A Coordenação da APEDEMA/RS – divulgou neste sábado (17/11) o “Documento de Análise da Conjuntura das Políticas de Meio Ambiente e Desenvolvimento” aprovado na plenária final do XXVII Encontro Estadual de Entidades Ecológicas acontecida no último fim de semana (10 e 11/11), em Porto Alegre.
A APEDEMA - Assembléia Permanente das Entidades de Defesa do Meio Ambiente do RS, é a entidade que reúne os ambientalistas gaúchos. A análise conclui que “a produção de agrocombustíveis vão virar commodities sujeitas às oscilações de mercado, com o aprofundamento dos já enormes impactos sócio-ambientais das atuais monoculturas, competindo com a produção de alimentos”
É criticada a atuação do BNDES que drena bilhões de reais para grandes empreendimentos sem cobrar a viabilidade ambiental e a responsabilidade social das empresas. Destaca o documento que o Estado do RS desde 2002 já passou por seis Secretários do Meio Ambiente. “A concepção de ´Estado Mínimo´ fez com que setores da FEPAM se tornassem mais um balcão de licenças do que propriamente um órgão de gestão ambiental”.
A respeito da FEPAM, as entidades ecológicas do Estado do RS consideram ainda que foi uma conquista da sociedade civil e “parece estar sofrendo um processo de intervenção direcionado ao favorecimento do setor econômico, ao arrepio mesmo da legislação ambiental”.
“(...) Independente do difícil quadro ambiental em todos os níveis, é importante que seja assinalado que enquanto prevalecerem as velhas concepções de crescimento econômico com projeções de aumento de consumo e de produção de bens, muitas vezes desnecessários, não será possível vislumbrar uma situação mínima de sustentabilidade ambiental para as sociedades atuais e futuras”, conclui o documento.
Abaixo, a íntegra.XXVII ENCONTRO ESTADUAL DE ENTIDADES ECOLÓGICAS10 e 11 de novembro de 2007 – Viamão / Porto Alegre, RS
DOCUMENTO DE ANÁLISE DA CONJUNTURA DAS POLÍTICAS DE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTOHá trinta e cinco anos, quando ocorreu a I Conferência da ONU sobre Meio Ambiente em Estocolmo, o Clube de Roma já alertava para a insustentabilidade do modelo econômico de crescimento ilimitado. Nos dias de hoje, contudo, ainda não se conseguiu modificar esse sistema irresponsável e irracional que está produzindo alterações desastrosas, por exemplo, nos equilíbrios climático e ecológico do Planeta.
Atualmente, o novo ciclo de expansão econômica está gerando uma fragilização crescente dos direitos sociais e da gestão ambiental no mundo inteiro e, em especial, nos paises considerados emergentes. Em um contexto de “Estado Mínimo”, os recursos aplicados em Meio Ambiente tornam-se cada vez mais minguados e o já precarizado sistema de licenciamento ambiental acaba sendo o principal alvo para o afrouxamento das “barreiras” ambientais. É impressionante que mesmo com o cenário trágico das mudanças climáticas, incontestavelmente relacionadas ao modo de vida da sociedade moderna, o setor econômico não tenha se sensibilizado, reproduzindo velhas fórmulas de crescimento a todo custo.
No Brasil, a opção pelo mercado globalizado destrói pequenas economias, aprofundando o modelo exportador que sempre visou melhorar os tradicionais indicadores econômicos, como o PIB. Exportam-se commodities, com baixo valor agregado, como a soja, a pasta de celulose e os metais, como aço e alumínio. O país mantém o envio ao exterior de seus recursos naturais e fica com os prejuízos ambientais. As metas de superávit e do chamado “risco país” acabam sendo jogos perversos, favorecendo o capital especulativo, onde os indicadores de qualidade de vida não estão contemplados.
No Brasil o verdadeiro risco é outro. Grande parte dele está representado pelo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). O PAC resgata a velha concepção de país como “potência econômica”, por meio de velhos e gigantes empreendimentos gestados, em sua maioria, há mais de trinta anos em pleno governo militar. Naquela época, a sustentabilidade ambiental e a distribuição de renda estavam longe da lógica desenvolvimentista. Símbolo disso foi Itaipu, a maior hidrelétrica do mundo que, mesmo com a destruição de Sete-Quedas e o deslocamento de dezenas de milhares de pessoas, foi mostrada para a sociedade como motivo de orgulho nacional. O mesmo aconteceu com a malfadada Transamazônica, a Hidrelétrica de Balbina e as caríssimas usinas nucleares de Angra. Atualmente, a meta de 5% de crescimento do PIB, proposta pelo governo acaba sendo a justificativa para tudo. Ou seja, agora não mais importa o “meio” e sim o “fim”.
O novo ciclo de expansão econômica dos grandes conglomerados, aliados ao processo de precarização do Estado, traz de volta as políticas de desenvolvimento que fomentam os mega-empreendimentos, agora privatizados através das PPPs (Parcerias Público-Privadas). Delineia-se, assim, a consolidação da aliança entre o governo e as grandes empresas – que aliás financiam as campanhas eleitorais destes governantes – em obras como a Transposição do rio São Francisco, as usinas nucleares, as hidrelétricas do rio Madeira, do rio Xingu, do rio Uruguai e outras incluídas no PAC, muitas delas sem licenças ambientais.
No campo, resgata-se uma “nova” Revolução Verde, muito mais impactante do que na década de 70, devido à escala de produção tornar-se ainda mais gigantesca e ao aprimoramento de tecnologias para monocultura. Fomenta-se aí o incremento aos insumos (adubos químicos, herbicidas, inseticidas, fungicidas, etc.) e a incorporação da transgenia como forma de controle ainda maior das sementes por parte do Mercado. Como resultado, temos maior contaminação química e um risco de a contaminação genética propagar-se indefinidamente, considerando o apoio que a indústria dos transgênicos vem recebendo do Ministério de Ciência e Tecnologia.
O Estado exime-se em não cobrar a rotulação, a segregação de sementes e em não de realizar a fiscalização das irregularidades, em especial da entrada ilegal de OGMs no Brasil. Neste contexto de permissividade, o patenteamento dos seres vivos se torna algo “normal”, o que resulta na nossa cada vez maior dependência com relação às transnacionais que controlam a produção e o mercado agrícola. Essas coorporações obtêm lucros máximos a despeito da contaminação e expansão continuada sobre os biomas brasileiros. Pelo menos em que se refere aos transgênicos, a Justiça tem tido papel de destaque em impedir um avanço ainda maior do processo de liberação.
Entretanto, o quadro agrava-se ainda mais com a opção pelos agrocombustíves, tidos como panacéia para os problemas brasileiros. Até o Pantanal tornou-se alvo da expansão da cana-de-açúcar, trazendo sérios problemas de contaminação a muitos rios, até então límpidos, que serviam para programas turísticos ligados à natureza. Os agrocombustíveis, na realidade, vão virar commodities, sujeitas às oscilações de mercado, com o aprofundamento dos já enormes impactos sócio-ambientais da atual monocultura, competindo com a produção de alimentos. O investimento em agroecologia é mínimo, destacando-se apenas ações por parte do Ministério de Desenvolvimento Agrário e do Ministério de Meio Ambiente.
No aspecto social, o êxodo rural continua crescente, bem como a conseqüente favelização das cidades. Ilustrativo do grande impacto do avanço da fronteira agrícola e do agravamento das questões sociais é o fato de que, das dez cidades com maior índice de homicídios no Brasil, sete estão situadas na região Centro-Oeste, justamente na área do Arco do Desmatamento, entre a Amazônia e o Cerrado. Afora essas regiões, expandem-se sobre o Pampa e a Mata Atlântica milhões de hectares de mono-silvicultura de gigantes empresas papeleiras visando à exportação de pasta de celulose. Ainda, no meio urbano os parâmetros de poluição, violência e miséria já passaram dos padrões aceitáveis, com níveis elevados de desperdício de energia e bens de consumo descartáveis, resultando em uma vida insalubre e, por que não dizer, quase insuportável para a maioria da população.
A despeito do quadro alarmante, hoje a sociedade começa a perceber as conseqüências perniciosas deste modelo. Porém, os governantes e a maior parte da classe política estão afastados do tema. É fundamental que as autoridades sejam cobradas para ações emergenciais e para a necessidade de uma reflexão, de forma democrática, sobre os programas de desenvolvimento adotados. Da mesma forma, deve-se pôr um freio aos mecanismos de financiamento da insustentabilidade, que parecem ter tomado conta do país. Destaca-se aqui a atuação do BNDES que drena bilhões de reais para grandes empreendimentos sem cobrar a viabilidade ambiental e a responsabilidade social das empresas.
No que se refere ao Ministério de Meio Ambiente, fica evidente o caráter de submissão a este modelo de crescimento alucinante, por meio da concessão de licenças a mega-obras, ignorando grandes impactos sócio-ambientais. As políticas ambientais tornaram-se, muito mais, meras formalidades, raramente resistindo à recorrente exigência de flexibilização, dentro da lógica de “não impedir o desenvolvimento”. Neste quadro, as Conferências Nacionais de Meio Ambiente acabaram sendo eventos “chapa-branca”, sem retomar as deliberações tiradas nas conferências anteriores.
No caso do Rio Grande do Sul, seguindo a mesma lógica do modelo hegemônico de desenvolvimento do país, a situação é a mesma, senão pior. No setor agrícola, as políticas continuam se pautando pelo investimento na exportação de commodities, em especial, soja, arroz, trigo e celulose. Na área industrial, permanecemos presos ao paradigma dos investimentos governamentais nos grandes empreendimentos, com utilização midiática e eleitoral, como nos casos das montadoras automotivas e das indústrias de celulose. Exemplo disso foram as eleições de 2006, quando o setor da celulose finaciou as campanhas eleitorais de mais de 70 candidatos a deputados no RS, de diversos partidos, além de candidatos ao governo do Estado.
Atualmente, o quadro ambiental no Rio Grande do Sul é dramático. No que se refere ao Pampa, a cada ano perdem-se de 140 a 400 mil hectares de área relativa ao bioma. O RS não tem mais do que 0,68% de Unidades de Conservação (UCs) de proteção integral. O caso da morte de 80 toneladas de peixes no Rio dos Sinos, no ano de 2006, além de não ter recebido até hoje a devida atenção, demonstrou a fragilidade a que chegou a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA).
Depois de 2002, o Estado passou por seis secretários de Meio Ambiente. A SEMA foi quase extinta no governo anterior. Alguns setores desta Secretaria tiveram seu quadro técnico drasticamente reduzido, como no caso da FEPAM e do DEFAP. Esse fato agravou-se no governo atual, cuja concepção de “Estado Mínimo” fez com que setores da FEPAM se tornassem mais um balcão de licenças do que propriamente um órgão de gestão ambiental. A FEPAM, conquista histórica da sociedade civil, parece estar sofrendo um processo de intervenção direcionado ao favorecimento do setor econômico, ao arrepio mesmo da legislação ambiental.
Desde o início de 2007 até a metade do ano, as entidades ambientalistas, por meio da APEDEMA/RS, realizaram uma série de tentativas de diálogo com a SEMA visando resgatar alguns princípios mínimos de Políticas Ambientais, esfaceladas nos últimos anos. As tentativas foram, contudo, infrutíferas, considerando que a quase totalidade dos questionamentos feitos pelo movimento ambientalista não foi sequer respondida. Outro fato relevante foi a ausência de resposta quanto a realização de Audiência Pública sobre os projetos de silvicultura, em Porto Alegre, solicitada pela APEDEMA e por diversas outras entidades.
Em resumo, poderíamos elencar alguns episódios ilustrativos da desestruturação da SEMA, quais sejam: 1) substituição precoce da Secretária de Meio Ambiente no início deste governo; 2) criação de um GT para desconstituir o Zoneamento Ambiental da Silvicultura (ZAS), elaborado pela própria SEMA; 3) substituição das equipes de licenciamento por técnicos de outros setores, como a EMATER; 4) decisão de fechamento de laboratórios de monitoramento ambiental da FEPAM; 5) promoção acelerada dos licenciamentos municipais, mesmo sem diretrizes consolidadas e com terceirização por parte das prefeituras; 6) desestruturação de setores como DRH e DEFAP; 7) emissão de Licenças Prévias dispensando o EIA-RIMA – exigência legal – como no caso das barragens de irrigação de Taquarembó e Jaguari. E, também focando a desestruturação da área, a tentativa de extinção do Comando do Batalhão Ambiental da Brigada Militar.
O quadro de fragilização deliberada da gestão ambiental continua favorecendo os setores da economia tradicionalmente imediatistas e promotores da degradação. Assim, as políticas adotadas no Rio Grande do Sul permanecem dissociadas das necessárias preocupações com a sustentabilidade, tanto no que se refere ao modelo de desenvolvimento quanto no âmbito da gestão ambiental. Neste caso, torna-se fundamental que sejam invertidas as prioridades, preservando-se os instrumentos de Controle do Estado, em especial o CONSEMA, destacando-se também o fortalecimento do quadro funcional e da infra-estrutura da SEMA, diminuindo-se o peso dos CCs no órgão, e fortalecendo-se os instrumentos, os programas e ações institucionais de meio ambiente, dentre estes o Zoneamento Ambiental da Silvicultura.
Quanto à Política Ambiental do Estado, a APEDeMA-RS reitera as reivindicações especificas do movimento ambientalista gaúcho contidas nos documentos entregues à SEMA, no primeiro semestre de 2007, até hoje não respondidas.
Para finalizar, independente do difícil quadro ambiental em todos os níveis, é importante que seja assinalado que enquanto prevalecerem as velhas concepções de crescimento econômico, com projeções de aumento de consumo e de produção de bens, muitas vezes desnecessários, não será possível vislumbrar uma situação mínima de sustentabilidade ambiental para as sociedades atuais e futuras. Necessitamos de programas com metas, costuradas em conjunto entre ONGs, sociedade, legislativo, judiciário e executivo.
Porto Alegre, 11 de novembro de 2007
Assinado:
APEDeMA/RS
Assembléia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente do RS, organizadora do XXVII Encontro Estadual de Entidades Ecológicas
(
EcoAgência, 19/11/2007)