Oitocentos quilômetros a oeste de Anchorage, no Estado norte-americano do Alasca, na costa da baía de Kangirlvar, está assentada a comunidade esquimó Yup’ik da localidade de Toksook Bay, que concentra 110 residências, uma escola e uma pista de pouso. Seus habitantes ganham a vida com a pesca comercial, o trabalho na escola e o governo local e com a caça de subsistência. A linha do horizonte é relativamente plana em torno de Toksook Bay, mas há pouco surgiram alguns elementos novos acima da tundra.
No ano passado, três turbinas eólicas de 100 quilowatts, cada uma com 33 metros de altura, começaram a fornecer energia a esta comunidade de 600 habitantes. Hoje, cerca de 20% da eletricidade local procede do vento, segundo Brent Petrie, gerente de contas da Cooperativa elétrica de Aldeias do Alasca (Avec), que possui e opera o projeto. A centenas de quilômetros de qualquer parte, as mercadorias chegam a Toksook Bay, e a mais de cem outras aldeias e povoados localizados fora do sistema rodoviário, por navio ou avião. A maioria destas comunidades obtêm a eletricidade a partir de geradores alimentados a diesel, fonte energética cada vez mais difícil de custear.
“Em 2002, nossa conta de combustível foi de US$ 1,5 milhão. No ano passado chegou a US$ 4,3 milhões’, disse Brad Reeve, gerente-geral da Associação Elétrica de Kotzebue (KEA), uma cooperativa sem fins lucrativos que fornece energia aos 3.100 habitantes de Kotzebue, 41 quilômetros ao norte do Círculo Polar Ártico. No Alasca rural a eletricidade custar entre 40 e 50 centavos de dólar por quilowatt é algo comum. Em comparação, em Anchorage esse preço está mais perto dos 12 centavos por quilowatt. Enquanto outras aldeias como Toksook Bay buscam alternativas, não surpreende que estejam se voltando à energia eólica. Aproximadamente cem comunidades do Alasca, especialmente as que se localizam na costa, têm fortes recursos eólicos.
O Alasca já tentou antes aproveitar o potencial do vento. No início da década de 80, quando o Estado tinha dinheiro em abundância derivado do petróleo, cerca de 140 projetos eólicos floresceram em todo seu território, mas, gerando pouca energia, por culpa de um mau planejamento e de uma tecnologia imatura. Reeve citou o exemplo de uma turbina destinada a Kotzebue que nunca foi instalada porque suas bases foram feitas ao lado de uma pista de pouso. Hoje, projetos melhor organizados demonstram que a energia dos fortes ventos costeiros do Alasca pode ser aproveitada economicamente. Reeve está instalado turbinas eólicas, poucas por vez, fora de Kotzebue, desde 1997.
Incluindo a instalação este ano de três novas turbinas, a fazenda eólica da Associação Elétrica de Kotzebue agora abriga 17 turbinas, o que a converte na maior unidade desse tipo no Estado. Entre 5% e 7% da eletricidade do povoado são gerados a partir do vento. Em um ano típico, isso representa 350 mil litros de diesel que a Associação deixa de comprar. Esses números deveam aumentar na medida em que as três novas turbinas começarem a funcionar. Com o diesel a US$ 2,50 por quase quatro litros, o preço citado por Reeve em outubro, a economia continua aumentando.
St. Paul, uma comunidade da etnia Aleut de 460 habitantes situada na ilha de mesmo nome, 482 quilômetros a oeste do Alasca continental, no mar de Bering, também conta com uma turbina eólica funcionando desde 1997. Propriedade da firma TDX Power, a turbina, de 225 quilowatts, fornece cerca de 40% da energia usada por um aeroporto industrial de pouco menos de um hectare. Às vezes, o vento fornece mais eletricidade do que a unidade pode usar, então este excedente é usado para aquecer o edifício.
Ron Philemonoff, presidente da TDX Power, disse que o projeto foi financiado através de um programa privado de contratos de recompra, pagável em sete anos. Agora, a idéia é não substituir os sistemas a diesel, mas complementá-los. Ao integrar vento e diesel, os sistemas permitem às turbinas gerarem energia quando sopra o vento, e os geradores a diesel assume a tarefa quando os ventos diminuem. “Em St. Paul há meses em que o diesel não é usado”, disse Ian Baring-Gould, engenheiro do Laboratório Nacional de Energias Renováveis dos Estados Unidos. A tecnologia existe para que o vento satisfaça entre 60% e 70% das necessidades energéticas de comunidades com bons recursos eólicos.
Um punhado de outras comunidades do Alasca ocidental também incorporaram turbinas eólicas às suas centrais elétricas, com êxito variado. Um projeto em Wales, comunidade de 140 habitantes no sudeste de Kotzebue, foi problemático porque as turbinas foram ajustadas com retroatividade a um sistema de diesel já existente. Reev e Baring-Gould concordam que as turbinas funcionaram bem, mas a integração com o velho diesel causou problemas. Fica a pergunta sobre o impacto das turbinas do Alasca sobre as aves, mas, nenhum ainda foi documentado. Os projetos em St. Paul, Tokssok Bay e Kotzebue estão em terra, o que deve ajudar a evitar o contato com aves marinhas. Mas, dados inadequados dificultam o julgamento.
“Eu diria que não sabemos o suficiente para afirmar uma coisa ou outra, ainda”, disse Ellen Lance, bióloga da divisão de Serviços Ecológicos e Espécies em Perigo do Serviço de Pesca e vida Silvestre dos Estados Unidos no Alasca. “Esperamos aprender através de associações com construtores”, acrescentou. Adaptar a tecnologia eólica ao clima extremo do Alasca tem sido um grande desafio. Manter os sistemas refrigerados pode ser um problema em climas mais quentes, mas no Alasca foi preciso fazer modificações para garantir que os lubrificantes e outras partes funcionassem no frio extremo.
Instalar bases em permafrost (camada de gelo permanentemente congelada nos níveis superficiais do solo), especialmente em áreas onde há derretimentos, é difícil e pode aumentar os custos de instalação, segundo Petrie. Mas, os êxitos de St. Paul, toksook Bay e Kotzebue mostraram que levar a energia eólica ao Alasca é tecnicamente possível. “A tecnologia não é um obstáculo, mas um desafio”, disse Baring-Gould. Entretanto, a economia pode ser problemática. Não só é caro embarcar os equipamentos e trabalhar no entorno remoto, mas também as turbinas de tamanho médio necessárias nas comunidades pequenas não estão em alta demanda em outras partes.
“Em todo o mundo há pouquíssimas empresas que fabricam as turbinas menores’, disse Chris Rose, do Projeto Alasca de Energias Renováveis, uma organização sem fins lucrativos que trabalha para aumentar o uso dessas fontes no Estado. “A menos que haja um mercado maior para esse tipo de turbina, elas sempre serão mais caras por quilowatt instalado”, acrescentou. como resultado, os projetos eólicos podem custar entre cinco e 10 vezes mais por quilowatt do que projetos maiores construídos em locais menos afastados, livres de permafrost, segundo Meera Kholer, a presidente da Avec.
Para complicar mais o aspecto econômico, um subsidio do Estado chamado Equalização de Custos de Energia paga parcialmente os elevados custos da eletricidade rural. Embora o programa tenha ajudado as aldeias a manterem as luzes acesas inclusive em vista do alto preço do diesel, também dá algum incentivo para investir em programas que possam reduzir os futuros preços da energia. A legislação que abre seu caminho através da legislatura do Estado pode estabelecer um teto para as escalas econômicas, para incorporar mais projetos eólicos e de outras energias renováveis.
Se for aprovado, o projeto 152 da Câmara de Representantes criará um fundo de empréstimos e subsídios para energias renováveis. Sua aprovação e um financiamento adequado do programa pode indicar uma nova direção nas políticas energéticas do Alasca. “É um momento emocionante, especialmente no Alasca. É rentável, sabemos disso. Tecnicamente, é viável, e está sendo feito. Agora é mais uma questão de política, do que querem fazer como Estado e do que nós queremos fazer como nação”, disse Baring-Gould.
(Por Barbara Maynard*,
Envolverde, 13/11/2007)
* A autora viveu no Alasca entre novembro de 2004 e junho de 2006, e visitou duas vezes as comunidades da costa ocidental. Este artigo é parte de uma série sobre desenvolvimento sustentável produzida em conjunto pela IPS (Inter Press Service) e IFEJ (siglas em inglês de Federação Internacional de Jornalistas Ambientais).