Porto Alegre - O plano de saneamento mais importante do Estado do Rio Grande do Sul completou 12 anos de vida, sobreviveu a quatro governos estaduais e nele foram gastos US$ 220 milhões, mas continua sem ser implementado. Desde que foi lançado, em 1995, o Programa para o Desenvolvimento Ecologicamente Sustentável e Socialmente Justo da Região Hidrográfica de Guaíba (Pro-Guaíba) passou da Secretaria Estadual de Planejamento para a de Meio Ambiente e perdeu o financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
“A utopia era a transição de um modelo excludente para outro que envolvesse toda a sociedade”, afirma o economista André Luis Baptista, consultor de Planejamento Ambiental que trabalhou no programa entre 1982 e 2002. “Seu grande avanço foi entender que não bastava fazer um aterro sanitário, e que era preciso reduzir o lixo e o volume de esgotos, readequar a produção industrial e avançar para a agroecologia”, concorda Renato Saraiva Ferreira, que foi o secretário-executivo do Pro-Guaíba entre 1999 e 2003.
Foi um projeto modelo de gestão ambiental: incluiria 251 municípios com mais de seis milhões de pessoas, 83,5% em zonas urbanas e 16,5% em áreas rurais, muitas sem nenhum tipo de rede de esgoto. A área, de 84.700 quilômetros quadrados, compreende nove bacias hidrográficas onde é gerado mais de 70% do produto interno do Rio Grande do Sul. O plano compreendia vários módulos. O primeiro incluía obras de tratamento de esgotos, adequação de resíduos sólidos, incentivo à agroecologia, medidas de reflorestamento, educação ambiental e controle da qualidade da água e do ar. As prioridades do módulo seguinte surgiriam de um Plano Diretor resultante de consultas a comunidades e técnicos. Seria dada ênfase à região metropolitana de Porto Alegre e na área urbana do nordeste, onde fica Caxias do Sul, com grande concentração de indústrias.
Se houvesse contado com recursos, incluiria outras duas fases. Porém, recebeu fundos do BID apenas para o primeiro módulo. Entre outubro de 1993 e julho de 2002, foram investidos US$ 220 milhões, dos quais o banco multilateral respondeu por 60% e o restante coube ao Estado. Essa fase deveria terminar em quatro ou cinco anos, mas demorou dez. Endividado, o governo de Germano Rigotto (2003-2007) não pôde negociar novos fundos para as etapas seguintes. Sua sucessora, Yeda Crusius, decidiu retomar as operações com recursos próprios.
O corte de fundos e a paralisação do programa trouxeram conseqüências graves. Todos os anos se repete a cena de toneladas de peixes mortos no Rio dos Sinos, que nasce na Serra do Mar e percorre 195 quilômetros até sua foz no Rio Jacuí, banhando 32 municípios. Ferreira, agora gerente do Departamento de Revitalização de Bacias do Ministério de Meio Ambiente, alerta que, a cada dia que as indústrias lançam resíduos e as pessoas consomem a água contaminada, novas doenças são geradas. Os esgotos e os resíduos industriais contaminam o Rio, principalmente no trecho que passa por Esteio e Sapucaia do Sul, na Grande Porto Alegre. O saneamento do Rio dos Sinos fazia parte do segundo módulo do Pró-Guaíba.
“O grande problema é a falta de esgoto doméstico. Temos um passivo de anos sem investimentos, por isso a mortandade de peixes não surpreende ninguém”, diz a arquiteta Viviane Nabinger, secretária-executiva do Comitê Sinos. Agora depende de prefeitos e instituições buscar fundos e levar adiante as propostas previstas no Plano Diretor. Foi o que fez a prefeitura de Porto Alegre, que negociou um empréstimo com um banco internacional para tratar o esgoto lançado no Lago Guaíba.
Nem tudo está parado“Os R$ 700 mil votados pelos Conselhos Regionais de Desenvolvimento em consulta popular no final do governo passado foram usados para desenvolver a área do Delta do Jacuí”, um conjunto de 16 ilhas, canais e pântanos, que se formam na confluência dos rios Gravataí, Sinos, Caí e Jacuí, informa a secretária-executiva do Pro-Guaíba, Ana Elizabeth Carara. O modelo hidrodinâmico de qualidade e quantidade de água do Lago Guaíba foi feito mediante acordo com a Agência Japonesa de Cooperação Internacional. Além disso, foram enviados projetos de obras de saneamento para a Secretaria de Habitação em busca de recursos do Programa de Aceleração do Crescimento, do governo federal.
O Pro-Guaíba tem hoje orçamento anual de US$ 86 mil, diz Carara, que não admite que esteja paralisado. “Já existem os comitês de bacias e estamos finalizando o Plano Estadual de Recursos Hídricos. Falta complementar com a cobrança pelo uso da água e criar uma agência estadual de águas”, acrescenta. Embora já se cobre pelo serviço de esgoto, tratamento e abastecimento de água, seria aplicada uma taxa por uso específico que, segundo Carara, vigora em outros Estados. O dinheiro arrecadado seria destinado a subsidiar projetos municipais.
Trata-se de uma antiga reclamação. “Terminamos o Plano Diretor com 39 ações nas nove bacias do Guaíba e dezenas de projetos menores e complementares, concebidos a partir de uma chamada pública”, recorda Arno Kayser, do não-governamental Movimento Roessler de Defesa Ambiental. Kayser representou as organizações não-governamentais no conselho deliberativo do Pro-Guaíba e participou do grupo responsável pela elaboração de seu Plano Diretor. Porém, esse conselho já não se reúne.
O Pro-Guaíba se soma a outras frustrações, como o Programa de Descontaminação da Baía da Guanabara, no Rio de Janeiro, também iniciado em 1995, com orçamento de US$ 793 milhões financiados por BID e Japão, e que deveria terminar em 1999, mas ainda tem várias obras pendentes e é acusado de ineficiência. O Pro-Guaíba não escapou das disputas políticas. E a depreciação do dólar, as mudanças de governo e dos titulares da Secretaria de Meio Ambiente – quatro diferentes na última administração – contribuíram para estragá-lo.
Se os danos não foram maiores foi por causa das auditorias do BID, que permitiram um controle adicional do dinheiro. No momento, o banco está auditando as contas da última etapa do primeiro módulo. “Sabemos que o Estado continua implementando ações na bacia do Guaíba e que queria financiar uma nova fase com o banco, mas não existe nenhum estudo a respeito”, informou a especialista em Desenvolvimento Urbano do BID no Brasil, Cláudia Nery.
(Por Clarinha Glock*, Terramérica /
Envolverde, 19/11/2007)
* Este artigo é parte de uma série sobre desenvolvimento sustentável produzida em conjunto pela IPS (Inter Press Service) e IFEJ (sigla em inglês de Federação Internacional de Jornalistas Ambientais).