A juíza federal substituta Clarides Rahmier que se prepare para o chumbo grosso que vem por aí. Ontem (13/11), o governo do Estado do Rio Grande do Sul, por meio da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema) e da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), anunciou que vai recorrer da decisão da magistrada da Vara Ambiental da Justiça Federal de Porto Alegre.
Na sexta-feira (09/11),
Clarides determinou que a Fepam deixe de emitir qualquer tipo de licenciamento ambiental para empreendimentos ligados à Silvicultura, passando a superintendência gaúcha do Ibama a ser responsável pelo licenciamento. Apenas neste ano, a Fepam já autorizou o plantio de quase 48 mil hectares e outros 40 mil estão na primeira fase do licenciamento.
A liminar proíbe o órgão estadual de emitir licenças ambientais para implantação ou ampliação de plantios de eucalipto no Pampa. A decisão teve como base duas ações civis públicas do Ministério Público Federal e das ONGs ambientalistas, Ingá, Igré, Amigos da Água Limpa e do Verde, Agapan, entre outras, e proíbe os plantios mesmo fundamentados com o Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima). “Vamos recorrer até a ultima instância”, disse ainda na segunda-feira o titular da Sema, Carlos Otaviano Brenner de Moraes.
O superintendente do Ibama no Estado, Fernando da Costa Marques, disse que o órgão ambiental encaminhou a liminar ainda ontem (13/11) à Procuradoria Geral do Ibama e à Diretoria de Licenciamento Ambiental, em Brasília sobre a possibilidade de recorrer ou não da decisão. Se o Ibama acatar a liminar, Marques garante que a superintendência gaúcha dará conta do recado. “Acredito que temos condições sim, já que temos diversas equipes que podem vir a trabalhar junto, inclusive com técnicos de fora do Estado”, afirmou. Após a criação do Instituto Chico Mendes, o Ibama gaúcho ficou com apenas 100 funcionários.
A Aracruz, por meio de sua assessoria de imprensa, lamentou o fato e salientou que “no curso do processo de licenciamento de suas atividades florestais no Rio Grande do Sul, a empresa observou rigorosamente as leis aplicáveis e a orientação dos órgãos competentes”.
A nota diz ainda que a decisão judicial de suspender provisoriamente parte dos investimentos no Rio Grande do Sul não levou em conta os extensos estudos ambientais realizados pela Aracruz e que foram exigidos e julgados adequados pelos órgãos a quem, nos termos da lei, compete essa avaliação, portanto, “pretende recorrer da decisão para retomar os compromissos de natureza econômica, social e ambiental assumidos com o Estado do Rio Grande do Sul”.
O diretor-florestal da Votorantim Celulose e Papel (VCP), José Maria de Arruda Mendes Filho adiantou que a defesa da empresa será baseada num documento assinado pela superintendência do Ibama onde o órgão declara que a Fepam estaria plenamente habilitada ao licenciamento da atividade no Estado. “O Ibama já havia declarado que iria designar a Fepam para isso”, ponderou o engenheiro florestal. Ele argumenta que a ação da juíza é muito subjetiva ao falar da necessidade do EIA-Rima, mas o da VCP já foi feito há um ano. “Vamos mostrar que estamos dentro da legalidade, além de provar que respeitamos muito mais o meio ambiente do que a própria lei preconiza”, revelou.
Ele destacou que enquanto a lei permite plantar eucaliptos em 80 hectares de cada 100, a empresa preserva 55 hectares. A VCP tem hoje 100 mil hectares de terras compradas na Metade Sul e destes, deve plantar 45 mil hectares. “Se fosse pela lei, poderíamos plantar 80 mil hectares”.
Já a Stora Enso informou que seguiu na íntegra as normas legais vigentes e um acordo específico feito com o Ministério Público Estadual para a implantação de todos os seus plantios realizados no Estado em 2006 e 2007. O diretor –florestal da Divisão América Latina da Stora Enso, João Fernando Borges, recorda que a empresa concluiu em agosto o EIA-Rima de seu empreendimento. O estudo, afirmou o executivo, apresenta um levantamento minucioso dos aspectos ambientais e socioeconômicos da área do empreendimento e seus impactos. “O EIA/Rima já está sendo analisado pela Fepam e será discutido em audiência pública agendada para dezembro, como determina a legislação para licenciamento ambiental”, ponderou.
Em relação à liminar emitida pela Justiça Federal, Borges salientou que o entendimento da empresa difere em vários pontos daqueles utilizados para justificar a medida e comunicou que a empresa também irá recorrer da sentença. Sobre a polêmica com as ONGs, comentou que a Stora Enso “tem como política buscar o diálogo com as ONGs e tem tido êxito ao discutir questões ambientais relacionadas ao bioma Mata Atlântica”. O representante da empresa se disse surpreso que algumas ONGs de Porto Alegre tenham optado por uma Ação Civil, o que levou a discussão sobre o desenvolvimento da Metade Sul para a esfera jurídica e longe das comunidades que de fato serão impactadas pelo empreendimento. De acordo com Borges, o Brasil e o Rio Grande do Sul já convivem com o eucalipto desde o século 19. “É de se estranhar usar o princípio de precaução para uma árvore que tem sido tão amplamente estudada por instituições de pesquisa em vários países e é reconhecida pelos benefícios que geram à sociedade”, concluiu.
No Pampa, não!O objetivo das ONGs é o de acabar com os possíveis danos causados pelo plantio de árvores exóticas na região sul, especialmente no bioma Pampa. Cíntia Barenho, do Centro de Estudos Ambientais de Pelotas (CEA), afirma que a decisão de Clarides confirma muitos pontos de legalidade e constitucionalidade duvidosa e até inexistentes, que o CEA já havia inclusive alertado em diversas oportunidades.
“Questionamos as políticas de favorecimento que o governo do Estado tem praticado aos empreendimentos poluidores e socialmente negativos ligados a celulose e ao papel”, lembrou a ambientalista. Para os membros da ONG de Pelotas, área de atuação da VCP, a liminar, de certa forma, chega tardia, pois, dizem eles, chega depois da crise na gestão ambiental do estado protagonizada pelo autoritarismo desse governo estadual em função das pressões e ameaças inaceitáveis que as empresas fizeram. E ainda, muito depois da tentativa inconstitucional de regularização dos plantios ilegais, em razão de, entre outros motivos, serem autorizados sem a exigência constitucional do EIA/RIMA. “Por outro lado, demonstra que ainda podemos encontrar ações institucionais, inclusive no judiciário, de forma a não aceitar as flexibilizações dos regramentos ambientais, impostas pelas empresas e atendidas pelo atual governo estadual e pelos municípios da região”, ponderou Antonio Soler e Eugenia Dias, ambientalistas do CEA.
Para os três, a decisão é prudente em considerar que os impactos ambientais e sociais a serem gerados por tais empreendimentos vão além do nível local (estadual), anuncio que os ambientalistas há muito fazem, notadamente com relação a degradação do Bioma Pampa, que se alastra pela Argentina e Uruguai.
Para a presidenta da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Edi Xavier Fonseca, a juíza não desprestigiou a Fepam, mas sim passou a responsabilidade para todos os órgãos, ou seja, cada um deve assumir a sua parte. “A Fepam continuará agindo no licenciamento mas o Ibama terá de atuar nas áreas de fronteira”, explicou. No entanto, a ambientalista acredita que o Ibama gaúcho não terá melhores condições de infra-estrutura e recursos do que a própria Fepam para atuar no licenciamento da Silvicultura. “A Justiça só está cobrando que cada um faça a sua parte”, concluiu.
Já a ambientalista da União Pela Vida (UPV), Maria Elisa, considerou a liminar “uma medida sensata”. Segundo ela, não se trata se o Ibama tem ou não tem condições de licenciar os plantios, mas sim de não estar submetido às mesmas pressões que o órgão estadual está. “Não temos nada contra a atividade em si, apenas consideramos indispensável que o zoneamento ambiental seja cumprido”, disse.
O Núcleo Amigos da Terra Brasil (NAT), embora não seja parte nas ações, acredita que a decisão contrribui na ampliação da discussão, para o nível nacional, dos conflitos sociais e ambientais que estão acontecendo no Estado em decorrência dos planos de expansão e ocupação territorial pelas grandes empresas de papel e celulose, no bioma Pampa. Conforme sua coordenadora-geral, Lúcia Ortiz, a decisão também expõe a postura do Governo do Estado e da Fepam que, “contra a posição do seu quadro técnico, vinha favorecendo a implantação das atividades destas empresas no RS, desconsiderando o necessário regramento, como o proposto no Zoneamento Ambiental da Silvicultura elaborado pela própria Fepam, agora corretamente valorizado pela via judicial.”
Bioma dividido Para a efetivação dos projetos no Estado, o bioma foi dividido em 3 sub-áreas por parte das empresas: Aracruz Celulose, Stora Enso e VCP. Devido a abrangência dos investimentos e áreas previstas para a implantação da silvicultura, de forma a orientar o licenciamento ambiental, foi proposto um Zoneamento Ambiental para esta atividade por meio de um Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado em 12/05/2006 entre a FEPAM/SEMA e o Ministério Público Estadual.
Em nota divulgada à imprensa, a juíza destacou que “houve um desvio de finalidade na atuação” do órgão ambiental estadual, ao adotar “como critério preponderante o porte dos investimentos envolvidos em detrimento dos princípios da prevenção e precaução, indispensáveis à garantida dos difusos interesses sócio-ambientais”. Assim como Maria Elisa, da UPV, a juíza crê que o Ibama, como órgão federal, estaria afastado das pressões locais para a concessão dessas licenças.
Berfran Rosado, coordenador da Frente Parlamentar Pró-Florestamento da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, avalia a liminar da juíza Clarides, como “contrária à legislação e a tendência da legislação futura”. Segundo o deputado, o próprio Governo Federal encaminhou ao Congresso Nacional uma proposta de legislação que prega exatamente o sentido contrário da liminar. “Municipaliza o processo de licenciamento quando o impacto ambiental for restrito ao município”, destacou.
Ele lembra que nos demais Estados da Federação quem decide é o órgão estadual e que a decisão da juíza é uma atitude centralizadora. “É contra os interesse do Estado e das comunidades”, avaliou. O parlamentar lembrou ainda que a Fepam vem cumprindo todas as prerrogativas da lei, inclusive com a realização de
audiências públicas em cada uma das regiões. Rosado entende que a juíza deve manter um comportamento que se harmonize com os interesses da sociedade. “Evidente que precisamos garantir os recursos naturais para as futuras gerações, mas é necessário avaliar também a compatibilidade com os empreendimentos”, afirmou.
O deputado criticou a atuação do Ministério Público Federal no caso. De acordo com ele, o que pode ser cobrado pelo MPF é o cumprimento da legislação e isso já vem sendo feito pela Fepam. “Todos os requisitos legais estão sendo rigorosamente cumpridos”, concluiu.
Metade Sul apóia Fepam Prefeitos dos municípios da Metade Sul estiveram ontem na sede da Sema, em Porto Alegre e entregaram ao secretário Brenner de Moraes e para a diretora-presidente da Fepam,Ana Pellini, documento de apoio sobre a liminar da juíza federal.
Brenner de Moraes classificou o apoio como uma importante manifestação de solidariedade e afirmou que a Fepam é uma instituição altamente respeitada, reconhecida dentro e fora do Estado pelo seu rigor e competência de seus profissionais. Já Ana Pellini, ponderou as rigorosas condições impostas para plantios florestais, considerando as características ambientais das diversas regiões do Estado. Estas diretrizes, de acordo com ela, têm como referência as Convenções Internacionais que o país é signatário, as Constituições Federal e Estadual, a legislação ambiental e as normas técnicas que estabelecem princípios, critérios e indicadores para o manejo de plantações florestais. “A decisão tira a autonomia do Estado e vamos recorrer em todas as instâncias”, afirmou, reiterando que a Fepam está tranqüila, pois sabe que todas as licenças foram emitidas com total responsabilidade e cuidado.
De acordo com o prefeito de Arroio Grande e presidente da Associação dos Municípios da Zona Sul do Estado (Azonasul), Jorge Luiz Cardoso, a atitude é extremamente preocupante e pode afastar os investimentos da região e, conseqüentemente, a geração de empregos e desenvolvimento. “Não entendemos como uma juíza federal pode barrar os licenciamentos, quando temos no RS um órgão competente para faze-lo. Perder esses investimentos traria incontáveis prejuízos a região Sul”.
(Por Carlos Matsubara, com colaboração de Luiza Oliveira Barbosa, Ambiente JA, 13/11/2007)