As altas concentrações de nitrogênio e fósforo tornam os resíduos de estações de tratamento de esgoto (lodos) uma fonte barata de nutrientes para a agricultura. Entretanto, pesquisa do agrônomo Estevão Vicari Mellis mostra que, dependendo da origem do esgoto, o lodo pode conter metais pesados em concentrações elevadas. “O mau uso desse resíduo pode contaminar o solo e por conseqüência as plantas ali cultivadas", destaca o pesquisador.
Mellis pesquisou o comportamento de cádmio, cobre, zinco e níquel no solo em amostras coletadas em experimento onde desde 1999 foram efetuadas aplicações sucessivas de lodos de esgoto na cultura do milho, em Jaguariúna (interior de São Paulo), "Os lodos vieram da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) de Barueri (SP), que trata esgoto doméstico e industrial, e da ETE de Franca (SP), que trata esgoto essencialmente doméstico", aponta o agrônomo, pesquisador do Instituto Agronômico de Campinas (IAC). “Foram testadas diversas dosagens de lodo, até oito vezes acima dos níveis recomendados”.
Segundo o agrônomo, a concentração de metais no lodo depende da atividade, do desenvolvimento urbano e industrial da área que abastece a estação de tratamento. "As amostras tratadas com doses de lodo da ETE de Barueri apresentaram maiores teores de metais no solo”, conta. “Em todas as amostras, as concentrações de zinco e cobre ultrapassaram o limite de referência de qualidade proposto pela CETESB, chegando próximo ao nível de alerta (e até superado pelo cobre em uma das amostras de Barueri) nas doses mais elevadas de lodos”.
Quanto ao níquel, as parcelas tratadas com lodo de Franca apresentam teores inferiores ao valor de referência de qualidade, enquanto as amostras tratadas com o lodo de Barueri superam este limite. "Os teores totais de cádmio determinados variaram conforme os tratamentos, mas embora tenham ultrapassado o valor de referência, não atingiram o valor de alerta", explica. As conclusões da pesquisa estão na tese de doutorado do agrônomo na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP em Piracicaba.
FitodisponibilidadeOutra experiência mediu a quantidade de metais pesados absorvidos pelas plantas, por meio do cultivo de arroz em placas de Petri com amostras de terra. "As amostras tratadas com lodo proveniente da ETE de Barueri foram as que apresentaram maior fitodisponibilidade dos metais estudados, sendo que os teores de cobre e zinco ultrapassaram os limites de fitotoxicidade nas amostras tratadas com as maiores doses de lodo", conta o agrônomo.
Os teores de níquel acumulados nas plantas de arroz também foram maiores nas amostras tratadas com as maiores doses de lodo de Barueri, mas não superaram os limites de toxicidade. "Os resultados indicam que a aplicação sem critérios de lodo de esgoto na agricultura pode provocar sérios danos ao meio ambiente e à saude humana, como incidência de câncer, devido ao aumento da biodisponibilidade dos metais pesados".
O agrônomo ressalta que os cultivos agrícolas devem seguir a Resolução 375 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), que limita a aplicação de lodo aos níveis de nitrogênio recomendados para cada cultura. "Além disso, é preciso considerar as características de desenvolvimento e industrialização da região em que o lodo é gerado, que influenciam diretamente nos teores e disponibilidade de metais pesados no resíduo", afirma.
Mellis aponta que além dos metais, o resíduo de esgotos contém outros poluentes como o nitrato, além de patógenos que se não controlados podem provocar graves doenças nos seres humanos. "Uma forma de amenizar esses perigos é aplicar este resíduo somente em culturas destinadas à industrialização, florestas e algumas culturas perenes, tais como eucalipto, café e cana-de-açúcar", recomenda.
Mais informações: (0xx19) 3236-9119, com Estevão Vicari Mellis. Pesquisa orientada pelo professor Arnaldo Antonio Rodella
(Por Júlio Bernardes,
da Agência USP, 07/11/2007)