Foi reunindo documentos, anotações encontradas em casas ou empresas de suspeitos e trechos de diálogos que a Polícia Federal (PF) conseguiu dissecar, em cinco meses de trabalho, o esquema montado por trás do escândalo das usinas.
A partir do material apreendido em uma operação em agosto, a PF montou um roteiro das circunstâncias que transformaram uma estatal, a Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE), em fiadora ilegal de empréstimos que somam 157 milhões de euros (R$ 414 milhões, pelo câmbio de ontem). No desfecho dessa fase da investigação, os federais prenderam ontem sete suspeitos de liderar o esquema ou se beneficiar dele.
Eles tiveram prisão preventiva decretada pela 1ª Vara Federal Criminal de Porto Alegre. Um oitavo investigado está sendo procurado pela Interpol na Alemanha. Mas o quebra-cabeças não está completo. Falta esclarecer onde foram parar cerca de 80 milhões de euros (R$ 200 milhões) liberados pelo banco alemão Kreditanstalt für Wiederaufbau (KfW) para construção de sete usinas de biomassa no Brasil, mas que não têm registro de entrada no país pelo Banco Central. No total, o KfW liberou 82 milhões de euros (R$ 216 milhões). Só há registros de entrada no país de 1,9 milhões de euros (R$ 5 milhões) em equipamentos.
No relatório de investigação, a PF indicou que a falta de informações sobre o destino do dinheiro poderia indicar a prática de crime de descaminho (quando valores entram no país sem declaração ao Fisco). No despacho de prisão, o juiz federal substituto Gueverson Rogério Farias considera a hipótese de descaminho "menos provável". E ressalta a necessidade de que a investigação prossiga para rastrear o destino dado ao dinheiro.
Foram presos Carlos Marcelo Cecin, destacado na investigação como peça-chave da fraude, Joceles Moreira, Alan Barbosa, Julio Cesar Azevedo Magalhães, Iorque Barbosa Cardoso, Celso Antônio Barreto Nascimento e Filipe Parisotto.
Chileno naturalizado alemão é procurado pela Interpol
É procurado Erwin Alejandro Jaeger, cidadão chileno naturalizado alemão que estaria na Alemanha. Na decisão, o juiz justificou a prisão dos suspeitos para "garantia da ordem pública e econômica, por conveniência da instrução criminal e a fim de assegurar a aplicação da lei penal".
"Os crimes perpetrados se refletem em significativo abalo à ordem pública e especialmente econômica, seja pelo expressivo montante envolvido, seja pelos prejuízos à credibilidade de instituições brasileiras para obtenção de futuros financiamentos no Exterior, seja pelo fundado risco de que novas fraudes da espécie venham a ser perpetradas pelo grupo", diz um trecho da decisão. E completa: "há elementos concretos a autorizar um fundado juízo de risco na manutenção dos investigados em liberdade". O juiz também determinou seqüestro de todos os bens móveis e imóveis dos suspeitos.
A PF começou a investigar o caso a partir de uma denúncia feita pela direção da CGTEE, em 22 de junho. Os avais em nome da CGTEE são ilegais porque a Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe estatais de conceder fianças a empresas independentes, como é o caso da Winimport (responsável por projetos de três usinas de biomassa no Paraná) e da Hamburgo (executora de projetos de quatro usinas de biomassa no Estado).
A decisão judicial sustenta ainda que se "não bastasse a ilegalidade dos avais, tais operações estão cercadas por uma série de irregularidades que incluem falsificações, indícios de corrupção e terminam em um possível desvio de recursos (os 80 milhões de euros)". Nos cinco meses de investigação, a PF apurou indícios da prática de falsificação e uso de documento falso, estelionato, corrupção passiva, ativa e tráfico de influência, prestação de informação falsa em operação de câmbio e formação de quadrilha.
A cúpula da CGTEE foi surpreendida ontem com a operação dos federais. O diretor-presidente, Sereno Chaise, se encaminhava para o prédio da estatal, no Centro, quando recebeu um telefonema, por volta das 8h. Era um repórter da Rádio Gaúcha pedindo que ele entrasse no ar para comentar as sete prisões - que até então ele desconhecia.
Naquele mesmo horário, o diretor financeiro da CGTEE, Clóvis Ilgenfritz, chegava ao local de trabalho. Lá, ele recebeu a notícia de Guaracy Cunha, assessor de imprensa da estatal.
- A primeira coisa que eu pensei foi: que bom que isso está acontecendo - disse Ilgenfritz.
Chaise marcou entrevista coletiva para as 10h30min. Ao final, resumiu:
- Não que eu festeje a prisão de quem quer que seja. Mas para mim é uma boa notícia. Somos os maiores interessados no esclarecimento do que houve.
Apesar do alvoroço da manhã, o diretor financeiro preferiu manter sua agenda de reuniões previstas para o dia, constantemente recebendo as últimas informações da PF divulgadas pela imprensa. Chaise e Ilgenfritz tiveram uma reunião rápida. Fizeram uma pausa apenas para entrar em contato com a Eletrobrás, controladora da CGTEE.
Os partidos agiram rapidamente em relação aos filiados presos. O PT anunciou o afastamento de Joceles, Iorque e Cecin por 60 dias. O PP afastou Julio Magalhães, presidente da Elétrica Jacuí, ex-vereador e integrante do diretório estadual do partido.
(Zero Hora, 22/11/2007)