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ipcc
2007-11-16
Enquanto o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) dá os últimos retoques em seu relatório final deste ano, dois de seus mais importantes cientistas fazem uma análise do painel e avaliam quão bem ele funciona. Aqui está a visão de John Christy, Professor de Ciências Atmosféricas da Universidade do Alabama, tido como um dos principais pesquisador sobre a questão da mudança na temperatura:

"O IPCC é uma estrutura em torno da qual centenas de cientistas e outros participantes estão organizados para fazer uma triagem da abundante literatura sobre a mudança climática e produzir uma síntese das descobertas mais importantes e relevantes. Estas descobertas são publicadas periodicamente para informar os formuladores de políticas ambientais sobre onde os membros do IPCC acreditam que o clima da Terra esteve, para onde está indo e o que poderia ser feito para adaptar ou mesmo ajustar as conseqüências previstas.

Embora a maioria dos participantes sejam cientistas e confiram uma aura de objetividade ao trabalho, dois pontos devem ser notados: Isto é, de certa forma, um processo político (toda vez que os governos são envolvidos acaba sendo assim). Cientistas são meros mortais observando um sistema tão complexo que nós não podemos prever com precisão seu futuro, nem mesmo cinco dias à frente.

O processo político começa com a seleção dos autores principais, já que são indicados por seus próprios governos. Portanto, já de antemão, a máquina política das nações membros tem um papel na pré-seleção dos participantes principais. E pode ir além disso. Em uma reunião dos autores principais do IPCC na Nova Zelândia, lembro de uma conversa durante um almoço com três europeus que eu não conhecia, mas que foram autores em outros capítulos. Sentei à mesa com eles porque era conveniente.

Depois de me apresentar, observei em silêncio enquanto a discussão continuava. A conversa se resumiu nisso: 'Temos de escrever o relatório de forma tão enfática que convença os Estados Unidos a assinar o Protocolo de Kyoto'. Política, ao menos para alguns dos autores principais, era uma parte importante do processo. E enquanto o relatório de 2001 estava sendo escrito, Robert Watson, presidente do IPCC na época, testemunhou diante do Senado americano em 2000 veementemente defendendo o Protocolo de Kyoto - hoje considerado um fracasso, até mesmo pela revista Nature.

Sigam a manada
Como eu disse acima - e talvez isso seja uma surpresa - cientistas são meros mortais. A tendência a sucumbir ao pensamento do grupo e ao instinto de seguir a manada (hoje chamado formalmente de informational cascade) é talvez tão forte entre cientistas como em qualquer outro grupo porque nós, por definição, temos de ser "os que sabem" (do latim sciere, saber). Você não ousa ser visto como "o que não sabe", por isso nós sucumbimos à pressão para ser vistos como "os que sabem".
   
Balões como este são usados para coletar dados sobre temperaturas
Isto leva, na minha opinião, a um exagero na confiança com que as descobertas são publicadas e a uma pronta aceitação das opiniões de sumidades. O ceticismo, uma das marcas da ciência, é olhado com desdém. (Eu suspeito que a burocracia do IPCC diminui quando sou identificado como um dos autores mais importantes do IPCC). A declaração chave do relatório do IPCC de 2007 pode ser parafraseada assim: 'Nós temos 90% de confiança de que grande parte do aquecimento dos últimos 50 anos é de responsabilidade humana'.

A informação que nos é ocultada é que esta afirmação é baseada em uma fórmula feita por computadores, não por observação direta. O fato básico é que não temos termômetros que indicam 'esse aquecimento foi causado por humanos' e '"este por causas naturais'. Portanto, eu teria escrito a conclusão desta forma: 'Nossos modelos climáticos são incapazes de reproduzir as temperaturas da superfície de 50 anos atrás sem interferência da nossa opinião sobre a influência do efeito estufa no clima. Outros processos podem também ser responsáveis pela mudança climática'.

Modelos enxutos
Para mim, a elevação dos modelos climáticos ao status de ferramentas definitivas de predição nos tentam a considerá-los como super confiantes. A coisa funciona da seguinte forma. Modelos de computador são ferramentas básicas para estimar o futuro do clima. Muitos cientistas (ou seja, meros mortais) têm sido cativados por uma imagem do IPCC na qual a curva da temperatura da superfície global do século 20 é revestida de uma associação de modelos de simulação de temperatura durante o mesmo período.

Modelos essenciais para o futuro do clima
As observações parecem estar no centro da associação dos modelos, o que implica que estes são formulados de maneira tão eficiente e completa que podem muito bem reproduzir o passado. Sem saber muito sobre os modelos climáticos, qualquer grupo pode ser persuadido por esta imagem e acreditar que os modelos são precisos. No entanto, esta forma de pensamento apresenta uma falha crucial.

Como você pode ver, cada criador de modelos sabia que a resposta estava à frente do tempo. (Esses gritos que você acaba de ouvir são os protestos dos meus colegas na comunidade dos modeladores - eles sabem o que está por vir). Ao contrário, na minha opinião, esta imagem persuasiva não se trata de experiência científica de forma alguma. O acordo apresentado pode muito bem ser relacionado com um software inteligente quanto com os princípios básicos da ciência. A experiência apropriada e objetiva é testar o resultado dos modelos contra quantidades antes desconhecidas.

Mundo complexo
Nosso grupo é um dos poucos a construir do zero, para fins de testes como estes, uma variedade de dados sobre o clima. Já que construímos dados aqui, temos necessidade de sermos céticos sobre os 'argumentos das autoridades', em favor das observações reais, ainda que imperfeitas. O melhor conselho a respeito do conhecimento científico, que certamente se aplica ao clima, me foi dado pelo senhor Mallory, meu professor de física do ensino médio. Ele propôs que nós sempre começássemos uma declaração científica com se seguinte declaração: 'No nosso atual nível de ignorância, nós achamos que sabemos…'
 
John Christy
Neste ano, o relatório do IPCC prevê grandes alterações climáticas.
Nesse esquema modelos versus comparações de dados, nós encontramos inconsistências graves - portanto, sou cético com relação a nossa habilidade de invocar causa e efeito sobre o passado e o futuro do clima.

A Mãe Natureza é incrivelmente complexa, e pensar que os mortais são tão espertos e perceptivos que podem criar um código no computador que reproduz com precisão os milhões de processos que determinam o clima é um exagero de confiança (pense em prever as complexidades das nuvens).

De todos os cientistas, os especialistas em clima deveriam ser os mais humildes. Nossos colegas na área de previsão de tempo aprenderam isso há muito tempo, parcialmente porque foram indicados como responsáveis pelas previsões climáticas todos os dias. Na minha opinião, ainda devemos esperar muito incerteza ao responder a pergunta sobre quanto aquecimento foi provocado pelos gases do efeito estufa e sobre o que devemos esperar no futuro.

Visão explosiva
Como essa situação pode ser melhorada? Certa vez eu disse que o processo adotado pelo IPCC era a pior forma de compilar conhecimento científico, com exceção de todos os outros. Aperfeiçoamentos foram feitos durante os anos, principalmente por meio da publicação de comentários e respostas às conclusões. Bravo.

Eu acho que uma forma simples de mostrar ao mundo que há outras opiniões acerca das diferentes conclusões do IPCC seria criar algum tipo de fórum semi-oficial para permitir que essas visões fossem colocadas. Esses autores de opiniões alternativas deveriam ser submetidos às mesmas regras dos autores dos relatórios do IPCC, insto é, deveriam ser eles mesmos os revisores finais dos textos e terem a autonomia para decidir o que será ou não publicado.

Se isso acontecesse, eu suponho que a blogosfera iria entrar em erupção e, quem sabe, algum pensamento iluminado surgisse. Eu continuo participando do IPCC (a menos que algum funcionário do IPCC leia esta missiva e me vete) por que eu não apenas tenho com o que contribuir, por causa de minhas pesquisas, mas também tenho inúmeras oportunidades de aprender coisas novas no painel – e, assim, matar a curiosidade que é a alma de um cientista. Eu posso conviver com as desavenças a respeito de nuances e avaliações subjetivas, já que elas não me impedem de expressar o que penso e simplesmente me lembram que os cientistas são todos pessoas comuns.

Sabedoria
Não me entenda mal. O dióxido de carbono atmosférico continua a aumentar devido aos inegáveis benefícios que os combustíveis à base de carbono trazem à humanidade. Esse aumento vai ter um impacto sobre o clima por causa das propriedades do CO2. Entretanto, há muito pouco conhecimento fundamental nessa área, e nossa própria pesquisa, em áreas-chave, indica que não estão ocorrendo mudanças alarmantes.

O melhor conselho a respeito do conhecimento científico, que certamente se aplica ao clima, me foi dado pelo senhor Mallory, meu professor de física do ensino médio. Ele propôs que nós sempre começássemos uma declaração científica com se seguinte declaração: 'No nosso atual nível de ignorância, nós achamos que sabemos…' Bom conselho para o IPCC e para todos nós."

(Por John R. Christy, BBC, 16/11/2007)
* John R. Christy é professor e diretor do Centro de Ciências do Sistema Terrestre da Universidade do Alabama, em Huntsville, nos Estados Unidos. Ele colaborou com todos os quatro grandes relatórios do IPCC, sendo um dos autores principais em 2001 e um dos autores colaboradores em 2007.



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