Um dos componentes mais importantes para tentar entender as mudanças climáticas ainda ganha pouca atenção no debate científico internacional: os oceanos. O alerta foi feito por Edmo Campos, professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), que abriu nesta segunda-feira (05/11) a 3ª Conferência Regional sobre Mudanças Globais: América do Sul.
De acordo com o pesquisador, as variações climáticas em curso afetam diversos processos químicos, físicos e biológicos dos oceanos, que, por sua vez, terão impactos ainda pouco estudados sobre o clima. “Os oceanos recebem a maior parte da radiação solar que atinge a Terra. O planeta ganha calor nos trópicos e perde nas altas latitudes. A distribuição desse calor cabe fundamentalmente aos oceanos, especialmente nos trópicos”, disse à Agência Fapesp.
Campos explicou que, ao aquecer a atmosfera, o oceano gera diferentes gradientes de temperatura, criando um movimento que produz ventos, redistribuindo calor e interferindo em correntes oceânicas, alterando a temperatura em todo o planeta.
“É um sistema intrincado de correntes, que interage com as mudanças climáticas e afeta toda a dinâmica global. Para fazer previsões sobre como isso vai acontecer é preciso fazer muita observação. E observar o oceano não é algo simples ou barato”, disse.
A inércia térmica dos oceanos é muito grande, ou seja, demora tanto para esquentar como para esfriar. Isso diminui a precisão dos modelos climáticos, criando dificuldades para os cientistas. “Em qualquer modelo climático é preciso conhecer as condições iniciais para poder fazer previsões. O grande problema é conhecer o estado inicial dos processos oceânicos”, afirmou.
Segundo Campos, há cerca de 200 anos os mares procuram se acomodar às mudanças causadas pelo homem. “A molécula de água é muito polarizada, por isso a inércia térmica do mar é mil vezes maior que a da atmosfera. Se o sistema é aquecido por muito tempo, é preciso um tempo igual para resfriá-lo depois.”
O professor afirmou que o aquecimento global pode afetar o processo de absorção do carbono, alterando todo o balanço climático. “O oceano está perdendo lentamente a capacidade de absorção de CO2, o que pode, a longo prazo, aumentar o efeito estufa”, disse.
Por outro lado, à medida que absorve carbono, o oceano fica mais ácido. “Os estudos mais recentes mostraram que desde a revolução industrial houve uma diminuição de 0,1% no pH oceânico, que historicamente se mantém em torno de 8,16. Se o pH descer abaixo de 7, o oceano perderá a capacidade de absorver o carbono.”
Resfriamento global
Segundo Edmo Campos, o clima global é especialmente sensível a variações no oceano Pacífico, que tem uma característica especial, descoberta há apenas dez anos e que pode trazer surpresas para o clima global: a Oscilação Decadal do Pacífico (PDO, na sigla em inglês).
“Essa oscilação é caracterizada por fases frias e quentes alternadas a cada 20 ou 30 anos. Estamos no fim de uma fase quente e recentemente vários pesquisadores têm apontado para uma possível redução da temperatura média do planeta em função da fase fria que se aproxima”, explicou.
O possível “resfriamento global” causado pelo Pacífico, no entanto, preocupa o pesquisador. “O fato de ter uma fase fria acontecendo, com redução da temperatura, não significa que a mudança climática será interrompida. Ela pode ser maquiada”, disse.
Segundo Campos, o clima não varia de forma contínua e, mesmo com um resfriamento temporário, as mudanças climáticas não podem ser desprezadas. “Talvez a fase fria seja mais quente do que a última. E a próxima fase quente poderá ser mais quente do que a anterior.”
A mudança de salinidade também altera os padrões climáticos, ao criar correntes profundas resultantes da diferenças de densidade da água: as correntes termohalinas. “São movimentos de água produzidos quando a densidade se altera por variações de temperatura ou salinidade em alguma região oceânica superficial”, explicou.
Uma das conseqüências da interferência no padrão de circulação termohalina é um eventual aumento do nível do mar. “Há uma maior elevação na superfície da água, onde há uma anomalia positiva de sal. A diferença entre elevação da superficie em diferentes localidades produz gradientes de pressão anômalos que vão gerar correntes anômalas. Tudo isso ainda precisa ser estudado”, disse Campos.
O professor conta que o Instituto Oceanográfico da USP montou uma comissão para viabilizar a aquisição de um novo navio de pesquisa. Segundo ele, o navio Professor Besnard está obsoleto. “A USP tem o único navio brasileiro integralmente dedicado à pesquisa. Mas ele cumpriu seu papel e hoje precisa de muitos recursos para se manter operacional. Necessitamos de um novo navio. A USP tem toda a estrutura, experiência de manutenção e recursos para a tripulação”, afirmou.
(Por Fábio de Castro, Agência Fapesp, 06/11/2007)