Ignacy Sachs é conhecido como um "ecossocioeconomista" por sua concepção de desenvolvimento como uma combinação de crescimento econômico, aumento igualitário do bem-estar social e preservação ambiental. Nascido na Polônia, graduou-se em Economia no Rio de Janeiro, fez doutorado na Índia e foi morar em Paris, onde se naturalizou cidadão francês. Foi pesquisador do Instituto de Relações Internacionais na Polônia e tornou-se, em 1957, Secretário para Cooperação Científica e Técnica da embaixada polonesa na Índia.
Em 1968 foi convidado por Fernand Braudel para integrar o corpo docente da hoje École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), onde criou, em 1985, o Centre de recherches sur le Brésil contemporain (Centro de Pesquisas sobre o Brasil Contemporâneo), do qual é atualmente co-diretor. Trabalhou na organização da Primeira Conferência de Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, realizada em Estocolmo, Suécia, em 1972, durante a qual foi criado o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Foi também conselheiro especial da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992.
Sachs visitou esta semana a redação do Amazonia.org.br e conversou sobre desenvolvimento sustentável e Amazônia. Abaixo os principais trechos da entrevista.
Desenvolvimento Sustentável"O conceito vem sendo criado desde a conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Estocolmo, no ano de 1972. Já estava claro naquela época que a sustentabilidade não deveria ser apenas ambiental, mas também social. Antes de tudo é um princípio de solidariedade com as gerações futuras. Naquela época cunhamos o conceito de eco-desenvolvimento.... A viabilidade econômica é apenas um instrumento do tripé. Para atingir o desenvolvimento sustentável será necessário um pacto entre o Estado, os empresários, os trabalhadores e a sociedade civil organizada."
"No período 1945-75, tivemos alto desenvolvimento econômico e social, mas destruindo o meio ambiente. Também é possível ter crescimento econômico e proteção ambiental, a despeito de não haver geração de empregos. Hoje, no Brasil, temos um déficit crônico de trabalho decente... O termo desenvolvimento sustentável foi apropriado pelos atores econômicos e acabou reduzido ao crescimento econômico. Para que ele seja efetivamente contemplado é preciso haver desenvolvimento econômico, ambiental e social."
Consumo X Produção"A equação do desenvolvimento sustentável deve começar a ser alterada pelos padrões de demanda e consumo. Temos de fazer oposição a um mimetismo corrente. Não podemos pensar que haja um modelo de sustentabilidade único, possível de ser implementado em todas as regiões do mundo. Mesmo no Brasil, o padrão de consumo em São Paulo não é aplicável ao interior do Amazonas, por exemplo. O padrão de consumo deve ser adaptável às especificidades de cada lugar... Também é necessário mudar os padrões da oferta e uso dos recursos naturais e econômicos. Isso inclui redesenhar as cidades, melhorar o uso dos transportes, da geração, fornecimento, e aproveitamento energético, criação de novas tecnologias. O último aspecto a ser considerado, são as correções no plano ambiental, no sentido de reverter ou mitigar danos já acontecidos."
Amazônia"Há duas distorções graves quando pensamos na Amazônia. A primeira delas é pensar a região como um problema e não como uma solução. A segunda é ver a região como mera reguladora do clima do planeta em vez de pensar nela como a terra dos povos amazônicos... Lá pode estar o nascedouro de uma civilização baseada na energia da biomassa. Da energia gerada por fotossíntese podemos conseguir alimentos, combustíveis, química verde, fármacos e cosméticos."
"Precisamos de investimento massivo em conhecimento e na qualificação da mão-de-obra. Em contrapartida, os recursos naturais devem ser usados de maneira eficiente, pois eles são limitados. No caso do Brasil, mais ainda, pois aqui os recursos financeiros são limitados também.... É possível desenvolver sem desmatar. A área já derrubada é equivalente ao território da França - 600 mil km2 - e seria possível desenvolver uma população três vezes maior do que a população amazônica atual. Mas para que isso aconteça é preciso rever o modelo de desenvolvimento adotado para a região. A integração na economia globalizada é feita de modo invertido. Trouxemos a indústria eletrônica japonesa para cá, quando deveríamos ter propiciado desenvolvimento para os produtos locais."
Reservas"Temos que criar Reservas de Desenvolvimento Sustentável para recuperar e explorar de forma manejada as áreas já desmatadas. Uma maneira de viabilizar esse manejo seria com agricultura consorciada e reflorestamento produtivo. Para obter resultados seria necessário conjugar três fatores: zoneamento ecológico e econômico (ZEE), certificação dos produtos e discriminação positiva dos pequenos produtores."
"Considero exagerado manter o percentual de 80% de reserva legal na região, além de criar uma unidade de conservação atrás da outra. É fácil criar essas reservas no papel e depois não ter condições de fiscalizar o território... O maior risco para a Amazônia é a monocultura. O país já teve experiências danosas com esse modelo desde o período colonial. Pode ser feita uma exploração até mesmo com o plantio de espécies exóticas, consorciadas com outras culturas. A idéia é ter sistemas integrados de produção de alimentos e energia."
Reforma agrária"Reforma agrária não pode se restringir a distribuir terra. É preciso repassar conhecimento, estruturas, facilitar o acesso aos mercados e ao financiamento ao pequeno agricultor. O imposto territorial deveria ser progressivo em relação ao tamanho e ao tempo de propriedade. Isso forçaria a produtividade nessas terras e ajudaria os pequenos produtores."
Expansão da cana"O cultivo da cana no Pantanal seria extremamente danoso. Para outras regiões, há necessidade de se avaliar caso a caso. Por que não plantar a cana em regiões como no cerrado de Roraima? Com o zoneamento econômico e ecológico poderia ser viável. É mais importante discutir o regime social e ambiental dessa produção do que em qual região do país esse cultivo será efetuado."
(Por Charles Nisz,
Amazonia.org.br, 31/10/2007)