Diante da situação grave que estamos vivendo no semi-árido nesse momento - 600 km de São Francisco podres, longa estiagem nos nove estados do Nordeste e Norte de Minas -, não poderia haver perspectiva mais cruel que o governo federal cancelar seu apoio ao Projeto Um Milhão de Cisternas (P1MC) na região. Pois saibam, o risco é real.
Quem está vacilando no seqüenciamento do projeto é o governo federal, particularmente o ministro Patrus Ananias. Ele tem lá suas razões. Pressionado por CPIs, o governo está com medo de todas as contabilidades, particularmente de um investimento vultoso como nesse projeto. Está esperando a prestação de contas.
Nós defendemos também a lisura no uso dos recursos públicos. Vale lembrar que os recursos destinados para construir as 220 mil cisternas já feitas chegaram fielmente ao seu objetivo, não só nas obras, mas também no processo educativo. Esses recursos, distribuídos para aproximadamente 60 Unidades Gestoras, podem apresentar algum problema de contabilidade. Entretanto, nada de essencial que prejudique o âmago do projeto.
Portanto, o governo não pode se deixar pegar por pêlos em casca de ovo, ou filtrar mosquitos para engolir camelos. Não se pode prejudicar um projeto que já beneficiou um milhão de pessoas com água potável a troco de picuinhas contábeis. Espera-se que o próprio Tribunal de Contas da União tenha uma visão humanitária do projeto, não bloqueando-o por qualquer moeda furada. Que se corrija o que há de se corrigir, mas que avance.
Entretanto, há outra questão mais grave em jogo. O governo estaria redirecionando cerca de 28 milhões de reais destinados ao projeto para os braços das prefeituras e governadores aliados ao governo em todo o semi-árido. Seria correto que o estado, em nível municipal e estadual, fizesse essas obras. Seria necessário tomar os recursos da transposição e investir realmente no Atlas do Nordeste e demais tecnologias sociais para saciar a sede humana e alavancar o desenvolvimento com povo. Seria uma nova concepção de desenvolvimento para o semi-árido, não essa velharia do governo atual.
Porém, a única prefeitura em todo semi-árido brasileiro que tomou a construção de cisternas como política foi a de Pintadas, interior da Bahia, na administração de Neuza, hoje deputada estadual pelo PT. Dar essa guinada num ano eleitoral, sem critérios de boa política é voltar ao passado, é fortalecer a indústria da seca, é fragmentar o que já ganhou caráter regional, é transformar a sede humana em moeda eleitoral, é um desrespeito ao direito humano à água. É acabar com o único projeto que realmente põe água no copo das populações mais pobres do semi-árido.
Sabemos que o governo Lula não fez sequer um único programa estruturante para os mais pobres. O PAC é para o capital. Porém, apoiou até agora a construção das cisternas, que é uma iniciativa da sociedade civil. Não queremos e nem podemos retirar o mérito do governo federal. Entretanto, abandonando esse, não restará absolutamente uma agulha do governo Lula para as populações empobrecidas, a não ser o Bolsa Família, que qualquer presidente cancela com uma canetada, já que não foi transformado em política de Estado. Portanto, é hora das pessoas de bom senso reagirem e apoiarem as manifestações da ASA em todo o semi-árido em defesa das cisternas.
Dia 13 de Novembro, em Feira de Santana, os que já foram beneficiados - só quem tem uma cisterna sabe o quanto ela vale - começam manifestar publicamente sua insatisfação contra esse possível corte governamental ao projeto. É a hora da onça beber água e Patrus também.
(Por Roberto Malvezzi, Gogó *,
Adital, 09/11/2007)
* Agente Pastoral da Comissão Pastoral da Terra (CPT)