Quase nenhum brasileiro vai a Fernando de Noronha motivado pelo título de Patrimônio da Humanidade que o arquipélago recebeu em 2001. Muitos (mais de 86%) nem ao menos sabem disso. “Nos países desenvolvidos, os governos se aproveitam dessa titulação para atrair turistas, divulgando como se o lugar fosse ‘único no mundo’. Aqui no Brasil, ninguém explora isso. No caso de Fernando de Noronha, este fato ficou explícito”, conta Glória Maria Widmer, que defendeu doutorado que aborda a questão pela Faculdade de Educação (FE) da USP, em agosto.
Em O título de patrimônio da humanidade e seus efeitos sobre o turismo em Fernando de Noronha, ela escreve que, na Europa, a quantidade de oferta de atrativos culturais é alta. Isso “estaria levando países como a Itália, França e Espanha a uma corrida pelo status de Patrimônio Mundial”, de tão grande que é o número de pedidos de inscrição de bens culturais, na tentativa de agregar valor à sua atratividade.
Glória, que é formada em Direito e Turismo, mostra que ser dono de uma titulação como essa pode contribuir para limitar ou inviabilizar a atividade turística de um lugar, para aumentar o valor turístico ao bem titulado ou se transformar em um dos principais ou até mesmo no principal elemento a motivar sua visitação. No caso de Noronha, nenhum desses efeitos se mostrou de forma significativa entre os entrevistados na pesquisa. Glória sugere que o Governo Federal invista em propagandas externas para chamar o turista estrangeiro, há muito habituado à educação ambiental e à consciência ecológica e que, por conta disso, poderia trazer um “turismo de qualidade” ao arquipélago.
Tais campanhas teriam maior impacto sobre “países da Europa com frio excessivo, ou Japão, cujas populações tiram férias em maio, agosto ou setembro, épocas de baixa temporada e pouca visitação ao parque”, afirma a pesquisadora. Segundo ela, o número máximo de turistas que Noronha comporta, e que o Ibama permite entrar, é de 420 pessoas. Há períodos em que esse número não chega a 50.
Polêmica
Para concluir a tese, além de se apoiar em inúmeros dados de órgãos públicos, como o Ibama e a Administração do Distrito Estadual de Fernando de Noronha, pesquisa bibliográfica e documental, Glória viajou três vezes ao arquipélago, onde ficou durante uma semana a cada ida. Lá, aplicou questionários aos visitantes e fez sua pesquisa de campo.
Além do trabalho em si, deparou-se com uma situação preocupante. Durante a alta temporada, navios de turismo com até 1.500 passageiros atracam próximos às ilhas, desovando grande parte de seu contingente nas praias do arquipélago, que já costuma estar lotado. O pior: como vêm do mar, e não da terra firme, invadem áreas cuja visitação é limitadíssima. Um exemplo é a Praia de Atalaia, que fica ao lado do único mangue em ilhas oceânicas (como é o caso de Noronha) do hemisfério sul. “Se é um parque nacional marinho, suas águas deveriam ser protegidas da entrada dessas pessoas”, sugere.
Glória diz que é uma grande ilusão achar que lá o turismo serve de exemplo para o resto do País. “É bom se comparado a outros pontos de grande visitação do Brasil, mas está longe de ser ideal”, critica. Mesmo com alguma fiscalização, a alta concentração de pessoas no verão degrada o ambiente. Não há onde armazenar o lixo, por exemplo, que é levado embora por barcos.
Ranking
Até dezembro de 2006, havia 830 sítios inscritos como Patrimônio da Humanidade em 138 países, sendo 644 culturais, 162 naturais e 24 mistos. Neste ranking, o Brasil tem a quarta melhor classificação entre os que possuem sítios naturais, atrás dos Estados Unidos, Austrália e Rússia. Fernando de Noronha está entre os 17 sítios brasileiros, sendo 10 culturais e sete naturais.
Distribuídos pelas cinco regiões do país, eles se apresentam de formas variadas, como as de monumentos isolados, a exemplo das ruínas de São Miguel das Missões; de conjuntos arquitetônico-urbanísticos de cidades inteiras, como Ouro Preto; de centros históricos, como em Salvador e Olinda; de ambientes estritamente delimitados, como o Parque Nacional Serra da Capivara e de conjuntos de Unidades de Conservação da Natureza, assim como o Complexo de Conservação da Amazônia Central.
Mais informações: (0XX11) 3665-9047, com Glória Maria Widmer, ou pelo email gmwidmer@uol.com.br
(Por Laura Lopes, Agência USP, 12/11/2007)