Como um estudante folgazão diante de iminência de um exame final, o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, enfrenta a crise dos hidrocarbonos estabelecendo ambiciosas metas para produzir anualmente 35 bilhões de galões de agrocombustíveis até 2017. O governo Bush pisa no acelerador da produção de etanol, alarmado pelo aumento do preço do petróleo, pela instabilidade em regiões ricas em hidrocarbonos e pela crescente competição por esses recursos por potências como China e Índia. Porém, empurrado por poderosos interesses, o mandatário escolheu o milho para extrair etanol, uma opção cara, ineficiente e destrutiva.
O etanol não é intrinsecamente um mau negócio. Embora esteja em pauta desde que Henry Ford o considerou como o combustível para seu modelo Ford T, a única nação que explora seu potencial prático é o Brasil. Um amplo setor do transporte desse país utiliza etanol extraído da cana-de-açúcar, que abastece os tanques de veículos adaptados para o uso desse biocombustível, fabricados no próprio Brasil. Com uma eficácia energética oito vezes superior à do álcool obtido do milho, o etanol brasileiro teria conquistado completamente o mercado norte-americano se Washington não tivesse aplicado sobre ele uma tarifa aduaneira de US$ 0,54 por galão (3.78 litros) com a intenção de proteger o setor do milho norte-americano.
Nos últimos anos, grandes distribuidoras de alimentos como Cargill e Archer Daniels Midland pressionam a Casa Branca e o Congresso para obter generosas subvenções destinadas à produção de milho, que se somam à barreira alfandegária de US$ 0,54 por galão. O etanol de milho resulta um mau negócio em muitos aspectos. Como antídoto à mudança climática, sua contribuição é insignificante, já que emite apenas 13% menos gases causadores do efeito estufa do que a gasolina. Seus custos elevados já são evidentes para 800 milhões de pessoas que não têm alimento suficiente no mundo.
A pressão exercida pela demanda por etanol de milho causou. no ano passado. no México, aumento de 50% no preço das tortillas, a base da alimentação dos mexicanos. China e Índia começam a sofrer a inflação provocada pelo encarecimento do milho e também da soja. Os estoques mundiais de alimentos se reduzem a níveis nos quais não será possível enfrentar uma grande fome como a que secas, inundações e outros distúrbios climáticos provocam cada vez com maior freqüência.
Entretanto, o etanol de fontes não alimentares pode proporcionar significativos benefícios ambientais e econômicos e evitar a oposição, eticamente detestável, entre combustível para os ricos ou alimento para os famintos. Por exemplo, o etanol de celulose, que é obtida de dejetos de madeira e pastagem, oferece uma alternativa potencial. Considerado inicialmente há uma década, foi lento em seu desenvolvimento, pela escassez de capitais e pesquisas e por um obstáculo tecnológico substancial para obter de maneira eficaz e econômica a decomposição enzimática da complexa cadeia química da celulose em grande escala. Até hoje não se construiu nenhuma usina de etanol de celulose e esse processo enzimático continua sendo mais caro do que o do milho.
A chave para reduzir os impactos econômicos e ambientais do etanol consiste em usar dejetos de alimentos e cultivos explicitamente dedicados à produção de combustíveis em terras desgastadas ou impróprias para outras formas de agricultura. Há uma espécie de justiça poética em replantar as Grandes Planícies da América do Norte com as resistentes pastagens originárias que alguma vez alimentaram milhões de búfalos. Apesar de este tipo de produção estar muito atrás em matéria de subsídios e investimentos em relação ao milho, o etanol de celulose está começando a ganhar impulso.
Não houve nada nas últimas décadas que tenha gerado no setor privado tanto entusiasmo nem investimentos como esta produção, disse Keith Collins, economista-chefe do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos. Porém, mesmo com o milho sendo finalmente substituído pela celulose, continuaremos enfrentando o desafio de impor aos intermediários do agronegócio, uma das forças mais potentes no mundo, o alinhamento com as necessidades humanas, o que está longe de ser sua prioridade.
Ironicamente, os altos preços dos alimentos não ajudam os agricultores nem os consumidores. Como dizia uma canção popular na época da depressão nos Estados Unidos, o intermediário é quem leva tudo. O alimento deve estar, sobretudo, a serviço de um direito humano, não sendo uma simples matéria-prima que se comercializa às custas daqueles que não podem tê-la. Devemos nos conscientizar disto e estruturar um sistema de produção de combustíveis e de alimentos inspirado mais em valores humanos do que no interesse dos acionistas.
(Por Mark Sommer *,
Envolverde/Terramérica, 12/11/2007)
* O autor é colunista e diretor do premiado programa de rádio A World of Possibilities. Direitos reservados IPS.