Nos últimos 10 anos, de 1997 a 2006, o consumo de carvão pela indústria de ferro de Minas Gerais fez desaparecer quase 17,3 mil quilômetros quadrados de matas nativas brasileiras. É como se uma área correspondente à soma de 52 municípios, tendo, cada um, o tamanho de Belo Horizonte, fosse inteiramente desmatada para encher fornos de carvão.
Mais de um quarto dessa devastação atingiu o Cerrado e a Mata Atlântica de Minas: 4.585 quilômetros quadrados. É um dado extremamente preocupante para um estado em que apenas um terço do território ainda é coberto de vegetação nativa, já incluídos nessa conta os parques federais e estaduais. Há um agravante. As matas nativas que restam estão concentradas no Norte, justamente a região mais visada pelo mercado carvoeiro. Como nos demais estados, a principal vítima é o Cerrado, bioma onde nascem e crescem os formadores de importantes bacias hidrográficas brasileiras: São Francisco, Paranaíba, Xingu, Araguaia, Tocantins e Parnaíba.
Amparada na legislação permissiva e no bom momento do mercado internacional de produtos siderúrgicos, a dilapidação das matas nativas continua. Este ano, até setembro, o carvão injetado nos altos-fornos correspondeu à queima de 2.341 quilômetros quadrados de mata nativa de 16 estados. Cerca de 39% desse estrago foi feito em Minas. Ou seja, a supressão de 913 quilômetros quadrados de vegetação.
Passadas três décadas de experiência com florestas plantadas, com forte absorção de tecnologia na produção de espécies de eucalipto de alto rendimento nos mais diversos tipos de solo, relevo e clima, seria razoável supor que o carvão de mata nativa tenha se tornado um resquício, um insumo limitado a pequenos produtores de ferro gusa descapitalizados. Não confere. No Brasil, o maior consumidor é o grupo Gerdau, uma transnacional brasileira presente em 10 países, que produz aço em sociedades fortemente mobilizadas na defesa do meio ambiente, como os Estados Unidos e o Canadá. Recentemente, o grupo divulgou ter faturado R$ 25,1 bilhões nos primeiros nove meses de 2007, resultado de uma expansão nas vendas de 16,1% em relação a igual período de 2006.
As três siderúrgicas da Gerdau em Minas, instaladas em Contagem, em Divinópolis e em Barão de Cocais, receberam, de 2005 a setembro de 2007, quase 2,4 milhões de metros cúbicos de carvão de mata nativa, que demandaram o corte, em média, de 28,8 milhões de árvores. Considerando apenas o carvão de mata nativa procedente de Minas, foi necessário abater 13,6 milhões de árvores.
Para uma empresa que exibe em seu site na internet, no capítulo de responsabilidade social, uma muda de árvore amparada por um vergalhão de aço, os números de consumo de carvão de mata nativa em 2007 não ajudam. De janeiro a setembro, foram 516.635 metros cúbicos, procedentes principalmente de Minas Gerais e do Mato Grosso do Sul, pela ordem. A empresa também recebeu carvão da Bahia, de Goiás, do Piauí e de São Paulo. No período, também foi campeã entre os grandes consumidores de carvão de mata nativa. Para isso, o equivalente a 6,2 milhões de árvores tiveram de ser abatidas e levadas aos fornos.
Seguem na tabela de grandes consumidores de carvão nativo a Ferguminas, com 386.207 metros cúbicos, a Metalsider, com 384.203 metros cúbicos, a AVG, com 337.832 metros cúbicos, a Calsete, com 267.761 metros cúbicos, e a Companhia Siderúrgica Pitangui, com 256.362 metros cúbicos. Os números de algumas empresas, menores em valores absolutos, impressionam pela participação do insumo de mata nativa no carvão total consumido. Como a Usisete, com 63%, e a Siderpa, com 62%.
Mesmo empresas com alto percentual do suprimento baseado no carvão de florestas plantadas mantêm um consumo expressivo, em números absolutos, do produto obtido com mata nativa. É o caso da Valourec & Mannesmann, usina instalada na região do Barreiro, em Belo Horizonte. Em 2007, mais de 90% do carvão consumido pela fabricante de tubos de aço veio de florestas plantadas. No entanto, de janeiro a setembro de 2007, a empresa recebeu 104.396 metros cúbicos de carvão nativo, quase todo produzido em Minas.
Há honrosas exceções. Como a antiga Acesita, atualmente controlada pelo grupo Arcelor Mittal. Nos anos de 2005, 2006 e até setembro de 2007 não consumiu nem sequer um metro cúbico de carvão de mata nativa. O suprimento da empresa, fabricante de aços especiais ,estabelecida em Timóteo, tem se mantido na casa dos 600 mil metros cúbicos por ano, provenientes integralmente de florestas de eucalipto.
(Bernardino Furtado,
Estado de Minas, 11/11/2007)