Desde a sua fundação, em 1971, a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural - AGAPAN, tem se envolvido com aspectos ambientais atinentes à instalação e funcionamento de indústrias de papel e celulose em solo gaúcho.
Nesse particular cabe destacar a atuação do seu Presidente, José Lutzenberger, no episódio relacionado com a empresa Borregaard, instalada na cidade de Guaíba. A referida empresa teve que parar seu funcionamento até que restassem resolvidos todos os aspectos relativos às emissões aéreas e aos efluentes resultantes de sua operação, considerados nocivos à saúde pública e ao meio ambiente aquático.
No início da década de 90, já sob novos controladores, quando da proposta de duplicação da Klabin-Riocell, a AGAPAN analisou o projeto, fez críticas e sugeriu uma série de melhorias, especialmente quanto aos efluentes líquidos e sólidos (AOX, dioxinas e furanos). Esta duplicação não veio a ocorrer. A AGAPAN, tem apreciado o assunto não só pelo aspecto ambiental mais .clássico. (potencial dano ao solo, ar e água), mas também pelo aspecto paisagístico, já que a indústria é plenamente visível de Porto Alegre, havendo .impacto cênico.
A AGAPAN, Entidade que integra o Comitê do Lago Guaíba, através de seus conselheiros, associados e técnicos colaboradores, teve a oportunidade de examinar o EIA-RIMA recebido, em formato digital (PDF). Apresentamos abaixo nossa análise crítica e recomendações à Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler, FEPAM, com vistas ao processo de licenciamento do empreendimento:
Alternativas Locacionais Neste item os autores afirmam que das duas localidades alternativas propostas, a primeira, no município de Camaquã, não seria recomendada porque a região não é um pólo industrial importante, havendo, portanto baixo impacto de atividades industriais.
O segundo local analisado, Rio Grande, segundo o RIMA foi descartado em função de que .outro empreendimento vai se instalar. na região e .não seria ambientalmente recomendável dois empreendimentos deste porte. próximos. Sabe-se que os outros impactos se tratam de uma unidade industrial da Votorantim Papel e Celulose (VCP), a qual já adquiriu áreas rurais e vem implantando a silvicultura para uma futura fábrica de celulose.
Esta argumentação é inválida, haja vista não haver detalhamento do projeto desta outra indústria, assim como Estudo de Impacto Ambiental, não sendo, portanto possível, avaliar seus efeitos cumulativos potenciais. Da mesma forma, como afirmar que os impactos em Rio Grande seriam maiores que em Guaíba, a montante? Se os efluentes tratados fossem lançados ao mar, por exemplo, não haveria menor impacto ao meio aquático da Laguna dos Patos? Claro que então teria que se avaliar, por exemplo, os impactos ambientais derivados deste destino para lançamento dos efluentes.
De outra parte, não seria a locação da nova fábrica em Rio Grande, e posterior desativação da planta em Guaíba, uma oportunidade de devolver a paisagem do Lago Guaíba à população, além de eliminar o impacto das emissões líquidas e aéreas da já tão combalida região metropolitana? Isso também deveria ser avaliado no estudo locacional. Esta proposta já havia sido considerada pela FEPAM na análise do antigo projeto de duplicação da então Riocell em 1992, pois os conflitos que já haviam ocorrido se deviam a inadequação da localização.
Tecnologia de Produção de CeluloseDesde os anos 90 vem se debatendo que a .solução final. para grande parte dos problemas dos efluentes líquidos da indústria de celulose seria o fechamento do circuito ou .efluente zero., ou seja, a adoção de tecnologia que priorize a qualidade das águas do entorno, pela não geração de efluentes. Esta discussão continua muito atual, como se pode constatar nas revistas e websites do setor de papel e celulose. O projeto em análise segue com a utilização de branqueamento baseado em seqüência com dióxido de cloro, dita como .estado da arte, não havendo consideração para tecnologias alternativas.
Os autores do EIA-RIMA anexaram um documento da empresa de consultoria e engenharia Poyry afirmando que a tecnologia circuito fechado é inviável. Por outro lado, há estudos indicando que a tecnologia de branqueamento com oxigênio seria um caminho possível para chegarmos às fábricas .efluente zero. (Ritchlin & Johnston. Zero Discharge: Technological Progress Towards Eliminating Kraft Pulp Mill Liquid Effluent, Minimising Remaining Waste Streams And Advancing Worker Safety. ISBN 0-9680431-2-7, 1999). Em 1992, a FEPAM já havia condicionado o licenciamento para duplicação à adoção de tecnologia que eliminasse totalmente o cloro do processo industrial em 15 anos após a implantação da ampliação, garantindo .incremento zero dos compostos organoclorados nas águas do Lago Guaíba (Anexo 2).
Qual o investimento feito em pesquisa e desenvolvimento desta tecnologia por parte dos antigos donos e da atual controladora Aracruz S.A.? Aparentemente, nada foi feito nestes 15 anos neste sentido... Em termos concretos, vê-se que o avanço tecnológico e ganho ambiental se restringiu à substituição do cloro elementar pelo dióxido de cloro e outras alterações no branqueamento da celulose na planta existente em Guaíba.
Ora, sabe-se que os avanços tecnológicos em qualquer setor industrial muitas vezes se dão a partir de decisões sócio-econômicas e políticas da Sociedade Civil. Um exemplo disto é a eliminação do CFC (clorofluorocarbono) dos sistemas de refrigeração a partir da constatação que prejudicam a camada de ozônio. A vontade da Sociedade Gaúcha, transmitida pelo órgão ambiental licenciador, expressa em 1992, não foi cumprida.
Impactos Ambientais - Meio HídricoOs impactos do empreendimento na qualidade da água do lago Guaíba que, junto com os impactos na qualidade do ar, são os potencialmente mais nefastos do empreendimento, não foram caracterizados adequadamente. As razões serão minuciosamente analisadas a seguir, tendo por referência textos retirados dos próprios relatórios com comentários e demandas que são apresentadas pela AGAPAN.
Simulação Numérica - BatimetriaFonte: V- b - Simulação Numérica da Dispersão do Efluente da Unidade Guaíba - Aracruz
Celulose
Página 9: .Foi elaborada uma grade numérica (Figura 02) que abrange o Delta do Jacuí e o Lago Guaíba, com 200x500 elementos na horizontal e 11 camadas na
vertical, sendo que a sua batimetria foi interpolada a partir de cartas náuticas
digitalizadas. Comentários: Não foi informada a data da batimetria que deu origem às cartas náuticas utilizadas. Esta informação é essencial pois é conhecido que o Lago Guaíba sofre um intenso processo de assoreamento, que altera permanentemente a sua batimetria. Devido à relevância de um estudo de dispersão de resíduos no meio hídrico, um dos impactos potencialmente mais significativos da expansão da indústria de celulose em tela, seria muito importante que fosse disponibilizada uma batimetria recente.
Qualidade de água do Lago GuaíbaPágina 10: .As forçantes empregadas foram: descarga fluvial, forçada na porção Norte da grade com vazão de 350 m3/s; e vento, na qual se utilizou dados reais correspondentes ao período de 1 a 14 de janeiro de 2006 (Figura 03). A duração dos dois experimentos foi de 14 dias ou 336 horas.. Página 11: .O valor de 350 m3/s para a descarga fluvial, corresponde a vazão de rio mínima em que o emissário é mantido em funcionamento. Comentários: Estas condições adotadas carecem de justificativa. Um modelo de dispersão deve ser executado considerando a ocorrência de condições críticas relacionadas ao aumento de concentração de poluentes no lago. Sabe-se que o vento é uma das variáveis mais significativas para a qualidade de água do Lago Guaíba. No próprio EIA/RIMA apresentado é comentado, in verbis:Capítulo Caracterização dos Recursos Hídricos, páginas 53 e 54: É comum a ocorrência de .vazões negativas. (o escoamento se dá no sentido inverso - de jusante para montante) com reflexos nos seus afluentes, especialmente nos rios Gravataí, Sinos e Caí, elevando o tempo de residência das águas que afluem ao Guaíba.
A característica de ser receptor das águas drenadas pelas bacias a montante faz com que a qualidade das águas do Lago Guaíba seja dependente, não somente das ações existentes no seu entorno, mas também daquelas havidas nas bacias dos rios que a ele afluem. O aporte de carga dos rios formadores, principalmente dos rios Gravataí e Sinos, bem como o contínuo lançamento de efluentes domésticos e industriais provocam um progressivo decréscimo da qualidade das suas águas, associados a situações de conflito, provocando problemas de disponibilidade hídrica, nas regiões agrícolas que integram a Bacia Hidrográfica do Lago Guaíba.
Diversos trabalhos relatam a inversão do sentido natural de escoamento do sistema Guaíba - Lagoa dos Patos, quando da formação de marés de certa amplitude, combinadas com ventos do quadrante sul (DMAE, 1986; Casalas & Cybis, 1985; Silveira, 1986; Silveira & Tucci, 1988). Além da inversão destacam-se correntes corn rumo indefinido, denominadas correntes de transição (DNAEE, 1983), que contribuem para o aumento do tempo de residência das águas no Guaíba, dificultando a diluição e dispersão de efluentes e poluentes que aportam neste sistema.
O modelo matemático de qualidade de água do Lago Guaíba confirma que a região situada fora do canal de navegação funciona como um lago, com maior tempo de residência das cargas presentes na coluna de água, enquanto na estreita região do canal, as cargas têm um tempo de residência reduzido (DMAE, 1978). Considerando o volume médio do lago de 1.440.200.000 m3 (DMAE, 1978) e a vazão média de 1.193 m3/s obtém-se para as águas do Guaíba um tempo de residência ou turn-over (T = VIQ, conforme Ha Kanson & Peters, 1995) médio de aproximadamente 14 dias.
De maneira geral, o Lago Guaíba funciona como um reservatório, que recebe expressiva carga de água e sedimentos, e, cuja seção de saída, em Itapuã, funciona como controle dos níveis de montante e jusante. As flutuações do nível da água da Laguna dos Patos e a direção e a intensidade dos ventos predominantes na região são os fatores controladores do escoamento do Lago Guaíba, podendo haver alterações no seu fluxo durante o dia, inclusive ocasionando o represamento das águas. Essas considerações justificam as preocupações de entender o Lago Guaíba não só como um canal de extensão dos rios tributários, mas como um tipo de reservatório bastante complexo..
Não se pode utilizar um modelo matemático como se fosse uma exigência burocrática para a aprovação de um EIA/RIMA. Um modelo dessa natureza deve ser usado para avaliar as condições de concentração de poluentes nas condições mais severas quanto à manutenção de qualidade de água no corpo hídrico. Esta demanda não foi atendida e sequer comentada, o que invalida totalmente os resultados.
Estimativa de coeficientes de difusão e outros
Página 13: .Além do transporte pelas correntes, considerou-se o espalhamento causado por processos turbulentos e moleculares. Os coeficientes de difusão turbulenta foram calculados de acordo com Smagorinsky (1963), e o de difusão molecular foi considerado constante, na ordem 1x10-5 m2/s..
Comentário: Não é aceitável que sejam adotados coeficientes teóricos da literatura, geralmente obtidos em corpos de água de países com condições bastante distintas da do Lago Guaíba.
Resultados apresentados da simulaçãoPágina 13: .Em todos os casos considerou-se que a concentração inicial no ambiente (background concentration) era nula, fato esse que não invalida os resultados, dado que todos foram considerados parâmetros conservativos. Para obter a concentração real de cada um basta somar as concentrações simuladas pelo modelo com as concentrações de .background. medidas em campo..Comentários: Não é correta essa afirmação. O que o EIA/RIMA é obrigado a mostrar é a situação sem a expansão da indústria de celulose e a situação com a expansão, em termos de concentração da poluição. A questão é determinar se a capacidade de assimilação do Lago Guaíba a poluentes está ou não esgotada. O EIA não responde a esta questão.
1.Todos os coeficientes de difusão deverão ser medidos especificamente no Lago Guaíba para que os resultados reflitam a sua realidade. O modelo de dispersão deverá ser executado outra vez com esses valores medidos.
2. Deverá ser usado um modelo de qualidade de água que simule as condições de
advecção/dispersão/depuração do Lago Guaíba considerando toda a carga de poluentes atualmente lançada, mostrando as situações sem e com o empreendimento. Em decorrência disto, a qualidade de água resultante, caso o empreendimento seja licenciado.
3. O modelo matemático de dispersão deve ser executado novamente usando uma batimetria atualizada, preferencialmente levantada especificamente para este Estudo de Impacto Ambiental.
4. O modelo de dispersão hídrica deverá ser executado novamente com base na ocorrência de uma situação crítica de concentração de poluentes, que envolva baixas vazõs afluentes e ventos nos quadrantes que promovam a ocorrência de fluxos negativos (de jusante para montante) no Lago.
Em virtude das carências acima comentadas, entende-se que a modelagem de qualidade de água é insuficiente para avaliação do impacto do lançamento de poluentes no lago Guaíba.
Há necessidade de ser realizado um estudo de maior detalhe, com:
1. levantamento prévio da morfologia do lago, usando-se batimetria recente,
2. estimativa dos coeficientes usados no modelo tendo por base levantamento de campo e não referências da literatura;
3. avaliação das condições meteorológicas que estabelecem condições mais críticas para a qualidade de água do lago, em seus diversos
4. compartimentos (ou seja, poderão ocorrer condições diversas que afetem ora a
margem de Porto Alegre, ora a margem da cidade de Guaíba, etc), considerando as vazões à montante, os níveis de água a jusante, a velocidade, direção e sentido do vento e os seiches;
5. estimativa das cargas totais de poluentes lançados no Lago Guaíba nas
situações sem e com o empreendimento, de forma que se possa avaliar
com correção como ficará a sua qualidade;
6. especialmente deve ser analisada a situação de um acidente na estação de
tratamento de efluentes que cause o despejo de resíduos no lago sem
completo tratamento, bem como os impactos que esse acidente pode
causar na qualidade de água do lago.
4.2. Meio Atmosférico
O estudo apresentado, feito por SECA, usa os dados mensurados nas chaminés para modelagem, APENAS da fonte atual e da futura linha 2. Ou seja, não considera o efeito cumulativo e sinérgico de outras fontes pontuais (como o Pólo Petroquímico e as Termelétricas de Charqueadas e São Jerônimo) e difusas, como a região metropolitana de
Porto Alegre. A qualidade do ar na região metropolitana está longe de ser excelente... Qual será o real impacto desta nova fonte de emissões?
5. Análise de Risco
A análise de risco da DNV só considera 4 substâncias perigosas, para o cálculo do índice de risco: cloro, acido clorídrico, hidrogênio, dióxido de cloro, dióxido de enxofre, GLP.
Porém, o recente acidente na VERACEL (Bahia), que supostamente é a fábrica mais moderna do mundo ocorreu com os condensados da evaporação do licor. Ver abaixo:
Inspeção técnica avalia acidente na VeracelA Veracel informa a ocorrência de um acidente com sete vítimas sem nenhuma gravidade e sem qualquer impacto ambiental, registrado no início da noite de sexta-feira, 21 de setembro, na sede de sua fábrica, em Eunápolis. Todas as vítimas foram encaminhadas ao ambulatório da empresa e liberadas em seguida por terem apresentados leves queimaduras de respingos do licor.
A empresa apura as causas do evento, ocorrido em um dos tanques de licor negro
(substância utilizada na produção da celulose), o que provocou a ruptura e o deslocamento da tampa do tanque, com vazamento do líquido. De consistência pastosa, a substância ficou contida nas áreas próximas do tanque.
O processo de limpeza foi iniciado no final de semana. Embora a fábrica já esteja
tecnicamente em condições de voltar a operar com segurança, a Veracel somente o fará após a conclusão da inspeção técnica que vem sendo feita por diversos especialistas.
O licor negro não é tóxico e por isso não oferece riscos aos colaboradores da empresa nem à comunidade. A substância é resultante do processo de cozimento da madeira para dissolver a lignina e separar as fibras. Depois de eliminada a água pelo processo de evaporação, a substância é totalmente queimada na caldeira de recuperação, gerando vapor e energia elétrica, além de possibilitar a recuperação dos reagentes utilizados no cozimento.
Não haverão outros riscos no processo industrial, além das substâncias perigosas listadas? E suas misturas acidentais? E o impacto é apenas sobre o ser humano? E fauna e flora,principalmente aquática?
6. Conclusão e RecomendaçõesAlém do exposto acima, a AGAPAN considera que o EIA-RIMA apresentado revela sérias lacunas quanto ao efetivo impacto do empreendimento previsto e recomenda a FEPAM que sejam esclarecidas e realizadas as seguintes complementações, antes da concessão de qualquer licença:
1. Estudo detalhado em conjunto dos impactos dos 2 empreendimentos previstos para a Bacia Hidrográfica da Laguna dos Patos (ARACRUZ E VCP);
2. Considerando a fundo a possibilidade de implantação dos dois empreendimentos na cidade de Rio Grande;
3. Análise do impacto cumulativo dos efluentes líquidos no Lago Guaíba;
4. Análise do impacto cumulativo das emissões aéreas na região metropolitana;
5. Sobre o lançamento da caldeira a carvão, não foram apresentadas as emissões, principalmente em relação aos elementos voláteis como mercúrio, selênio e outros;
6. Não existe um detalhamento sobre o lançamento dos efluentes no Lago Guaíba em função da produção que irá aumentar de 450.000ton/celulose/ano para
1.800.00ton/celulose/ano. O Lago Guaíba terá condições de suportar?
7. Qual a relação deste projeto de quatriplicação em Guaíba com as fábricas da Bótnia no Uruguai, da Veracel na Bahia e das plantas da Aracruz no Espírito Santo?
8. Por que não está sendo utilizando o ciclo fechado para o tratamento de efluentes, já que essa tecnologia existe?
9. Não consta neste estudo nenhum indicativo que revele o aumento dos impactos ambientais na cidade de Porto Alegre;
10. Não constam estudos de impactos na malha hidroviária e rodoviária do Estado, uma vez que, o projeto de expansão desta fábrica tem relação direta com o programa de silvicultura que se encontro em análise no CONSEMA, cujo o estudo foi realizado pela FEPAM, sobre o Zoneamento Ambiental da Silvicultura . ZAS.
(Agapan,
Eco Agência, 12/11/2007)