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baía de guanabara diagnóstico do saneamento
2007-11-21
Rio de Janeiro – Os contrastes causam impacto nos visitantes desde sua chegada à antiga capital brasileira. Já do avião pode ver a deslumbrante Baía da Guanabara, em cuja maior ilha fica o aeroporto, mas logo deverá passar entre um canal de águas fétidas e um acúmulo de favelas para chegar ao centro e à área turística. No Canal do Fundão, que separa o continente de outra ilha onde foi instalada a principal universidade do Rio de Janeiro, as águas já não circulam na maior parte de seus cinco quilômetros de comprimento, devido à sedimentação causada por dejetos industriais, lixo e esgoto de muitos bairros densamente povoados.

A situação poderia ser pior. Mas, nos rios que trazem o grosso dessa contaminação grupos de homens e mulheres estendem cabos de aço, arames e paus de uma margem à outra, formando improvisadas barreiras que retêm garrafas e outros vasilhames de plástico, papelão e outros materiais flutuantes. São os Guardiões dos rios, integrantes de um projeto criado em 2001 pela prefeitura do Rio de Janeiro, que em 1960 foi substituída por Brasília como capital do País. Selecionados entre moradores das comunidades pobres vizinhas, os guardiões ganham R$ 520 por mês para recolher diariamente o lixo jogado nos cursos de água e periodicamente plantar árvores em suas margens.

"Às vezes aparecem colchões, equipamentos domésticos e móveis, como sofás", disse Sidnei Martins, coordenador de uma equipe de nove trabalhadores que limpam um trecho dos rios Jacaré e Faria-Timbó, alguns quilômetros acima do Canal do Fundão. Em agosto e setembro “retiramos 35 carcaças de automóveis”, acrescentou. “Falta consciência para os moradores da região que “jogam de tudo nos rios”, inclusive fetos resultantes de abortos, disse Martins, de 47 anos, sempre com seu uniforme verde da Secretaria Municipal de Meio Ambiente. Seu grupo foi formado há três anos, juntando moradores do conjunto Nelson Mandela, uma das favelas da área. “Nos primeiros dias recolhemos uma tonelada de lixo por dia”, recordou Martins. Cerca de 90% do lixo são recicláveis, mas não são aproveitados porque essa atividade não é estimulada. Entretanto, um de seus ex-colegas sobrevive atualmente vendendo lixo para reciclagem.

A melhoria depois de iniciado o projeto é sensível. “Os rios já não provocam as inundações que antes eram freqüentes, os ratos desapareceram e diminuíram doenças como dengue, diarréia e micose”, disse Ana Paula Ferreira, que deixou o grupo de Martins onde trabalhou dois anos para entrar em um “emprego estável” em um hospital. “O rio continua feio, mas menos sujo”, resumiu. O projeto, destinado a limpar cursos fluviais do município carioca, previa mobilizar este ano 640 pessoas em 86 comunidades, ampliando para 960 e 136, respectivamente, até 2012. “Deveria expandir mais, porque as pessoas precisam de trabalho”, além dos benefícios sanitários e ambientais, disse Ana Paula, de 31 anos, três filhos e que vive a 30 metros do rio Jacaré.

Saneamento em falta
A ação dos guardiões busca prevenir tragédias urbanas. Além disso, evita que muitas toneladas diárias de lixo agravem a contaminação da Baía da Guanabara. Mas, é uma gota no oceano, Atlântico, neste caso. É o deságüe sem tratamento o que mais contamina a baía, onde desembocam 35 rios que cruzam a região metropolitana onde habitam 10 milhões de pessoas, disse Dora Negreiros, presidente do não-governamental Instituto Baía da Guanabara. Contra essa agressão pouco fez o Programa de Descontaminação da Baía da Guanabara (PDBG), iniciado em 1995 com um orçamento de US$ 793 milhões baseado em créditos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Japão, previsto para terminar em 1999, mas que ainda tem várias obras pendentes.

O lodaçal no Canal do Fundão se constituiu em denúncia permanente da ineficácia do programa, em grande parte devido à falta de coordenação entre suas ações. A principal estação de tratamento de esgoto, denominada Alegria, é um exemplo. Foi construída para processar cinco mil litros por segundo, mas recebe apenas mil litros. Faltam redes de esgoto até a estação, disse Vilmar Berna, jornalista e ambientalista que ajudou em uma investigação parlamentar sobre as irregularidades do PDBG.

Antes de começar esse programa estimava-se em 20 mil litros por segundo o volume de água suja despejado na baía sem tratamento. Alegria atende justamente o centro e os bairros próximos do Canal do Fundão, onde vivem cerca de 1,5 milhão de pessoas. O governo estadual não concretizou os investimentos de contrapartida que deveria fazer em relação ao financiamento do BID para instalar as redes, denunciou Alfredo Sirkis, ex-secretário municipal de Meio Ambiente e Urbanismo.

Nos bairros pobres ocorre outro problema. Foram instaladas redes de esgoto, mas faltam as ligações com as residências, já que as autoridades da área de saneamento queriam que os moradores se responsabilizassem por essa parte, como se fossem cidadãos “suecos quanto à renda e capacitação cívica e técnica”, ironizou Berna em conversa com a IPS. A conseqüência são esgotos nas ruas e rede sem uso.

Em sua avaliação, Berna disse que o PDBG foi “uma grande oportunidade perdida”, por sua execução errada, em uma época de entusiasmo nesta cidade que recebeu a Cúpula Mundial do Meio Ambiente em 1992. Porém, não foi perda em saneamento, mas no acúmulo de lixo, “o pior desastre”, com unidades de separação e compostagem que nunca operaram, enquanto “garrafas PET e pneus continuam boiando na baía”, ressaltou. Seu balanço, entretanto, é que se trata de um “semi-fracasso, porque pode ser salvo” com investimentos complementares para corrigir os erros, acrescentou.

A esperança
Essa mudança de rumo positivo é o que assegura estar fazendo o presidente da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Deságüe), Wagner Victer. A estação Alegria já está processando 1.500 litros por segundo e em março passará para 2.500 litros, a demanda máxima para sua área e a metade de sua capacidade total, pois foi projetada com “exagero” e só poderá ser usada no futuro, disse à IPS. Victer reconheceu a falta de coordenação entre as diferentes atividades do PDBG e que “seria irresponsabilidade” propor uma segunda fase do programa, para obter mais créditos externos, sem primeiro concluir as obras em atraso com investimentos locais.

Agora, cada obra é acompanhada por um cartaz anunciando a data de entrega, que será cumprido, prometeu Victer. Além disso, serão efetivadas outras medidas de descontaminação não previstas no programa, como a dragagem do Canal do fundão e também do Canal do Cunha, que leva para o primeiro as águas sujas de vários rios, como o Jacaré e o Faria-Timbó. Tudo isso “não limpará a baía, mas reduzirá o fluxo de carga orgânica que a contamina”, para que a natureza possa fazer seu trabalho de limpeza, afirmou. “A Baía da Guanabara é a célula-mãe do Brasil, uma dádiva que distingue o Rio de Janeiro” como um centro do desenvolvimento e da cultura nacional, por isso deve ser descontaminada, afirmou Victer, que se disse orgulhoso de ter nascido e vivido na Ilha do Governador, onde o aeroporto internacional do Rio de Janeiro e vivem 400 mil pessoas.

Apesar dos pontos de contaminação extrema, como o Canal do Fundão, a Baía da Guanabara mantém muita vida em seus 381 quilômetros quadrados de área, especialmente no nordeste resguardado por uma área de proteção ambiental. É o que garante a sobrevivência de 20 mil pescadores inscritos em cinco colônias dispersas pela baía, apesar da redução de peixes devido à contaminação, segundo Alex dos Santos, dirigente da Associação de Pescadores de Tubiacanga, na Ilha do Governador.

A pesca sofreu um golpe com o vazamento de petróleo ocorrido em 2000, um desastre cujos danos são visíveis até agora nos mangues. A empresa responsável, a Petrobras, ainda não pagou as indenizações devidas pela perda de renda dos pescadores, que superam o equivalente a US$ 550 mil, queixou-se Santos à IPS. Em sua opinião, os pescadores têm “as técnicas mais baratas e eficientes” para limpar a baía, porque “ninguém a conhece melhor do que nós”, acrescentou. Mas, antes, é preciso eliminar as fontes de contaminação química e orgânica, através do saneamento, ressaltou.

(Por Mario Osava, IPS / Envolverde, 14/11/2007)

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