Ampliação do cultivo de cana-de-açúcar para todo Rio Grande do Sul é a principal meta de instituições para alcançar autonomia na produção de combustível alternativo, atualmente importado de outros estados
Pelotas - Com produção de menos de 2% do álcool consumido, viabilizar a cultura da cana-de-açúcar de forma sustentável no Rio Grande do Sul é a principal meta de instituições e cooperativas que buscam o crescimento econômico da agroindústria gaúcha. A necessidade da expansão da fronteira agrícola e da ampliação do setor sucroalcooleiro foram verificadas em estudos como fundamentais ao desenvolvimento do Estado, uma vez que a importação atual de 98% de álcool, do total de 1,3 bilhão, representa mais de R$ 1 bilhão por ano em gastos, além dos R$ 200 milhões que deixam de ser arrecadados em impostos.
Os estudos comprovaram que, com novas variedades da planta adaptadas aos diversos ambientes do Estado e tecnologias diferenciadas no manejo e no beneficiamento da produção, é possível garantir viabilidade técnica e econômica da implantação da cana-de-açúcar, inclusive em alguns municípios da região, em que até pouco tempo se acreditava ser inviável.
Os dados foram verificados em levantamento do potencial energético gaúcho realizado pela Subcomissão de Cana-de-açúcar, Álcool e Etanol da Assembléia Legislativa, com a colaboração de diversos setores, como Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural Ascar (Emater/RS) e Petrobras.
Desde terça-feira, o assunto é discutido no Simpósio Estadual de Agroenergia, que reúne, no auditório da Embrapa Clima Temperado, mais de 200 pessoas, entre técnicos, pesquisadores e produtores de diversos estados brasileiros. “O Rio Grande do Sul precisa definir seu projeto”, afirmou o deputado Heitor Schuch, relator da Subcomissão. “Além do combustível, poderemos produzir álcool hospitalar, além de cachaça, melado e rapadura. A planta também pode ser utilizada na alimentação de gado de corte e leite.”
De acordo com o deputado, antigamente o cultivo era feito sem tecnologia adequada e sem variedade e perdeu importância econômica. Atualmente, com o anúncio da Braskem do primeiro polietileno a partir do etanol de cana-de-açúcar, certificado mundialmente com 100% de matéria-prima renovável, essa cultura se tornou economicamente atraente.
Produção diferenciada
Diferente da forma de cultivo em São Paulo e Paraná (hoje referências no setor), o Rio Grande do Sul terá sistema de produção centrado em pequenas e médias propriedades, aos moldes da única cooperativa que produz álcool atualmente no noroeste do Estado - a Coopercana.
A tecnologia da atual usina foi importada de São Paulo e produz cerca de sete milhões de litros de álcool, dos 18 bilhões produzidos no Brasil. De acordo com o coordenador do Departamento Agrícola, Ricardo Hammacher, apesar de representar 0,05% da produção nacional e não possuir a tecnologia adequada às condições gaúchas, a Coopercana é referência no Estado pelo pioneirismo e iniciativa.
“Para expandir a produção teremos de desenvolver tecnologia apropriada à situação climática e fundiária local”, explicou. “Precisamos de usinas ainda menores que a da Coopercana e pulverizadas nas mais diversas regiões como alternativas para driblar as geadas e o regime hídrico, que hoje são os principais entraves. É preciso encarar também o cultivo como alternativa junto com às demais produções.”
Os cerca de 300 associados são responsáveis desde o plantio até o beneficiamento da planta e a distribuição do etanol. Dos 10 mil hectares em propriedades agrícolas nos municípios de Porto Xavier, Porto Lucena e Roque Gonzales, 2.450 são destinados ao cultivo da cana-de-açúcar. Nos demais permanecem as tradicionais culturas como soja, milho, gado de leite e de corte, além da piscicultura. Na mesma propriedade é possível encontrar ainda cultivos de cana com diferentes finalidades, desde a produção de álcool até a fabricação dos derivados da planta em agroindústrias familiares.
Novas tecnologias
Para viabilizar a cultura da cana-de-açúcar no Rio Grande do Sul, diversas empresas vêm desenvolvendo tecnologias diferenciadas. Uma delas é a Alsol que busca o aprimoramento no conhecimento para produção de álcool e biodiesel, com objetivo de substituir a petroquímica pela etnoquímica.
Segundo o engenheiro da Alson, José Valle Antunes Júnior - que palestrou no Simpósio Estadual de Agroenergia - para desenvolver o cultivo é necessário, além de conquistar apoio das políticas públicas, estudar formas diferenciadas de produção, definir a melhor logística, planejar as indústrias de beneficiamento e conquistar, futuramente, a distribuição do produto. “Precisamos passar do combustível fóssil para a produção pela fotossíntese. Temos de pensar também que com uso da biomassa ainda podemos produzir, além de alimentos, bioenergia”, avaliou.
Antunes ressalta ainda a utilização do vinhoto (resíduo pastoso que sobra após a destilação fracionada do caldo de cana-de-açúcar) na produção de energia, assim como a adequação das empresas automobilísticas que já buscam novas tecnologias na fabricação de motores à base de combustíveis alternativos e renováveis.
Embrapa estuda alternativas
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), no projeto Desenvolvimento da Cultura da Cana-de-açúcar para o Rio Grande do Sul, realiza uma série de pesquisas com apoio da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), universidades e instituições parceiras. Entre os pontos estudados estão os recursos e melhoramento genéticos, manejo do solo e ecofisiologia da planta, além de zoneamento pedoclimático, manejo fitossanitário e a utilização dos subprodutos da cana-de-açúcar na economia da produção.
De acordo com o pesquisador da Embrapa, Sérgio Delmar, os experimentos são realizados em 22 municípios, em que toda observação dos cuidados necessários é concretizada. Os estudos estão previstos até março de 2012, com objetivo de introduzir, desenvolver e recomendar cultivares de cana-de-açúcar adaptadas aos diversos ambientes do Estado, além de recomendar práticas de manejo da planta e de solo e avaliar o potencial de uso de subprodutos e de resíduos industriais da planta como fertilizante, ração animal e fonte de energia.
Para Delmar, o desenvolvimento de cultivares adaptadas a cada região permitirá alterar os limites geográficos atualmente estabelecidos para essa cultura, o que beneficiará diretamente os produtores, além de viabilizar o aumento da oferta de emprego e de renda e promover a auto-suficiência energética nas propriedades rurais envolvidas no cultivo.
(Por Thais Miréa, Diário Popular, 08/11/2007)