Rio de Janeiro, 16/11/2007 - A descoberta de uma enorme jazida de hidrocarbonos a 250 quilômetros da costa sudeste do Brasil não altera o mercado mundial atual, e sim o panorama futuro, pois abre uma nova fronteira petrolífera no oceano Atlântico Sul e desestimula a busca por energias limpas. O governo brasileiro e a Petrobras anunciaram no último dia 8 a existência de cinco mil a oito bilhões de barris (de 159 litros) de petróleo e gás em um bloco do campo Tupi, na bacia de Santos, aumentando as reservas nacionais que eram de 13,8 bilhões de barris. Trata-se da maior jazida descoberta no País e a maior do mundo em águas profundas.
O mais prometedor da descoberta é que faz parte de um conjunto – formado pelas bacias marítimas de Santos, Campos e Espírito Santo – com extensão de 800 x 200 quilômetros, onde o Brasil já extrai a quase totalidade de seu petróleo e sobre o qual sabia-se que continha muito mais sob uma camada de sal. Em toda essa área existe “no mínimo 50 bilhões de barris, em uma estimativa conservadora”, disse Márcio Mello, que por 26 anos foi pesquisador do centro tecnológico da Petrobras e hoje é sócio da empresa de consultoria HRT Petroleum e também presidente da Associação Brasileira de Geólogos do Petróleo. O governo fala em 70 bilhões de barris nas três bacias e há quem arrisque uma estimativa superior a cem bilhões. Assim, o Brasil se aproximaria das reservas de grandes exportadores como Kuwait e Venezuela, embora muito longe da Arábia Saudita.
Do outro lado do oceano, nas costas de Angola, Congo e Namíbia, também há uma quantidade semelhante de petróleo, já que a formação geológica é a mesma, pois tem origem na “abertura do oceano Atlântico” que separou os continentes na pré-história, disse Mello à IPS, acrescentando que estuda o assunto “há 10 anos”. Existe uma equivalência entre as reservas da bacia de Campos e Angola, ambos com cerca de nove bilhões de barris, e essa correspondência se reiteraria entre Namíbia e a bacia de Santos, lembrou o especialista.
Mas, na África ainda não foi perfurada a camada de sal sob a qual estão essas riquezas. No Brasil, a Petrobras fez seu primeiro poço em Tupi no ano passado, e comprovou os indícios de existência de petróleo cuja estimativa, ainda imprecisa, alcançou com a segunda perfuração concluída em julho. A Petrobras encontrou a jazida a seis mil metros abaixo da superfície, dos quais dois mil metros são de água e outro tanto de sal, além de rochas e areia, o que dificultou a exploração e encarecerá a extração, sem contar os custos do transporte desde alto mar. Foram esses altos custos que atrasaram a busca, apesar da velha certeza dos geólogos sobre a existência de grandes reservas sob a camada de sal.
A bacia de Campos, perto do Rio de Janeiro, é a mais produtiva atualmente porque muito petróleo “atravessou a camada de sal” que ali é mais permeável do que nas outras bacias, explicou à IPS o geólogo Giuseppe Bacóccoli, que trabalhou 32 anos na área de exploração da Petrobras, até 1997. Por essa razão deve haver menos hidrocarbonos sob o sal de Campos, ao contrário de Santos e do Espírito Santo, acrescentou o agora pesquisador da Coordenação de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. As três bacias “são irmãs, mas com características distintas”, ressaltou.
O petróleo e o gás são formados pelo tipo de rocha que está sob o sal, a chamada Formação Laguna Feia, compartilhada com a África, explicou Mello. Muitos não acreditavam que houvesse tais jazidas, por argumentavam que sob tantos quilômetros de sedimentação a temperatura superaria os 200 graus e “destruiria tudo, os hidrocarbonos e os equipamentos”, mas o sal “é excelente condutor, dissipa o calor, baixando a temperatura a um máximo de cem graus”, explicou.
A comprovação das reservas em Tupi estimulará os investimentos também nas bacias africanas, “pouco exploradas pelas condições políticas”, previu Mello, lamentando que a Petrobras não tenha aceitado a concessão de todas as águas profundas que Angola lhe oferecia em 1990, agora ocupadas por multinacionais de países ricos. Há outras áreas marítimas promissoras, como o sul do Golfo do México e o litoral da Venezuela, mas todas essas novas fronteiras não irão alterar muito o mercado mundial de petróleo, segundo Mello. A alta de preços do setor se deve à brecha entre as descobertas e o início da produção, explicou o geólogo.
Tupi, por exemplo, precisará de aproximadamente oito anos para alcançar uma produção plena e todas suas reservas apenas atenderiam ao atual consumo mundial por três meses. Descobrir outras jazidas em sua bacia consumirá grandes investimentos, tempo e muitas perfurações dispersas em uma área equivalente a quatro territórios iguais ao da Suíça. Tudo isso, somado ao aumento do consumo interno, impedirá que o Brasil se converta em grande exportador. Bacóccoli teme uma queda nos investimentos, por causa de uma tendência em estatizar estimulada pela descoberta em Tupi. O governo suspendeu um leilão de concessões de novos blocos na bacia de Santos, alegando necessidade de rever suas condições diante da nova realidade.
Por outro lado, para os ambientalistas aparece “um novo desafio”, porque o súbito aumento das reservas petrolíferas tende a debilitar o apoio às fontes renováveis e limpas, disse Délcio Rodiruges, especialista em energia da organização não-governamental Vitae Civilis, muito ativa em questões de mudança climática. A maioria dos cientistas vê na queima de combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão) uma das principais causas da mudança climática. É muito prematuro identificar os efeitos que essa nova fronteira atlântica petrolífera teria nas negociações internacionais para enfrentar a mudança climática, mas no Brasil é “preocupante, porque muda as perspectivas”, disse Rodrigues à IPS. O Brasil desenvolveu o álcool combustível vegetal e outras fontes energéticas não fósseis devido à crise do petróleo na década de 70, por carecer de reservas e pelo alto preço internacional dos hidrocarbonos, recordou.
(Por Mario Osava, IPS /
Envolverde, 16/11/2007)