as "ações da empresa de segurança NF, contratada pela Syngenta Seeds e pela SRO".
MandantesA reconstituição do crime foi feita no dia 7, mas os agentes da NF se recusaram a participar. Eles também não apresentaram as armas usadas no ataque, obstruindo as investigações. Segundo Frigo, a polícia trabalha com a hipótese de que o segurança morto tenha sido assassinado pelos próprios colegas, que dispararam "para todos os lados": "Não houve confronto. Houve um ataque. Os trabalhadores são as vítimas", afirma o advogado.
Para os militantes do MST e da Via Campesina, no entanto, mais importante que punir os executores é encontrar os mandantes. Em nota à imprensa, a Syngenta nega que tenha dado ordens à NF e afirma que mantém, em seu contrato com a empresa de segurança privada "uma cláusula que estabelece que os profissionais terceirizados daquela unidade devem prestar serviços desarmados e que não devem fazer uso de força ou portar armas".
No dia 8, centenas de pessoas participaram de protestos em repúdio ao assassinato de Keno. Houve manifestações na Coréia do Sul, na Indonésia, no Congo, na Espanha, no Chile, no Canadá, na Croácia e na Venezuela.
Henry Saragih, coordenador-geral da Via Campesina, articulação internacional de organizações camponesas, convocou mobilizações pelos direitos dos trabalhadores rurais e de repúdio à Syngenta no próximo dia 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos.
Na Suíça, onde se encontra a sede da Syngenta, a organização de agricultores Uniterre solicitou à presidente do país, Micheline Calmy-Rey, o acompanhamento do caso que envolve a empresa no Brasil.
(Por Fernanda Campagnucci,
Reporter Brasil, 19/11/2007)