Localizado no município de Serra Azul (SP), Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) do assentamento Sepé Tiarajú é exemplo de produção agroecológica em meio à maior concentração de cana-de-açúcar do BrasilNo meio da paisagem monótona do epicentro canavieiro do Brasil - a região de Ribeirão Preto, Nordeste do estado de São Paulo -, o assentamento Sepé Tiarajú, localizado no município de Serra Azul (SP), lembra um oásis de diversidade. Cravado entre lavouras de cana-de-açúcar, o terreno, que é o primeiro Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) paulista, está se tornando um modelo viável de produção alternativa à monocultura e um exemplo de reforma agrária bem-sucedida. Isso se tornou possível graças à opção do PDS pelo uso dos sistemas agroflorestais (SAFs).
Os SAFs são formas de cultivo que associam árvores com espécies frutíferas e lavouras anuais, com ou sem a presença de animais. Na prática, permitem um ganho de diversidade em relação à monocultura, uma vez que mesmo lotes menores passam a gerar vários tipos de produtos e se tornam fontes de renda sustentáveis para pequenos e médios lavradores. Outra vantagem é que os SAFs não exigem o uso de insumos químicos e nem desmatamento, já que podem aproveitar a cobertura vegetal já existente.
Agnaldo Vicente de Lima, presidente da Associação Agroecológica Sepé Tiarajú (Agrosepé), que representa os assentados, é o produtor que há mais tempo implantou o SAF em seu lote. "Essa é uma bagunça que dá vida à terra", diz ele, referindo-se à aparente desordem de sua lavoura. Na área sob cuidados de Agnaldo, há exemplares nativos dos mais diversos ecossistemas brasileiros: Cerrado, Amazônia, Mata Atlântica... E a lista das espécies que ele mesmo plantou a partir de mudas doadas, ou produzidas por ele mesmo no viveiro que mantém em seu lote, é infinitamente maior: açaí, manga, acerola, caju, coco-anão, flamboyant, milho, mandioca, abóbora...
Entre essas, há preciosidades que Agnaldo destaca com orgulho. "Tenho até jaracatiá, uma árvore que está quase extinta na Mata Atlântica", conta. A boa adaptação de todas essas espécies a suas terras, mesmo com a seca e o sol forte que castigaram sua plantação durante este ano, deixa Agnaldo otimista: "Agora, quero plantar araucárias".
Início da "bagunça"Essa "bagunça" dos SAFs começou no Assentamento Sepé em 2004, quando o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) adquiriu 797 hectares de uma propriedade da usina Nova União, transformando o acampamento em assentamento, depois de mais de quatro anos de luta.
Desde o início, a equipe do Incra, em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Meio Ambiente, incentivou a produção sustentável. Foi a melhor saída para produzir naquela área de solo degradado, que formava mais um dos retalhos de cana-de-açúcar que compõem o cenário da região. "No meio do meu lote ficava a estrada por onde passavam os caminhões carregados de cana", relata Agnaldo.
Por isso, numa das áreas coletivas do PDS, foi implantado um Núcleo Experimental pela Embrapa. Lá, os assentados receberam noções sobre agroecologia e SAFs e puderam aplicar as novas técnicas. "Isso fez minha cabeça", diz Elias Souza, outro assentado. Jardineiro de profissão e amante incondicional da natureza, ele conta que já tinha conhecimento sobre respeito ao meio ambiente em razão dos seus 14 anos de engajamento na causa da reforma agrária, mas reconhece em seu SAF, que já está começando a produzir, a primeira experiência prática dessa consciência ambiental. Ao lado de uma mangueira que já ostenta os primeiros frutos, ele plantou uma das espécies símbolo da caatinga: um mandacaru.
Vizinha de Agnaldo e Elias no PDS, Maria Madalena Concheta acabou de plantar 300 novas mudas de árvores frutíferas para iniciar seu próprio SAF. Moradora do assentamento há 3 anos, ela explica a opção pela agrofloresta: "A gente viu a roça dos vizinhos dando certo", diverte-se ela, referindo-se ao lote de Agnaldo.
Amante do verde, Madalena conta que, mesmo na época em que morava na cidade, buscava cultivar pés de frutas, ainda que num pequeno terreno de 250 metros quadrados. "Tinha até um de pêra, que é difícil de dar. Eu botava água pra gelar e despejava tudo na raiz da árvore pra ela crescer", conta.
Agora, Madalena, que antes dependia de seus cultivos de abóbora, mandioca e milho para sustentar as sete pessoas da casa, poderá contar com outros produtos como a laranja e o figo.
E ela exprime o que os próprios técnicos reconhecem sobre SAFs. "Quando eu era criança, esse manejo todo, que eu achava muito ruim pra capinar, já era agrofloresta. Só que não tinha esse nome". E completa: "Foi meu pai que me ensinou que numa pequena terra a gente pode colher muita variedade".
ParceriasAs práticas agroecológicas de Agnaldo, Elias e Madalena já contagiaram a maioria das oitenta famílias assentadas. Quase todas elas já estão plantando mudas para iniciar SAFs em seus lotes. O respeito ao meio ambiente também é um compromisso assumido pelo Sepé com o Ministério Público Estadual (MPE) de São Paulo, através de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). O documento lançou sobre o PDS uma exigência única no país: a reserva legal de 35%. Reserva legal é a porcentagem de cobertura vegetal que deve ser mantida em cada um dos lotes. Isso significa 15% a mais do que o mínimo exigido para a maioria das regiões do país, excluída a Amazônia, onde a reserva é maior.
Para Agnaldo, o compromisso será facilmente cumprido. "Eu acredito que podemos chegar a 70%. A agrofloresta permite que a mata seja produtiva", especula, otimista. Outra parceria foi criada entre o Sepé e os promotores do MPE de São Paulo em Cravinhos. Através dela, 30 mil mudas serão doadas às famílias até dezembro de 2008.
Clarissa Chufalo, assistente de desenvolvimento agrícola do Incra, avalia que a alta consciência ecológica dos assentados e o sucesso do PDS contribuíram para que eles fossem vistos com outros olhos. "Já houve muita resistência à presença deles, mas isso está mudando", afirma. Clarissa conta que até os internos do presídio de Serra Azul, vizinho ao assentamento, tinham preconceito com os lavradores. "Mas hoje eles exigem que a comida servida na cadeia venha do PDS", afirma.
(Por Mauricio Monteiro Filho,
Reporter Brasil, 14/11/2007)