RIO DE JANEIRO – Três anos após o governo federal apresentar publicamente suas primeiras propostas sobre o tema _ e quase dois anos após a aprovação da Lei de Gestão de Florestas pelo Congresso Nacional _ começou a sair do papel esta semana o esperado plano de concessão à iniciativa privada do direito de explorar de forma sustentável as florestas públicas brasileiras. O Serviço Florestal Brasileiro (SFB) lançou na quarta-feira (14) o edital da licitação para concessões de exploração sustentável da Floresta Nacional (Flona) do Jamari, em Rondônia.
Trata-se do primeiro edital de exploração comercial privada de madeira e outros produtos em uma floresta pública da Amazônia. Seus desdobramentos serão acompanhados de perto pelas organizações do movimento socioambientalista brasileiro, que encaram a tentativa de exploração econômica sustentável da Flona Jamari como um teste para a Lei de Gestão de Florestas e uma oportunidade de auferir a capacidade do governo de levar adiante a empreitada em outras florestas públicas nacionais.
O edital somente permite a participação de empresas nacionais, e as interessadas terão até o próximo dia 9 de janeiro para enviar suas propostas ao SFB. Noventa e seis mil hectares da Flona Jamari, de um total de 220 mil hectares, serão licitados. O governo dividiu essa área em três unidades de manejo _ com 17 mil, 33 mil e 46 mil hectares, respectivamente _ para permitir a participação de empreendedores privados de diferentes portes no processo de licitação.
As empresas escolhidas como concessionárias das três unidades de manejo florestal deverão, segundo o estabelecido pelo governo, “conservar a área e explorar, com técnicas de manejo sustentável, produtos florestais como madeira, óleos, sementes, resinas, etc, além de oferecer ao público serviços como ecoturismo e esportes de aventura”. Os recursos arrecadados com as diversas atividades econômicas decorrentes da concessão deverão, de acordo com o Ministério do Meio Ambiente (MMA), “ser empregados na fiscalização, monitoramento e controle das áreas licitadas”.
Segundo a Lei de Gestão de Florestas, cerca de 30% da arrecadação do governo com a exploração da Flona Jamari será destinado ao SFB e ao Ibama. Os outros 70% serão destinados ao Instituto Chico Mendes (que é o gestor da unidade), ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal, ao Estado de Rondônia e aos municípios onde se localizam as áreas manejadas. Esses recursos compartilhados deverão, de acordo com a lei, ser aplicados em ações de conservação e uso sustentável da floresta.
A lei também determina que, além dos critérios econômicos, as empresas vencedoras da licitação sejam escolhidas a partir de “critérios socioambientais” que terão maior peso na pontuação que os primeiros. Os critérios socioambientais são divididos em quatro temas: maior benefício social, menor impacto ambiental, maior eficiência e maior agregação de valor local. Segundo o MMA, esses critérios “servirão para eliminar, classificar ou bonificar as propostas”.
“Esforço de monitoramento”Após apoiar o MMA na fase de elaboração da Lei de Gestão de Florestas, as principais entidades do movimento socioambientalista encaram o projeto de concessão da Flona Jamari como um teste de fogo para o governo: “É boa a chegada dessa primeira tentativa, pois o governo tem mesmo de colocar a lei para funcionar. Será um grande desafio para o governo fazer com que se cumpra o que a lei estabelece. Estamos todos ansiosos para saber se vai dar certo ou não”, afirma Adriana Ramos, que é coordenadora de Políticas Públicas do Instituto Socioambiental (ISA).
Adriana afirma que cabe agora às organizações do movimento socioambientalista acompanhar de perto os desdobramentos dessa primeira licitação: “Temos de fazer um esforço coletivo de monitoramento. O processo será demorado, vamos precisar acompanhar se está sendo cumprido pelas empresas o que determina cada plano de manejo. Dos pontos de vista ecológico e produtivo, só teremos uma idéia do sucesso da iniciativa daqui a algum tempo, mas já vai dar para avaliar logo se os processos coordenados pelo governo estão dando certo. Será um grande teste”.
“Grande teste”“Grande teste” também é a expressão usada pelo coordenador do Greenpeace na Amazônia, Paulo Adário, para definir o plano de concessão da Flona Jamari: “Agora vamos ver se o governo está falando sério ou se o regime de concessão de florestas públicas vai apenas virar mais uma maneira, entre tantas outras, da indústria ter acesso à madeira”, diz. Ele lembra que o Greenpeace apoiou o governo na fase de elaboração da Lei de Gestão de Florestas: “Acreditamos que a aplicação da lei pode aumentar a governança da floresta, fazer o governo recuperar uma propriedade que é sua e evitar o total abandono que vigora até então e que incentiva a grilagem e o desmatamento”.
Adário afirma que “definir áreas destinadas à exploração econômica com baixo impacto ambiental e sob controle social” pode ser uma boa medida desde que “venha acompanhada do combate à indústria da madeira ilegal”. A Flona Jamari, segundo ele, pode ser o ponto de partida para a implementação dessa política: “É preciso que o governo force a indústria a assumir as áreas legais que colocar em oferta. Ao mesmo tempo, deve combater de forma mais efetiva o desmatamento ilegal, senão não adianta nada. Chegou a hora do governo mostrar do que é capaz”.
(Por Maurício Thuswohl,
Agencia Carta Maior, 17/11/2007)