Como nenhum pesquisador brasileiro participou do grupo de 40 pessoas que redigiu o quarto relatório síntese do IPCC (Painel Intergovernamental da Mudança do Clima) --da América Latina participaram apenas dois argentinos--, representantes do governo federal tiveram de intervir para que a região fosse lembrada, de alguma forma, no texto final.
"A ênfase do sumário acabou sendo muito sobre os países do Norte, por causa dos autores, que fizeram o texto muito sob a perspectiva deles", disse à Folha José Miguez, coordenador geral de Mudanças Globais de Clima do MCT (Ministério da Ciência e Tecnologia). Ele foi um dos representantes brasileiros na reunião de Valencia.
Um dos problemas enfrentados na negociação do texto final, segundo Miguez, foi em relação ao desmatamento da Amazônia. "O documento estava dando uma visão distorcida. A questão do desmatamento das florestas, por exemplo, estava aparecendo com o mesmo peso que a queima dos combustíveis fósseis", por pressão dos países petroleiros.
"Em termos de grandes setores, a área energética que queima combustíveis fósseis é a grande vilã. Mas os países da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) sempre tentam levar o foco para outras questões, como para o desmatamento. Mas cada vez mais isso tem ficado mais claro", comentou.
Em uma das tabelas apresentadas no próprio documento divulgado ontem na Espanha a questão fica elucidada: em termos de emissões totais de gases que contribuem para o efeito estufa, segundo números de 2004, a queima dos combustíveis fósseis representa 56,6% do total, enquanto desmatamento e queimadas respondem por 17,4%. Apesar da diferença, o setor florestal é a terceira maior fonte de emissões.
Se não entraram como vilãs, as florestas tropicais brasileiras tampouco aparecem com destaque entre as vítimas do aquecimento. A Amazônia não está no relatório como um dos ecossistemas mais frágeis do planeta. O risco de savanização é mencionado apenas como eventual impacto regional. Mais destaque mereceu o semi-árido, citado especificamente como uma das regiões do globo mais sensíveis à seca.
Com Kyoto até o fim
Miguez também delineou a posição que o Brasil deverá adotar na conferência de Bali: o país é favorável ao aprofundamento do Protocolo de Kyoto, não à adoção de metas obrigatórias de redução de emissões em um outro acordo, que englobasse todos os países.
Para ele, o debate sobre corte de emissões deverá acontecer em dois "trilhos", com os países ricos adotando metas obrigatórias mais rígidas em uma extensão do acordo atual e os países em desenvolvimento contribuindo com reduções voluntárias, já preconizadas pela Convenção do Clima da ONU. As nações industriais devem se opor a isso em Bali.
(Por Eduardo Geraque, Folha de S. Paulo, 18/11/2007)